02 marzo, 2013

Cronaca: Os titulos de Pedro; ou, Sergipe embaça na ultima viagem do "Papa vindo de longe"



Orvieto (Itália), sábado, 02 de abril, 22 horas. A assembléia entoava um hino a Virgem Santa enquanto clausurávamos a procissão que caminhava com destino à sacristia. Era o final da missa que celebrávamos pedindo a Deus pelo Meu Papa, o único que conheci em toda a minha vida. Antes mesmo que terminássemos a celebração a igreja foi invadida por uma mulher que chorando, dar-nos a noticia: “il Papa è morto!. Voltamos ao altar e anunciamos o falecimento.
Atirou a minha atenção o silêncio sepulcral no qual o templo foi envolvido e as preces e lagrimas que o seguiam. Mesmo separados de Roma por 124 km, éramos todos vizinhos da Cidade Eterna, ansiosos em saber se o mundo respirava o mesmo silêncio que respirávamos nós.
Oramos e depois conectamo-nos com o mundo! Todas as redes de televisão anunciavam a morte do Sumo pontífice da Igreja Católica e transmitiam ao vivo imagens da multidão presente na praça São Pedro.
Um mar de orações
No dia anterior, apos as minhas aulas na Universidade Gregoriana, somei-me àqueles que dirigiam-se a São Pedro alarmados pelo anuncio mediatico de que o Soberano do Estado do Vaticano havia perdido a consciência. Mais uma vez a Sé apostólica teve que desmentir tais boatos, mas uma coisa era certa: o Bispo de Roma havia começado a sua ultima viagem e, desde a praça os fies elevavam a Deus preces de intercessão pelo Vigário de Cristo. Em poucas horas esta foi enchendo-se e às 21 horas era já mais de cinqüenta mil pessoas. Joaquin Navarro Valls, assessor de imprensa da Santa Sé, em um dos boletins informativos afirmou que as vozes, ecoando na praça chegavam à residência apostólica fazendo o Patriarca do Ocidente sentir-se acompanhado pelo seu rebanho e manifestar sinal de serenidade e gratidão.
Naquela mesma tarde o Cardeal Camilo Ruini, vigário de Roma, celebrou uma missa em São João de Latrão: “ele já vê e toca o Senhor”, afirmou, dando sinais de que o Primaz da Itália dava os últimos suspiros do seu fatigoso peregrinar terreno.
Um mar de lágrimas
O dia de sábado, às 21:55 vem o inesperado aviso dado por Dom Leonardo Sandri, bispo membro da Cúria romana: “as 21:37 o nosso Santo Padre voltou para a casa do Pai”. Uma salva de palmas, seguida de lágrimas e de silêncio invadiu a praça de São Pedro. Durante toda a noite, desde aquela praça até os mais distantes lugares do planeta, cristãos e não-cristãos pediam a Deus pelo Papa João. D’outra parte, esse anuncio oficial ativou as forças civis. Baseando-se no esquema do Jubileu do ano 2000, quando milhões de peregrinos vieram a Roma, a cidade preparou-se para acolher os dois milhões pessoas que vieram para dar o seu ultimo adeus ao Papa João Paulo II. Súbito a proteção civil nacional pôs-se a trabalhar: o tráfego foi desviado, reforçou-se a presença dos meios de transporte publico, preparou-se um plano de estacionamento para os milhares de ônibus que viriam de toda a europa, os hospitais foram alertados para eventuais necessidades. As eleições regionais do dia 03 não foram adiadas (mas houve um alto numero de abstenção); ao invés, os teatros, o mundo futebolístico e a transmissão da corrida de Formula Um foram canceladas. O presidente da Federação Nacional de futebol, Gianni Petrucci, manifestou o seu penar: “… para nós foi-se embora o Papa dos desportistas”.
Um mar de veneração
Depois do meio-dia do domingo, revestido dos paramentos litúrgicos, o corpo do Atleta di Cristo foi exposto na Sala Clementina, no Vaticano. Os cardeais, os bispos, a cúria romana e o corpo diplomático credenciado junto a Santa Sé velaram-no.
Enquanto o corpo do Homem amado por todos não fosse transladado para a Basílica de São Pedro nós seguíamos ao vivo, seja pela tv. Da universidade veio-nos um aviso via e-mail comunicando que somente na sexta-feira as aulas seriam calceladas. “Morto un Papa, se ne fa n’altro”. Aparentemente a fria interpretação desse famoso ditado romanesco entrava em vigor: a vida segue adiante.
Na cinza tarde de segunda-feira o Arcebispo e Metropolita da Província Romana reaparecia, sendo conduzido em direção à praça. Aproxima-se à sua gente, numa aparição de poucos e eternos e minutos. Uma imagem diversa daquela que todos nós recordamos: aquele que eu via diante dos meus olhos era um Papa Pequenino! A morte não conseguiu mudar nem sequer o ultimo testemunho da sua dor, mas a sua força era a mesma, ou melhor, era ainda mais potente. Era 17:30. Na multidão o silêncio, as lagrimas e os aplausos manifestavam-se em uma perfeita simbiose; na minha mente apareceu um flash: aquele do dia onde conduzido pelos nossos bispos, Dom Lessa e Dom Dulcênio, foi ao encontro do Patriarca do Ocidente. Parecia reviver aquele momento: a minha voz entalada na garganta, minha mão que não conseguia entrega o livro de poesias de Dom Hélder dedicado à Virgem Maria... só depois é que percebi que o meu joelho, que reverentemente se dobrava diante do Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, havia errado a mira: eu estava ajoelhado encima do pé do Papa. A cena real foi fugaz, o flash também!
Em meio àquela multidão estimada em 50.000 pessoas éramos dois: ele e eu. Penso que todos aqueles peregrinos participaram daquele encontro também em primeira pessoa; todos o olhavam como eu. Aquele encontro falava aos nossos corações, parecia uma nova estrada de Emaús, só que dessa vez era os discípulos caminhando com o Vigário de Jesus Cristo.
Um mar de gente
Na terça-feira enfrentamos uma fila de mais de dois quilômetros para velar o corpo de João Paulo II, na sua própria casa, a Basílica de São Pedro, onde por muitas vezes participamos e concelebramos a liturgia por ele presidida. Era as três da madrugada quando eu, pe. Jivaldo e pe. Helelon, todos sergipanos, partimos da nossa casa, o Pontifício Colégio Pio Brasiliano, em direção à praça de São Pedro. Meia hora depois estávamos na fila, mais três pessoas na fila de dois quilômetros de extensão. Tinha gente de toda idade, cor, língua,... chegamos a encontrar uma outra sergipana, Irmã Maria José, filha da cidade de de Ribeiropolis. Às 07:00 da manha entravamos na Basílica e, como a fila avançava assustadoramente pela cidade de Roma, às 7:03 já estávamos fora da Igreja.
Durante os dias que antecederam a funeral aquela grande veia que impulsionava sangue para o coração da Igreja, isto é para o Vaticano, chegou a multiplicar-se, fazendo com que as pessoas esperassem ate por 22 horas para dar o seu ultimo adeus para o Sumo-Pontífice da Igreja Universal.
A causa do grande afluxo de peregrino a cidade tornou-se caótica e diante da impossibilidade, seja nossa que dos professores, de chegar ao centro histórico onde está situado campus universitário, as aulas foram interrompidas a partir da quanta-feira. A cidade parou!
Na quinta-feira, juntamente com Dom Lessa e o Pe. Rinaldo concelebramos na Basílica se São Pedro a missa em sufrágio da alma do papa, já aclamado pela multidão, pelos meios de comunicação e por muitos bispos como João Paulo Magno. Após a missa podemos conhecer e saudar o representante da Igreja Ortodoxa Russa, enviado pelo Patriarca ortodoxo de Moscou e de toda a Rússia, Alessio II e o decano anglicano John Arnold.
Um mar de prelados
Às vésperas do funeral foi posto em ato um plano para desafogar a cidade e para que se pudesse ter maior controle da situação. A todos os celulares com registro romano foi enviada um sms pedindo que ficássemos em casa, dando possibilidade ao peregrinos de outras cidades e nações, sobretudo poloneses de participar da missa pro difuntis. Desde a seis da manha as saídas da cidade foram bloqueadas; foi proibida a circulação de carros, inclusive ônibus, em todo o perímetro urbano. Com isso, 900 ônibus vindos da Polônia ficaram às portas da cidade. Esses peregrinos puderam assistir à celebração por meio de um dos 8 grandes telões postos em áreas preparadas para este propósito. Nós, atendendo a este pedido, ficando em casa e acompanhamos pela televisão. Aracaju estava representada por Dom Lessa que, em vestes prelatícias participou da missa, concelebrada exclusivamente pelos membros do colégio cardinalício, presidida pelo cardeal alemão Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a doutrina da fé (ex Congregação do Santo Oficio).
Um mar de poderosos
Nos dias de hoje, o papel político do grande Soberano do Estado da Cidade do Vaticano traduz-se no exercício de um cargo cerimonial, religioso e diplomático de grande importância e alguns crêem que este seja o motivo pelo qual, em meios aos bispos, estavam os homens mais poderosos da terra.
No abraço da paz, parte do rito das missas católicas, o mundo assistiu a homens de todos os credos, saudando uns aos outros. O presidente de Israel, Moshe Katsav, Mohammad Khatami, (Irã), Bashar Al Assad, (Síria), George W. Bush, (Estados Unidos), Jacques Chirac (França), príncipe Charles (Grã-Bretanha), Robert Mugabe (Zimbábue), …todos foram envolvidos pelo rito da paz. "O presidente do Irã estendeu sua mão para mim, eu a apertei e o disse em farsi: 'Que a paz esteja com o senhor'", disse Katsav. Todos cumprimentando-se? Mais uma formalidade? Prefiro pensar como o chanceler israelense, Silvan Shalom, que comentando o gesto litúrgico disse à CNN: “acho que isso nos deu um raio de esperança”.
Um mar de esperanças
Ao interno da Igreja as esperanças também fizeram-se manifestas. A imagem das Igrejas e Comunidades Eclesiais rezando juntas aos redor do Sucessor de Pedro è certeza de que o Espirito de Deus vai mais além dos contratempos da historia, e o Evangelho e testemunha desse desejo. Ele reflete a vontade de Jesus Cristo de que os seus discípulos permanecessem unidos sob a direção de Pedro, a quem Cristo deu o nome (ou se quiserem, o titulo) num momento solene em Cesaréia de Filipo: "Tu és Pedro e sobre esta pedra, edificarei a minha Igreja. A ti darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus" (Evangelho segundo São Mateus, 16, 13-20).
O polaco Karol Wojtyla, eleito em 1978, foi o 264° Sumo Pontífice, fazendo constar na sua biografia o segundo pontificado mais longo da história; deixa ao seu sucessor a grande missão de ser antes de mais nada Servo dos servos de Deus, o titulo que melhor define a missão de um Papa.
Boa viagem, João de Deus!

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