JESUS
DE
NAZARÉ
A presente tradução, feita sobre a segunda edição espanhola de Jesús de Nazareth, publicada em 1999 por
Noticias Cristianas, de Barcelona, esteve a cargo de Claudio Dionizio Rocha
Santos. A versão espanhola da vida e doutrina de Jesus se realizou, en sua
maior parte, transcrevendo literalmente textos de F. Miguel William e de M. Trens.
ÍNDICE
GERAL
I
Deus se fez homem
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II Nascimento de Jesus
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III Perseguido
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IV Pelos caminhos da Palestina
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V O primeiro milagre
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VI Ira santa
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VII Diálogo no silêncio da noite
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VIII O preço da água
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IX O Senhor dos milagres
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X Deformações da lei
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XI Os escolhidos
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XII Para ser feliz
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XIII Como devem ser os seguidores de Cristo
.......................................................
XIV Confiar em Deus
.........................................................................................
XV Os mortos ressuscitam
.................................................................................
XVI O vento e o mar lhe obedecem
.....................................................................
XVII Deus, o poder de criar do nada
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XVIII “Tu és o Filho de Deus vivo
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XIX
Quem é o meu próximo?
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XX
Ensinando a rezar
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XXI O cego de nascimento
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XXII O bom pastor
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XXIII Não temais a Deus por que Ele os ama
.........................................................
XXIV O perdão das ofensas
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XXV O valor das riquezas
.....................................................................................
XXVI La ressurreição de Lázaro
.............................................................................
XXVII Entrada triunfal na cidade deicida
....................................................
XXVIII
Dai a Deus o que é de Deus
.........................................................................
XXIX Destruição de Jerusalém
..............................................................................
XXX Profecia do fim do mundo
...........................................................................
XXXI Juízo final
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XXXII Judas, um apóstolo lhe trai
............................................................................
XXXIII
Instituição da Eucaristia
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XXXIV
No horto de Getsémani
................................................................................
XXXV Juízo e condenação
...........................................................................
XXXVI
Caminho do calvário e crucificação
..............................................................
XXXVII
Morte de Jesus
.............................................................................................
XXXVIII Sepultura de Jesus
........................................................................................
XXXIX
Ressuscita por sua própria força
.....................................................................
XL
Aparições de Jesus crucificado
......................................................................
XLI Pedro vigário de Cristo, cabeça da
Igreja .......................................................
XLII A missão do apóstolo
...................................................................................
XLIII
Jesus, o Filho de Deus, ascende aos
céus ........................................................
NOTA DO TRADUTOR
Recém-chegado à Espanha, em mil novecentos e
noventa e nove, travei o meu primeiro contato com o editorial Notícias
Cristianas. Linguagem acessível, poucas páginas, sã doutrina, para os que
querem, aprofundar o conhecimento da fé cristã, mas não conseguem dedicar muito
tempo à oração ou à leitura: eis uma realidade européia, possível alvo dos
livros de Notícias. Pude conhecer o editor-chefe e propor-lhe a tradução à
língua falada nas Terras Brasileiras.
Dos adjetivos acima elencados, acrescentei
o fato da carestia de livros, escassez de recursos do povo: ambiente favorável
à difusão dos livros, uma possibilidade de aportar algo a labor dos pastores da
Igreja no Brasil.
A obra que agora vos apresento não pode ser
considerada de todo autêntica; já Taciano, escritor dos primórdios do
cristianismo, fez do seu Diatessaron uma
tentativa de fusão dos Evangelhos em uma única narração da vida de Cristo. De
auntêntica tem o fato de ser uma obra sintética, sem perder a singularidade da
vida de Nosso Senhor.
Aceita a proposta, veio-nos o desafio:
traduzir conservando ao máximo a fidelidade ao original, dando um toque de
brasilidade ao opúsculo. Levamos a cabo com ajuda de umas tantas mãos. Agradeço
aos amigos de Barcelona, Santiago de Compostela e Roma que me ajudaram nessa
empreitada. Minha gratidão especial aos seminaristas da Arquidiocese de Aracaju
pelo apoio; a Fabiano Maurício Dantas, responsável pelo que há de bom na
tradução. Quanto aos possíveis erros e imprecisões, esperamos corrigir numa
posterior edição. De Fabiano, transcrevo fazendo minhas estas palavras:
“Desculpe alguma imprecisão, afinal não sou nenhum gramático. Dei só uma
ajudinha”.
C.D.
I
Deus se fez homem
Deus se fez homem
Em um povoado da Galiléia, chamado Nazaré, vivia uma jovem que havia
consagrado a Deus sua virgindade, se chamava Maria. Estava comprometida com um
descendente do rei Davi, de nome José. Estando um dia em oração, recebeu a
visita de um anjo de Deus que lhe disse: “Deus te salve, cheia de graça. O
Senhor está contigo, bendita és entre todas as mulheres... Encontrastes graça
diante de Deus; eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem colocarás o
nome de Jesus. Será grande, pois é o Filho do Altíssimo... Seu reino não terá
fim”.
Maria não compreendia como poderia conceber um filho se havia
prometido a Deus permanecer virgem. Mas o anjo esclareceu: “O Espírito Santo
virá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá. Por isso o santo que nascerá
de ti será chamado Filho de Deus”. Maria aceitou com estas palavras: “Eis aqui
a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”. E naquele momento o
Filho de Deus se encarnou nas entranhas dessa virgem.
Advertida pelo anjo que a sua prima Isabel estava esperando um
filho, foi à sua casa, situada entre as montanhas da Judéia. Isabel recebeu-a
com as mesmas palavras do anjo: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o
fruto de teu ventre. Por que sou digna de que a mãe do meu Senhor venha
visitar-me? Feliz és tu por que acreditastes. Em ti se cumprirá tudo o que foi dito da parte de Deus”.
Cheia de gozo a Virgem-Mãe exclamou: “Minha alma engrandece o
Senhor. Meu espírito exulta de alegria em Deus, meu salvador. Por que
contemplou a humildade de sua serva e por isso todas as gerações me chamarão
bendita”.
A encarnação de Deus é a união física entre a criatura e seu
Criador, entre o homem e Deus, com o vínculo mais estreito que se pode
conceber, um vínculo pessoal. Pelo fato de ser onipotente pôde fazer-se homem,
ou seja, pôde superar o abismo profundo, incomensurável que existe entre Ele e
a criatura, entre a finitude dos homens e a infinitude de Deus.
É verdade que todo homem poderia ver na criação a mão poderosa de
Deus, mas por causa do pecado se fez rebelde, orgulhoso, cego. Era necessário
recompor o homem. A sabedoria e a providência divinas encontraram o modo de
reconduzir o homem a Deus: o mesmo Deus se faria criatura, tomaria carne
humana. É a magnitude divina que nasce de sua bondade: fazer o bem. Neste caso,
o bem maior: salvar aos que lhe haviam ofendido.
II
Nascimento de Jesus
As profecias diziam que o Messias, ou seja o Deus encarnado,
esperado pelo povo judeu, haveria de nascer em Belém; e, não obstante, Maria e
José moravam em Nazaré. Mas eis que por aqueles dias se promulgou um edito de
César Augusto ordenando o censo de todo o império romano. Todos os judeus
tiveram que ir para recensear-se na cidade de sua estirpe. José, sendo sua
estirpe da casa e família de Davi, subiu à cidade desse rei, que era Belém, em
companhia de sua esposa, Maria, que já estava perto do tempo de dar à luz. E
aconteceu que, encontrando-se ali, Maria teve um filho. Enfaixou e colocou-o em
uma manjedoura que lhe fez as vezes de berço.
Não muito longe daquele lugar havia alguns pastores que viviam no
campo e passavam a noite em sentinela, cuidando do gado. Repentinamente
aproximou-se a eles uma luz celestial e um anjo lhes anunciou o nascimento de
Jesus, o Filho de Deus; e o lugar onde o encontrariam.
A alegria do céu se manifestou na terra: um numeroso exército de
anjos louvava a Deus dizendo: “Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos
homens de boa vontade”.
Mais que deter-nos na ternura dessa cena, convêm perguntar-nos: por
que Deus quis nascer tão pobre? Jesus quis ser mestre desde seu próprio
nascimento. Deveria ensinar-nos a não colocar nossa felicidades nas riquezas,
honras ou prazeres deste mundo. Enquanto Jesus nasce na mais espantosa pobreza,
Herodes recebe em Jerusalém, farto de adulações e prazeres, as homenagens de
seus cortesãos; e em Roma, capital do mundo, César Augusto, embriagado de
glória, se gaba por ter sobre o seu cetro todos os homens.
É assim como a mansidão, a humildade, a compaixão, e todas as outras
virtudes cristãs nascem em Belém. A pobreza perde sua mancha e passa a ser
virtude: desde Belém os pobres são imagem viva de Deus.
III
Perseguido
O rei Herodes, que governava Palestina, soube que o Messias havia
nascido porquê uma comitiva de magos vindos do Oriente apresentou-se a ele
perguntando onde poderiam encontrá-lo. Vinham com a idéia de que o encontrariam
em um palácio, rodeado de comodidades. Herodes, alarmado, e com medo de perder
o seu reino convocou, rapidamente, aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas
perguntando-os onde deveria nascer o Cristo. Eles responderam: “Em Belém de
Judá, já que assim profetizou Miquéias quando disse: ‘E tu Belém, terra de
Judá, não és certamente a menor entre as cidades da Judéia, por que de ti sairá
o chefe que regerá a Israel, meu povo”. Herodes decidiu matar a Jesus, mas um
anjo avisou a José, em sonho, que fugisse imediatamente para o Egito salvando
assim o Menino. Herodes, visando conseguir o seu objetivo, mandou matar a todos
os meninos de Belém e de toda a região que tivessem idade inferior a dois anos.
José e Maria permaneceram, pacientemente, no desterro do Egito até
que o anjo apareceu novamente a José e mandou que regressasse à sua pátria.
Herodes morreu aos setenta anos,
abominado e condenado por todos, e seu cadáver foi levado à fortaleza de
Herodião, testemunho de suas orgias e monumento de suas vinganças. José, por
ordem de Deus, afastou-se da Judéia e se dirigiu à Galiléia, ao povoado de
Nazaré, onde viveu numa modesta casa, que assistiria aos anos de vida oculta do
Verbo encarnado. Ali “cresceria Jesus em idade e graça diante de Deus e dos
homens”. Nessa expressão o evangelista resume a vida daquele jovem, desde os
doze aos trinta anos. Viveu ignorado num lugar da Galiléia, trabalhando numa
humilde profissão, escondendo sua grandeza divina, ao invés de manifestá-la; o
que é tão próprio dos homens. Viveu obediente aos seus pais. Vida humilde,
dedicada ao trabalho, oculta, igual a de muitos homens, que não ultrapassa um
pequeno círculo de vizinhos; mas com uma diferença: nesse silêncio de Jesus,
imposto pela vontade do Pai, cada palpitar do coração era uma aceitação gozosa,
um ato de agradecimento por todos e cada um dos pequenos gozos e contrariedades
que seu Pai lhe apresentava.
IV
Pelos caminhos da
Palestina
Aos trinta anos, Jesus abandonou a sua casa em Nazaré para ir pregar
publicamente a sua doutrina. Mas antes tinha que enviar o seu precursor, para
que lhe preparasse o caminho. Seu precursor era João, filho de Isabel, prima de
Maria, a quem esta havia visitado durante a gravidez. João vivia, desde a sua
adolescência no deserto, vestindo-se com pele de camelo, cingindo a cintura com
uma correia e alimentando-se de gafanhotos e mel silvestre. Chegada a hora,
Deus inspirou a João para que abandonasse o deserto e percorresse as margens do
rio Jordão pregando penitência e batizando com água, como símbolo da
necessidade de purificar o espírito. As pessoas lhe perguntavam: “Que devemos
fazer?”. E ele respondia: “Aquele que tem duas túnicas que dê uma para o que
não tem. E aquele que tem comida, faça a mesma coisa”. Aos arrecadadores de
impostos lhes pedia para que não exigissem mais do que o devido e, aos
soldados, que se contentassem com o seu salário, sem espancar ou caluniar a
ninguém. Advertia-lhes: “Eu só batizo com água para que façam penitência. Mas
virá outro mais poderoso que eu, do qual não sou digno nem sequer de desatar a
correia das sandálias. Ele os batizará
com o Espírito Santo”.
Quando Jesus se aproximou de João para ser batizado, este o
reconheceu e resistia dizendo: “Sou eu que devo ser batizado por Ti, e Tu vens
a mim?” Jesus lhe fez ver que a vontade de Deus era que Ele, o Filho de Deus,
se humilhasse e recebesse, como pecador, sem que o fosse, o batismo de
penitência. João aceitou e logo depois que Jesus foi batizado os céus se
abriram e desceu sobre Ele o Espírito Santo. Ouviu-se a voz de Deus Pai que
dizia: “Este é o meu Filho querido, que muito Me agrada”.
Depois de batizado, Jesus foi guiado
pelo Espírito Santo ao deserto, onde esteve durante quarenta dias e quarenta
noites sem nada comer. Para muitos dos que vivem nessas regiões, “ir ao
deserto” significa “ir morrer”. Pensam assim não só pelos efeitos do jejum,
senão também pelo que são as noites no deserto: longas e frias. Na escuridão,
ecoam os lamentos dos chacais errantes. Às vezes, do vale do Jordão às
montanhas de Moab, sobem os bramidos dos animais. Algumas vezes, na escuridão,
o ligeiro ranger da areia denuncia que rondam animais pelas proximidades.
Como pôde agüentar tanto tempo? Parece indubitável que os pecados do
mundo, que Jesus havia assumido, lhe pesavam agora mais sensivelmente que
antes; mas, ao mesmo tempo, se apoderou Dele um desejo ardente de empreender a
luta contra o reino do pecado e reparar a honra de seu Pai Celestial. Em razão
deste crescente fervor ficou como que
subtraído às leis ordinárias da vida do corpo e à espantosa solidão.
Mas, passados os quarenta dias e desaparecido o fervor, deve ter sentido um
esgotamento e uma fome que chegaram ao extremo. Esta necessidade foi a origem
das tentações. O demônio lhe sussurrou que se alimentasse, convertendo as
pedras em pão. Jesus descartou: embora tivesse poder para isso, embora tivesse
poder para criar do nada, não contrariaria a vontade de seu Pai só para fazer a
vida mais suportável. É a lição que queria transmitir à sua Igreja: o milagre
deve ser sempre em beneficio dos irmãos, para o bem alheio, não para a nossa
comodidade. Assim, seguindo o modelo de Jesus, o homem de fé diz: “Eu confio em
Deus. Ele é quem determina o tempo e a forma de vir em minha ajuda”.
V
O primeiro milagre
Jesus foi convidado para uma festa de casamento que se celebraria em
Caná. Jesus foi com os seus primeiros discípulos e com a sua mãe. Estando alí,
começou a faltar vinho. Maria se aproximou de Jesus e lhe disse: eles não têm
vinho. Jesus lhe responde que ainda não havia chegado a hora de manifestar-se
ao mundo com milagres. Mas disse sua Mãe aos que serviam: “Fazei o que Ele vos
disser”. Atendendo aos desejos de Maria, Jesus ordenou que enchessem de água os
três recipientes de pedra que serviam para as purificações dos judeus.
Encheram-as ao máximo. Jesus mandou, em seguida, que servissem como vinho. E
assim se fez. A água mudou de substância e foi transformada em vinho de tal
qualidade que mesmo o mestre-sala, criado que servia a mesa do senhor e provava
do que se servia para evitar um envenenamento, se queixou ao esposo de haver
rompido a tradição de servir o bom vinho no início. “Todo homem serve primeiro
o bom vinho, e depois de haver bebido bem, então dá o que não está tão bom; mas
tu guardastes o bom vinho até agora”.
A leitura dessa passagem talvez produza certa estranheza nos nossos
tempos, e alguém se pergunte: era tão importante ter vinho? Jesus numa festa de
casamento? O primeiro milagre não deveria ter mais vigor?
Deus se encarnou para revelar-se a
quem quisesse aceitá-lo, e é evidente que as pessoas simples fossem os seus
primeiros seguidores. Para estas pessoas, uma festa de casamento em sua
vizinhança é quase a única festa que interrompe a vida de trabalho. A festa de
casamento é uma grande preocupação para esse tipo de gente. Quanto mais pobre,
mais se preocupam para que não falte nada. Os pratos preferidos nessas festas
são: carne de carneiro fervida ao leite, todo tipo de legumes frescos e frutas
secas, como figos e passas e especialmente o vinho. Isto não quer dizer que
essas pessoas vivessem bem; pelo contrário, passavam semanas só a pão e água.
Mas numa festa de casamento não pode faltar o vinho, que na Palestina não é uma
bebida de prazer, mas tomado como alimento. Bebe-se misturado com água.
Freqüentemente se conserva em potes de barro, sobretudo se são famílias pobres,
que o guardam como “vinho para o casamento”. Assim, passam diante dos potes e dizem: “este é o vinho para a festa
de casamento. Até este dia ninguém poderá tocá-lo”.
Já podemos nos ir dando conta do problema que representa faltar
vinho em uma festa de casamento judeu. É como ter que interromper os sete dias
que costuma durar a festa. Seria a primeira amargura para os recém-casados.
Jesus, pois, dela participou porque estava entre sua gente, os pequenos, os
humildes.
Ter vinho em um casamento era tão necessário como ter alimento parra
dar aos convidados.
Não é de uma beleza incomparável o gesto de Jesus, movido
precisamente pelo pedido de uma mulher, sua Mãe?!
VI
Ira santa
Este mesmo Jesus, todo ternura e compreensão em relação às pessoas
humildes, se torna um homem firme, cuidadoso, serenamente irritado ante a
maldade. Aproximando-se a Páscoa judaica dirigiu-se a Jerusalém e encontrou o
Templo de Deus cheio de mercadores que vendiam bois, ovelhas e pombos para os
sacrifícios, e cambistas, hoje diríamos banqueiros que, sentados, trocavam
moedas gregas e romanas por moedas judaicas, as únicas aceitas para dar esmola
ou donativo ao Templo. Ante tamanha profanação, Jesus se inflamou de zêlo por
causa da ofensa que se fazia à casa de seu Pai. Mas, com um santo domínio sobre
si, começou improvisando um chicote com algumas cordas e, uma vez terminado,
aplicou-o contra os vendedores, as ovelhas e os bois, lançando ao solo o
dinheiro dos cambistas, revirando suas mesas e bancos. Aos que vendiam pombos
disse: “Tirai isto daqui e não transformeis a casa de meu Pai numa casa de
comércio. Convertestes-a em cova de ladrões”.
Os discípulos, ante aquele
gesto irado de seu Mestre, lembraram-se da profecia que colocava na boca de
Jesus estas palavras: “O zelo por tua casa me consome”.
Os discípulos estavam tão seguramente surpreendidos quanto os
comerciantes e demais espectadores. Jesus, o galileu de Nazaré, se atrevia a
lançar-se contra os abusos tolerados pelos sacerdotes! Mas ante um homem assim,
cheio de ira divina mas com completo domínio próprio, toda oposição cai por
terra.
VII
Diálogo no silêncio da
noite
Jesus empregou os oito dias da festa de Páscoa para pregar e fazer
milagres. Muitos creram nele; outros se perguntavam quem era aquele homem que
fazia coisas tão extraordinárias. Um destes, Nicodemos, um fariseu culto e bom
conhecedor da Lei, durante a noite se aproxima de Jesus. Quer conhecer a fundo
o Mestre e precisa solidão e tempo. Para um diálogo como este, a melhor hora,
no Oriente, é a última da tarde. É a mais própria num país onde faz muito
calor. Nicodemos diz simplesmente: “Sabemos que és enviado de Deus, pois
ninguém pode fazer milagres como tu fazes, si Deus não está com ele”.
Jesus conhece a nobreza científica de Nicodemo. Um homem sem duas
caras. “Aquele que não nasce de novo não pode ver o reino de Deus”, responde
Jesus. Nicodemo não entende a profundidade da doutrina messiânica e humanamente
pergunta: “Como pode um homem já adulto nascer de novo?” Jesus esclarece em que
consiste esse segundo nascimento: “Podes estar seguro que ninguém pode entrar
no reino de Deus se não renasce da água e do Espírito Santo”.
“O que nasce da carne, é carne; e o que nasce do espírito, é
espírito.” O nascimento da carne, que dá vida corporal, não pode ser repetido,
como perguntou Nicodemos, mas o nascimento do Espírito Santo em uma alma, pelo
batismo de água ou de desejo, pode criar no homem uma nova vida espiritual.
Esta é a conversão, mudança de vida, que pregava Jesus.
E esta conversão se dá no homem que olha para a cruz, para a dor.
Jesus acrescentou: “Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é
necessário que o Filho do Homem seja levantado para que aquele que creia não
morra, mas tenha vida eterna”.
Os israelitas, mordidos por serpentes
venenosas no deserto do Sinai, ficavam curados e não morriam se olhassem para
uma serpente de bronze que Moisés havia mandado colocar em um ponto bem
visível. Toda mudança de vida, toda conversão,inclui indefectivelmente, um
olhar a Jesus, o Filho do homem, crucificado. Para sofrer a Paixão e morte
encarnou-se o Filho de Deus. Fez-se Filho do homem. Os homens, pois, não se
salvam por si mesmos. É Deus quem os salva.
Seguramente Nicodemos, aquele sábio judeu, ia compreendendo que a
salvação não depende do conhecimento; mas, ao contrário, a ciência pode ser
impedimento de salvação por parte do homem, porque o conhecimento ensoberbece e
muitas vezes não se compreende a razão da dor. Olhar a cruz é mais próprio dos
simples e humildes, das pessoas de “boa vontade”, que dos sábios. Nicodemos
partiu pensativo. Havia comprovado que Jesus era muito mais que um enviado de
Deus. Era tamanha a profundidade e clareza de sua doutrina que não poderia ser
senão o mesmo Deus.
VIII
O preço da água
Depois da conversa noturna, Jesus deveria atravessar a região de
Samaria. E chegou a uma cidade samaritana, Sicar, que estava perto do poço que
Jacó havia dado ao seu filho José. Ali mesmo se encontrava a fonte de Jacó.
Jesus se sentou, fatigado da caminhada, com toda naturalidade, na beira do
poço; era quase meio-dia, fazia muito calor. Com isso chega uma mulher
samaritana para buscar água. Jesus lhe diz: “Dá-me de beber”. Os judeus
menosprezavam os samaritanos; por isso a mulher responde: “Como tu, sendo
judeu, pedes de beber a mim, que sou samaritana?” Não sabes que somos inimigos?
Pedes como se fôssemos amigos.
A samaritana olha o fundo do poço. O poço tinha uns trinta metros.
Não vê a água, mas traz uma grande corda. Jesus lhe propõe uma mudança: tu tens
a corda e o poço. Dai-me água material.
Eu tenho uma água que mata a sede para sempre.Ofereço desta a ti. A samaritana
compreende a seriedade daquele judeu. Mas não transcende o sentido espiritual.
Veio muitas vezes, em pleno verão, em busca de água, e regressou tão cansada à
sua casa que por um momento espera o milagre de que elimine a sua sede
material. Olha para Jesus e diz: “Dá-me desta água para que não tenha mais sede
e assim não terei que vir aqui a buscá-la”.
Chegou o momento em que Jesus faz ver o valor superior,
incalculável, da água espiritual que lhe oferece. “Vai a tua casa e regresses
com o teu marido”. A samaritana responde: “Não tenho marido”. “Sim, eu sei...
Tivestes cinco maridos e o que agora tens não é teu marido”.
A samaritana não se ofende. É uma mulher pecadora, mas humilde. Vai
compreendendo que se encontra ante um ser excepcional, para quem todos os homens
são iguais. Por isso falou com ela, samaritana e pecadora. Diz a mulher: “Sei
que não tardará a chegar o Messias, chamado Cristo. Quando vier nos ensinará a
verdade”.
Jesus lhe responde: “Este sou eu, que fala contigo”.
A samaritana compreendeu que a água
espiritual que Jesus oferecia é o amor que supera fronteiras e ódios, que faz
amar ao inimigo. Naquele momento entendeu a atitude de Jesus, que sendo judeu,
havia pedido água a uma samaritana.
Chegam os discípulos. A mulher deixa
o cântaro e apressada regressa à cidade. É conhecida de todos; aos gritos lhes
diz: “Vinde ver o Homem que me disse tudo o que tenho feito. Vejamos se não é o
Messias!”
Os samaritanos convidam Jesus a permaneçer em sua cidade. Jesus
aceita e permanece entre eles por dois dias. Ao deixarem Jesus, dizem à mulher
pecadora: “Já não temos necessidade de crer em ti. Nós mesmos vimos e ouvimos e
afirmamos que Este é verdadeiramente o Salvador do mundo”.
IX
O Senhor dos milagres
Jesus começou a residir em Cafarnaum,
cidade da Galiléia. Havia na sinagoga dessa cidade um homem possuído por um
demônio impuro, o qual gritou em alta
voz: “Que tens tu conosco? Vieste para arruinar-nos? Bem sabemos quem és: és o
Santo de Deus”.
Estas palavras possivelmente
produziram um horror repentino. Só que Jesus permaneceu impávido. Avançou ao
encontro do endemoninhado e disse com firmeza: “Cala-te e sai desse homem”. O
demônio, sacudindo-o com violentas convulsões, lançou-o ao solo e saiu dele,
sem fazer-lhe nenhum mal. Ficaram todos tão chocados que se perguntavam uns aos
outros: “Que nova doutrina é esta? Fala com tal autoridade que até os espíritos
imundos lhe obedecem”.
Toda a cidade de Cafarnaum se
transformou em um formigueiro: assim, depois do crepúsculo, terminado o
descanso sabático, as pessoas se espremiam na entrada da casa de Pedro, onde
residia Jesus. Traziam doentes de diferentes enfermidades e Jesus os curava tão
somente impondo as mãos sobre eles. Também expulsou muitos demônios que saiam
gritando: “Tu és o Filho de Deus”. Mas Jesus lhes proibia falar por que
desprezava o testemunho dos malvados demônios.
Ao dia seguinte, bem cedinho, foi a
um lugar solitário para rezar. Depois se dirigiu a outras cidades para seguir
anunciando a chegada do reino de Deus. Numa delas encontrou um homem cheio de
lepra, que ao ver Jesus, prostrou-se por terra e lhe rogou: “Senhor, se queres,
podes limpar-me”. Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse: “Quero, fica limpo”. E
no mesmo instante desapareceu a lepra. Jesus, além de ordenar que não contasse
a ninguém, disse: “Vai, apresenta-te ao sacerdote e oferece por tua cura o que
mandou Moisés a fim de que lhes sirva de testemunho”. Apesar de tais
proibições, a sua fama aumentou mais e mais, de modo que chegavam grandes
multidões para ouvir Jesus e serem curados de suas enfermidades.
Jesus é Senhor dos milagres porque é
Senhor da vida; curava todos os males da mesma maneira, sem diagnóstico, sem
palavras já determinadas, sem fórmulas preparatórias. Colocava em liberdade os
endemoninhados e não consentia que se falasse de si. Porque o fim de toda cura
era mais que a saúde: era devolver aos homens a fé em Deus Pai. Toda obra de
misericórdia deve ter o mesmo fim: devolver a confiança em Deus, que é Pai do
pobre, do doente, do abatido.
X
Deformações da lei
Tanto transportar aos doentes como
oferecer-lhes um tratamento medicinal era terminantemente proibido em dia de
sábado. Não pela lei de Moisés, mas pela mesquinhez das interpretações dos
sábios doutores. Por este motivo os fariseus ficaram nervosos ao ver que Jesus
curava em dia de sábado, o dia do repouso absoluto, e que as pessoas se
dirigiam a ele com seus doentes.
Também os fariseus tinham um desprezo
especial pelos publicanos, que se dedicavam a cobrar impostos. Jesus havia
escolhido para seu discípulo precisamente um desses publicanos, Levi, a quem
chamou de Mateus. As coisa aconteceram assim: Levi se encontrava sentado no
banco dos impostos e Jesus lhe disse: “Segue-me”. O publicano deixou tudo e o
seguiu na mesma hora. Seus companheiros quiseram dar-lhe um grande banquete de
despedida e Jesus foi comer com eles. Os fariseus se escandalizavam por Jesus
comer com aqueles pecadores. Jesus lhes explicou: “Tenham em consideração que
não necessitam de médicos os que estão com saúde, mas os doentes. Eu vim para
que os pecadores se convertam e façam penitência”.
Não sabiam o que responder, mas o
ódio os invadia.
Aconteceu que, num dia de sábado, Jesus entrou em uma sinagoga para
ensinar e encontrou ali um homem que tinha a mão direita seca. Os fariseus
estavam atentos para ver se Ele ousaria curar em dia de sábado. Jesus, que
conhecia os seus pensamentos, disse ao doente: “Levanta-te e vem para o meio!”.
Os fariseus estavam calados. Jesus prosseguiu: “Há alguém entre vós
que tendo um jumento se este cai em um buraco, mesmo en dia de sábado, não o
retira do buraco? Pois, quem vale mais, um homem ou um jumento? Logo, é
permitido fazer o bem em dia de sábado”.
Os fariseus seguiam obsecados, ansiosos de acusa-lo por curar em dia
de sábado. Jesus fixou os olhos neles cheio de indignação e disse ao homem:
“Estende a tua mão”. Estendeu-a, ficando normal como a outra.
Cafarnaum é a cidade dos milagres de
Jesus e também da incredulidade. Contam os evangelistas que um dia houve um
fluxo tão grande de pessoas em frente à casa onde vivia Jesus, que não cabiam e
se aglomeravam diante da porta. E assim lhes ensinava. Nisso, chegaram alguns
com um paralítico levado por quatro homens. Mas não podiam entrar. Decidiram,
então, fazer uma abertura no teto da casa: tiraram as palhas, que faziam as
vezes de telhado, e desceram a maca com o doente, colocando-a aos pés de Jesus.
Todos os olhares estão fixos no
Mestre. Todos se fazem a mesma pergunta: curará ou não o doente? Mas os que estão mais tensos são os fariseus.
O doente pede com o olhar: “Dá-me a saúde do corpo”.
Jesus é desconcertante. Não o cura na mesma hora. Só diz: “Teus
pecados te são perdoados”. Te dás conta, filho, de que te estou curando? Dei
vida à tua alma com o perdão que acabas de receber... embora teu corpo siga
imóvel.
Todos ouviram muito bem: Jesus havia perdoado os pecados do
paralítico, por seu próprio poder divino. E por que conhecia perfeitamente os
pensamentos mais secretos de seus inimigos, lhes diz: “O que é mais fácil:
dizer ‘teus pecados estão perdoados’ ou mandar a este paralítico que se
levante, pegue sua maca e comece a andar?
Os fariseus não respondem. Sabem que
tanto uma coisa como a outra requerem poder divino. Mas assim como é fácil
dizer “teus pecados estão perdoados” e ninguém pode comprová-lo por que pertence
à jurisdição interna, em troca, mandar a um paralítico andar é um milagre fácil
de captar. Calam porque sabem que se Jesus demonstra seu poder divino para
curar os corpos, também o terá para curar as almas, perdoando ao pecador.
Jesus, com um sereno olhar, conclui: “Pois, para que vejais que o
Filho do Homem tem poder de perdoar os pecados na terra, te digo: levanta, toma
a tua maca e regresses à tua casa”.
Ao ouvir esta voz, o paralítico se
levanta, pega a sua maca e desaparece à vista de todos.
XI
Os escolhidos
Jesus resolveu escolher doze
apóstolos entre os seus seguidores; mas, antes de proceder à eleição retirou-se
num monte e passou toda a noite em oração. Ao amanhecer, escolheu Simão, a quem
deu o nome de Pedro; André, seu irmão; os filhos de Zebedeu, Tiago e João;
Felipe e Bartolomeu, Mateus e Tomé; Tiago , filho de Alfeu e seu irmão Judas
Tadeu; Simão, o Zelote e Judas Iscariotes, que foi o traidor. A missão deles
seria a de acompanhar Jesus e aprender sua doutrina para pregar e expulsar os
demônios. Com eles percorreu cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas e
curando doenças. Eram seguidos por multidões que não lhes davam tempo nem para
comer. Se, em alguma ocasião, embarcavam para
evitar as grandes aglomerações, ao regressarem se encontravam com a
mesma multidão. Jesus sentia compaixão e dizia: “Estão como ovelhas sem
pastor”.
Repetia aos seus apóstolos que a
messe é grande e poucos são os operários. “Pedí ao Senhor da messe para que
envie mais operários para messe”. Depois
deu-lhes poder sobre todos os demônios e virtude para curar as doenças. Quando
os enviou a pregar os instruiu: “Ide pelos caminhos dizendo: ‘já esta próximo o
reino dos Céus’. Curai doentes, ressuscitai mortos, limpai leprosos e expulsai
demônios. Dai gratuitamente o que gratuitamente haveis recebido... Eu vos envio
como a ovelhas em meio de lobos. Sede prudentes como serpentes e mansos como
pombinhos... Os homens vos denunciarão aos tribunais, vos açoitarão e vos
conduzirão ante governadores para dardes testemunho de mim a eles e aos pagãos.
Mas não vos angustieis pensando no que falareis; pois não sereis vós que
falareis senão o espírito de vosso Pai que falará em vós... Não temais os que
matam o corpo mas não podem matar a alma; temei, sim, àquele que pode perder no
inferno a alma e o corpo... Todo aquele que der testemunho de mim diante dos
homens, lhe confessarei também diante de meu Pai que está nos céus; mas aquele
que me negar diante dos homens, eu também o negarei diante de meu Pai que está
nos céus.”
Foi assim que os doze percorreram os povoados pregando penitência.
Expulsavam os demônios e, ungindo com azeite os enfermos, os curavam.
Tinham a prudência dos homens
humildes e, embora vestissem camisas desbotadas pelo sol e pela água do lago,
suas mãos fossem inchadas e grossas ou seus rostos sujos pelo suor, o certo é
que eram homens santos. Só um seria infiel por causa do egoísmo.
XII
Para ser feliz
Cada dia que passava, aumentava a
multidão atraída pelos milagres. Jesus lhes ensinava dizendo:
Felizes os pobres de espírito, por que herdarão o reino dos Céus.
Felizes os mansos, por que possuirão a terra.
Benditos os que hoje choram, por que serão consolados.
Bem-aventurados os que têm fome e
sede de agradar a Deus, de fazer a vontade divina, por que serão saciados.
Felizes os que se compadecem e cuidam
de seus irmãos mais pobres, por que eles também alcançarão misericórdia.
Benditos os que têm o coração
limpo, os que sempre atuam com reta intenção, por amor a Deus, por que eles
verão a Deus.
Bem-aventurados os que semeiam paz
entre os irmãos, eles serão chamados filhos de Deus.
Felizes e benditos os que são perseguidos por darem testemunho de
sua fé, por que deles é o reino dos Céus.
Benditos sereis quando por minha causa vos
caluniarem e perseguirem e vos difamarem.
Alegrai-vos por que é muito grande a recompensa que vos aguarda no
céu.
XIII
Como devem ser os
seguidores de Cristo
“Foi dito”, disse Jesus, “aos vossos antepassados: não matarás. Eu vos digo mais: quem
tomar aversão ao seu irmão será digno de ser condenado; aquele que menospreza a
um irmão será julgado em assembléia; quem o chama insensato, será réu do fogo
do inferno”.
A caridade, o amor aos irmãos, está
acima das ofertas materiais ao mesmo Deus. Por que a principal oferta é o amor.
Por isso Jesus insistia: “Se quando fores apresentar tua oferenda no altar te
recordares que teu irmão tem alguma queixa contra ti, deixa ali a tua oferenda
e vai primeiro reconciliar-te com ele. Depois poderás apresentar a tua
oferenda”.
“Vos foi dito ‘olho por olho e
dente por dente’. Eu vos digo: se alguém dá um tapa no lado do teu rosto,
ofereçe-lhe também o outro. Ouvistes dizer: ‘Amarás a teu próximo e odiarás a teu inimigo’. Eu vos digo mais:
Amai aos vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que sejais filhos
de vosso Pai celestial que faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre
justos e pecadores. Porque, se só amais aos que vos amam, que prêmio havereis
de ter? Não fazem o mesmo os publicanos? Sede perfeitos como vosso Pai
celestial é perfeito”.
“Não façam boas obras diante dos
homens para que vos vejam... Quando derem esmola não queiram publicar ao som de
trombeta como fazem os hipócritas a fim de serem honrados pelos homens. Vos
garanto que eles já foram recompensados. Tu, quando deres esmola, fazes com que
a tua mão direita não veja o que faz a esquerda para que a tua esmola fique
oculta. E teu Pai, que vê o oculto, te recompensará.
Quando jejuardes, não fiqueis
tristes, como os hipócritas que desfiguram os seus rostos para mostrar aos
homens que estão jejuando. Em verdade, já receberam a sua recompensa. Ao
contrario, quando jejuares, perfuma a tua cabeça e lava o teu rosto para que só
o teu Pai que está nos céus conheça o segredo”.
Para que evitemos julgar ao nosso próximo, Jesus assinala: “Não
julguem e não sereis julgados. Não condenem e não sereis condenados. Perdoai e
sereis perdoados. Dai e vos será dado... Como podes olhar o cisco que está no
olho do teu irmão se não vês a trave que está no teu? Corriges primeiro a ti
mesmo, examina-te a fundo, tira a trave do teu olho, e então verás como poderás
tirar o cisco do olho do teu irmão. Por que se és cego, como poderás guiar a
outro cego?”
XIV
Confiar em Deus
Jesus insistia na necessidade de por
nossa confiança na providência Divina. É inútil acumular tesouros na terra. De
um modo ou de outro ficaremos sem coisa alguma. Só permanecerá o bem que
fizermos. Por isto, se engana quem serve a Deus tendo o seu coração posto nas
riquezas deste mundo. E se não existe a segurança da riqueza, em que o homem
deve confiar? Jesus diz: “Não vos angustieis com a necessidade de encontrar o
que comer para sustentar vossa vida ou onde conseguir roupas para vestir os
vossos corpos. Olhai as aves do céu, não semeiam, nem cultivam, nem têm
depósitos de grãos, e vosso Pai celestial alimenta-as. Pois, não valeis muito
mais que essas aves? Por que vos preocupais com as roupas? Olhai os lírios do
campo como crescem: eles não lavram nem tão pouco tecem; e ainda assim, eu vos
digo: nem Salomão em meio a toda sua glória se vestiu como um destes lírios.
Pois, se a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, Deus a
veste assim, quanto mais a vós, homens de pouca fé? Não vos preocupeis. Vosso
Pai conhece as necessidades que tendes de roupa e de comida. Buscai primeiro o
reino de Deus e sua justiça e todas as outras coisas vos serão acrescentada”.
Se é assim, por que existe tanta gente que leva uma vida miserável, sem casa,
sem comida, cheios de doenças, aniquilados e sem esperanças...? Porque nós, seus
irmãos, não buscamos em primeiro lugar a justiça – a vontade de Deus – e nos
apropriamos dos bens que corresponderiam a outros. Não confiamos na palavra de
Deus. Nós cristãos, corremos atrás do “ter mais” e ao fim, ficamos, muitas
vezes, sem o “ter mais” e sem o reino de Deus. Por isto, temos que ter
presentes a advertência de Jesus quando disse: “Entrai pela porta estreita; por
que a porta larga e o caminho espaçoso são os que conduzem à perdição e são
muitos os que vão por ele. Estreita é a porta e estreito o caminho que conduz à
vida e poucos são os que se atrevem a seguí-lo”.
XV
Os mortos ressuscitam
Depois que proferiu o sermão da
montanha, Jesus entrou outra vez em Cafarnaum. Havia nesta cidade um centurião
que tinha um criado, a quem queria muito e que estava doente, à beira da morte.
Este enviou alguns anciãos dos judeus para que dissessem a Jesus que viesse
curar ao seu criado. Os anciãos disseram ao Mestre: “Ele é digno de que lhe
faças este favor, por que quer muito à nossa nação e nos edificou uma
sinagoga”. Jesus aceitou e se foi com eles, mas estando já perto da casa do
centurião, este saiu ao seu encontro e lhe disse: “Não sou digno de que entres
em minha casa; basta que digas uma palavra e será suficiente para que meu
criado fique curado... É suficiente com que dês uma ordem”. Ao ouvir isto Jesus
se admirou e voltando-se à multidão que o seguia, disse: “Em verdade os digo
que não encontrei tanta fé em Israel”. E disse ao centurião: “Ide e seja como
credes”. E naquela mesma hora o criado ficou curado.
Pouco depois, Jesus foi, com seus
discípulos e com muita gente, à cidade de Naim. Quando chegou à porta da
cidade, eis que levavam um defunto para enterrar; era filho único e sua mãe era
viúva. Grande multidão da cidade ia com ela. Compadecido, Jesus disse à mãe:
“Não chores”. Depois, se aproximou do caixão. Os que o transportavam pararam.
Jesus disse: “Jovem, eu te ordeno: levanta-te”. O morto se reanimou e começou a
falar. E Jesus entregou-o à sua mãe.
Com isto se encheram de grande temor
e glorificavam a Deus dizendo: “Um grande profeta apareceu entre nós”, e “Deus
visitou o seu povo”. O eco destas exclamações se estenderam por toda Judéia e
por todas as regiões vizinhas.
Pouco tempo depois, Jesus se
encontraria com Jairo, um chefe da sinagoga, que se prostrou aos seus pés
dizendo: “Minha filha esta morrendo; venha e coloque a tua mão para que fique
curada e sobreviva”.
Enquanto se dirigiam a sua casa, lhe avisaram que não era necessário
que Jesus fosse pois sua filha já estava morta. “Não canses o Mestre”,
insinuam-lhe. Jesus olha para ele e diz: “Não tenhas receio. Só é necessário
que tenhas fé”. E prosseguiram o caminho acompanhados por Pedro, Tiago e João.
Chegam à casa e contemplam uma grande confusão com gente chorando e dando
grandes gritos. Ao entrar na casa, Jesus lhes disse: “por que chorais? A menina
não está morta senão dormindo”. Eles não acreditavam. Jesus os coloca para
fora. Fica só com o pai, a mãe e os três discípulos. Se aproxima de onde
repousa a jovem. Tomando-a pela mão lhe diz: “thalita kumi” que significa: Menina -eu te digo- levanta-te. No
mesmo momento a menina levantou e começou a andar, pois já tinha doze anos.
Todos ficaram cheios de assombro. Jesus manda que não contem a ninguém o que
acabavam de presenciar e que dêem de comer à menina. Más a notícia do milagre
se estendeu por toda a região.
XVI
O vento e o mar lhe
obedecem
As tempestades no lago de Genesaré
não deveriam surpreender a uns pescadores tão experientes como eram a maioria
dos apóstolos. Mas nas duas travessias do lago aconteceram algo assombroso:
Jesus mandou que navegassem num dia em que eles, pescadores experientes, haviam
ficado em casa.
Na primeira vez foi assim: Jesus
estava cansado. Esteve falando ao povo durante muito tempo e com toda sua alma.
Pediu aos discípulos para que cruzassem o lago, que fossem à outra margem. E
eles obedeceram. A atmosfera do lago fatiga e adormece, por si mesma, a quem
não esteja acostumado a ela desde jovem. O movimento compassado dos remos faz
com que o Senhor adormeça. Na popa, junto ao timão, tinha uma espécie de
almofada. Ali, entre a quilha e o banco de remos, há um espaço livre para que
um homem possa deitar-se. Mas, como temiam os pescadores, entre um abrir e
fechar de olhos, o tempo muda por completo. O barco encontra-se no meio de uma
zona agitada, e as ondas sobem. Quando suas cristas passam raspando junto à
embarcação atirando-lhe água, a nau perde sua mobilidade e toda a arte de remar
e manobrar fracassam. Em determinados trechos surgem os redemoinhos. Os pescadores
perdem a esperança em suas habilidades. Não lhes resta mais que confiar no
poder de seu Mestre. Mas este dorme... A fé dos discípulos não é tão firme para
esperar e permanecerem tranqüilos. Decidem despertar-lo. “Mestre, dizem
impacientes, não vês que perecemos?” Jesus se levanta. Se dirige ao vento
dizendo: “Cala-te!” Depois diz às ondas: “Tranqüilizai-vos”. O vento obedece e
para instantaneamente: o lago fica tranqüilo. Os apóstolos, gente do mar, sabem
que depois que o vento para, as ondas seguem ainda muito tempo depois agitadas
e ameaçadoras. Agora não ocorreu assim. Não só as águas apaziguaram, senão que
o lago ficou imóvel como um espelho.
Quando Jesus cura a um paralítico,
eles se admiram; mas agora, ante este milagre, eles, autênticos profissionais
do mar, se impressionam. Olham a Jesus e estão seguros de sua divindade. O
Mestre sorri: “Porque desconfiastes? Ainda não tendes fé?” É como se quisesse
dizer: “Não necessito está acordado para poder interceder por vós”.
Os discípulos recordam passagens da
Escritura, em especial a do domínio do Mar Vermelho, como obra própria de Deus,
de sua potência e sabedoria. Por isto exclamam: “Quem é Este que até o vento e
as ondas obedecem”.
Pouco depois comprovaram de novo o
poder de Jesus sobre as forças da natureza. Foi numa noite em que o divino
Mestre subiu a um monte, do qual se domina o lago de Tiberíades, para orar.
Assim que, em plena noite, Ele estava só na montanha. Os apóstolos estavam no
meio do mar, a quatro ou cinco quilômetros da costa e não podiam avançar. Se
perguntavam em seu interior porquê Jesus lhes havia mandado subir ao barco, e
porquê Ele não os acompanhou. O barco estava agitado, como um brinquedo, pelas
ondas. Porque era noite de lua cheia e estava tudo claro, Jesus presenciava, da
montanha, que os discípulos não controlavam o vento. La pelas três da madrugada
aproximou-se deles caminhando sobre as ondas, como se estas fossem firmes. Esta
visão espantou os pescadores: não lhes passou pela cabeça que pudesse ser Jesus
em pessoa. Emitiram bruscamente uma exclamação de horror: “É um fantasma!” Mas,
Jesus se dirigiu a eles com estas palavras: “Não tenham medo, sou eu”. O medo
desapareceu. Pedro gritou: “Senhor, se és Tu, manda-me ir ao teu encontro”.
Jesus aceitou, complacente, aquele sinal de amor e de fé de Pedro. “Vinde”,
respondeu.
Pedro saltou e não se afundou.
Avançava em direção a Cristo, seguro, como se fosse por terra firme. Mas, pouco
a pouco, começaram a vir à sua cabeça todo tipo de imaginações. Sua experiência
de pescador ia impondo-se. “Como era possível tal coisa?” Era impossível que
alguém andasse sobre as águas sem afundar... Um golpe de vento terminou por
desconcertar-lhe. Perdeu o equilíbrio e começou a afundar. Uma exclamação saiu
de seu peito: “Senhor, salva-me” Jesus estendeu o braço e sustentou-lhe,
repreendendo-o: “Homem de pouca fé, porque duvidastes?” Logo depois que Jesus
subiu ao barco o vento acalmou-se. Os apóstolos se lançaram aos pés de Jesus e
disseram: “Verdadeiramente és Filho de Deus”.
XVII
Deus, o poder de criar do
nada
Do nada, nada sai, disse o filósofo
racionalista. Mas quando se é Deus, se pode afirmar que não repugna à natureza
o milagre de criar do nada. Precisamente aqui está a força do mistério divino.
Que do nada deu origem à criação. Chamamos de multiplicação dos pães e peixes
às duas ocasiões em que Jesus deu de comer a multidões, só com cinco pães e
dois peixes que traziam um garoto... Em realidade é a criação da matéria
operada pela força de Jesus. Não se trata de que Jesus necessitasse dos pães e
peixes daquele garoto, senão como exemplo da colaboração do homem no plano
divino. Mas, o poder divino se manifesta através da criação, partindo do nada
da matéria, neste caso, o alimento necessário para que muitas pessoas
recuperassem as suas forças.
Aconteceu que grandes multidões
seguiam a Jesus. Em uma ocasião, estando em uma zona desabitada, seus
discípulos lhe sugeriram que despedisse a multidão antes que anoitecesse. Jesus
respondeu a eles: “Dai-lhes, vós mesmos, de comer”. Comprovaram assustados que
somente um garoto tinha umas poucas provisões: cinco pães e dois peixes. Mas
Jesus insistiu: “Fazei esta gente se sentar”. Para um homem que vive
exclusivamente entregue aos demais não há felicidade maior que ver como os
outros se sacrificam por sua causa. Isto o anima mais em sua entrega: o amor
transborda. É como se desparecessem os indivíduos em particular, ao mesmo tempo
que se ama mais a cada um em concreto. Algo assim aconteceu no coração de Jesus
enquanto os cinco mil homens iam sentando sobre a relva. Jesus tomou então os
cinco pães e dois peixes, abençoou-os, partiu e distribuiu aos seus discípulos
para que os servissem à multidão. O mesmo fez com os dois peixes. Todos comeram
até saciarem-se. Logo, disse Jesus: “Recolhei os pedaços que sobraram”. Vendo,
aquela gente, o milagre, diziam: “Este é em verdade o Profeta que haveria de
vir ao mundo”.
XVIII
“Tu és o Filho de Deus
vivo”
A multiplicação dos pães e peixes foi
o ponto determinante, para que muitos de seus seguidores se convencessem de que
Jesus era o Messias esperado por eles:
um Cristo vitorioso, forte, capaz de libertar da opressão romana, ou seja, o
Messias, tal como esperavam. Um vencedor terreno, um conquistador superior aos
legendários Alessandro Magno, Dario... Mas este não era o plano de Deus. Viria
uma luz espiritual, um reino de amor, incompatível com batalhas de armas e
ódios. A multiplicação dos pães é para Jesus um símbolo; enquanto que para a
maioria de seus seguidores é uma realidade que querem ver repetida. Jesus os
pede encarecidamente: “Vos digo com toda verdade: o pão desta terra não é o
verdadeiro pão do céu. O pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao
mundo... Eu, Cristo Jesus, sou o pão da vida. Vossos pais morreram. Não quero
que morrais; senão que tenhais vida eterna. Por isso, vos ofereço o pão que
desceu do céu, para que aquele que coma do meu Corpo não morra. O pão que eu
vos darei é minha carne, que eu entrego pela vida do mundo”.
Estas palavras produziram uma forte reação de incredulidade. Muitos
diziam: “Como nos pode dar a comer sua própria carne?”
Jesus não volta atrás; não formula
explicações. Ao contrário, insiste com toda claridade: “Em verdade, em verdade
vos digo: se não comeis a carne do Filho do Homem e não bebeis seu Sangue não
tereis vida em vós. Ao invés todo aquele que come a minha carne e bebe o meu
sangue, mora em mim e eu nele”. Muitos de seus seguidores se afastam. Não
compreendem as palavras de Jesus. Jesus não os disse como sua carne e seu
sangue seriam alimento das almas. A única coisa que pede é que creiam em sua
promessa. Não foi capaz de criar alimento em abundância para saciar multidões?
Pois, por que não quereis acreditar em mim? Que faríeis se vos mostrasse o
lugar que, antes de encarnar-me, ocupava na Divindade?
Jesus olha para Pedro e para os seus escolhidos. Com um tom paternal
lhes diz: “Quereis também ir embora?”
Pedro, em nome de todos, responde: “Senhor, para onde iremos? Só Tu
tens palavras de vida eterna. Nós acreditamos e sabemos que és o Santo de
Deus”.
Assim que os seus seguidores ficam
reduzidos a um pequeno grupo. Estava na região de Cesaréia de Filipe, a mais
distante do país de Israel, quando Jesus, subitamente, pergunta aos seus
apóstolos: “Que dizem os homens que sou, o Filho do Homem?
Os apóstolos respondem o que sabem:
“Uns dizem que és João, o Batista; outros que és Elias; outros, que é Jeremias
ou um dos Profetas”. “E vós, que dizeis que sou?” Pedro pensa: Jesus não é um
legado como os Profetas; é Filho de Deus, é ‘o Filho de Deus!” Pedro não
fraqueja nem retrocede deslumbrado ante esta idéia. Cheio de gozo e entusiasmo
confessa a Cristo, com a convicção de um homem simples, que sabe com certeza
íntima algo que transtorna todo o seu ser. “Tu és o Cristo, o Filho de Deus
vivo”. Jesus anuncia solenemente a Pedro a sua futura vocação. “Tu és, Simão,
filho de Jonas! Não foi a carne nem o sangue te revelaram isso, senão o meu
Pai, que está nos céus. E eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Te
darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado no
céu; e tudo o que desligares na terra será também desligado no céu”.
Pedro diz: “Tu chamas a ti mesmo de “Filho do Homem”, mas és o
Messias, o Filho de Deus feito carne”.
Jesus responde: “Tu te chamas Simão, mas és Pedra, a pedra sobre a
qual edifico minha Igreja. Acreditastes como rocha, precisamente por haver
confessado com tão firme inteireza minha filiação divina. Frente à cidade do
mal, a sociedade de Satanás, se constrói a Igreja. Por muito que tente, o
Inferno não conseguirá aniquilar-la. Com as palavras “ligar” e “desligar”,
Pedro recebe de Jesus o poder de representar a Deus na terra, na Igreja
militante, e transmitir-lo aos seus sucessores.
Depois dessa cena, Jesus lhes falou
de sua futura Paixão e morte. Devia ir a Jerusalém onde padeceria muito por
causa dos anciãos, fariseus e doutores da lei. Mas que depois de morto,
ressuscitaria. Para que compreedessem que o caminho de seus seguidores seria
árduo e penoso, acrescentou: “Se alguém deseja vir depois de mim, negue-se a si
mesmo e siga-me. Pois quem quiser salvar sua vida a perderá; más quem perder a
sua vida por amor a mim, a encontrará”.
“Digam: para que serve a um homem ganhar todo o mundo, se perde a
sua alma?”
XIX
Qual é meu próximo?
No caminho de Jerusalém, apresentou-se a Jesus um doutor da Lei e
lhe perguntou: “Que devo fazer para conseguir a vida eterna?
Jesus, a sua vez, o interrogou: “O que é que está escrito na Lei?
Respondeu o doutor: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo coração, com toda tua
alma, e com toda as tuas forças e com tua mente; e ao próximo como a ti mesmo”.
“Respondestes bem, disse Jesus. Faças isto e viverás”. Mas ele,
querendo dar a entender que era justo, perguntou a Jesus: “Quem é meu próximo?”
Jesus lhe explicou a parábola do bom samaritano. Um homem vinha de Jerusalém a
Jericó e caiu nas mãos de ladrões, que lhe levaram tudo o que tinha, lhe cobriu
de feridas e partiram deixando-o quase morto.
Descia, casualmente, pelo mesmo
caminho um sacerdote; e embora o viu, deu uma volta e seguiu adiante.
Igualmente um levita, apesar de passar por perto, o viu e seguiu adiante. Mas
um certo samaritano, que ia pelo caminho, se aproximou dele, e ao vê-lo se
moveu de compaixão, fez curativo nas feridas jogando sobre elas azeite e vinho.
Colocou-o no animal que o transportava, conduzindo-o a uma hospedaria e cuidou
dele. No dia seguinte tirou dois denários e os deu ao hospedeiro dizendo:
“Cuida para mim deste homem; e tudo o que gastares com ele, eu te pagarei
quando regressar”.
“Diz-me: quem dos três, te parece, foi o próximo do que caiu nas
mãos dos ladrões?” “Aquele que usou de misericórdia com ele”. “Pois vai,
terminou Jesus, e fazes o mesmo”.
O ferido era um judeu. O sacerdote e
o levita eram judeus. Seguramente não pararam para atender àquele desgraçado,
porque lhes custaria ter que chegar atrasado à seu ofício. Ao melhor, pensaram
que sua ocupação ou ofício tinha prioridade. Jesus não vê assim.
Pelo contrário, recolhe-o um samaritano, um inimigo dos judeus.
Jesus deu um exemplo claro de que para o amor não há inimigos. O samaritano
cuida do judeu melhor que seus próprios irmãos, que passaram dando uma volta
pelo outro lado “para não complicar-lhes a vida”.
XX
Ensinando a rezar
Jesus aproveita esta última viagem para inculcar na cabeça de seus
discípulos prediletos o valor da oração. Eles lhe viram recolher-se, muitas
noites, à montanha para rezar. Querem fazer como ele, mas não sabem.
Suplicam-lhe: “Senhor, ensina-nos a rezar”.
Jesus respondendo diz: “Quando
orardes, dizeis: Pai nosso que estás nos céus; santificado seja o teu nome;
venha a nós o teu reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.
Dai-nos hoje o nosso pão de cada dia; perdoa as nossas ofensas, assim como nós
perdoamos aos que nos ofendem; não nos deixes cair em tentação e livrai-nos do
mal”.
É uma oração simples. Não tem
palavras supérfluas nem usa expressões exageradas nas súplicas. Pede-se a Deus
uns dons que até então eram desconhecidos dos homens ou muito pouco queridos.
Jesus inculca um novo espírito de oração. A confiança em Deus Pai, mediante a
insistência, a constância, que fazem parte da oração mais que as palavras. Por
isso, Jesus lhes conta as parábolas do amigo inoportuno, do juiz sem
consciência, do fariseu e do publicano, para que seus seguidores encham-se de
confiança e de perseverança.
“Eu vos digo –acrescentou Jesus-,
pedi e vos será dado; buscai e encontrareis; batei e vos abrirão. Porque todo
aquele que pede, recebe, quem busca, encontra e ao que bate se abre. Existe
entre vós algum pai que dê uma pedra ao filho quando este lhe pede pão? Ou ao
que lhe pede um peixe, dá uma cobra em lugar do peixe? Ou ao que lhe pede um
ovo, lhe dê um escorpião? Pois se vós, sendo maus, sabeis dar coisas boas aos
vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus dará o espírito bom aos
que o peçam! E vos digo mais: se dois de vós se unirem entre si sobre a terra
para pedir algo, se lhe será concedido por meu Pai que está nos céus. Porque
onde dois ou três se encontram reunidos em meu nome, ali me encontro no meio
deles”.
XXI
O cego de nascimento
Em tempos de Jesus, Israel não tinha
instituições de beneficência. Por isso, no Oriente, mendigar era um direito dos
pobres. E era normal que uns pobres passassem ao lado de outros e trocassem
esmolas entre si. Muitos eram pobres por causa de algumas doenças ou de
deformações. Este é o caso de um homem cego que pedia esmolas perto do Templo
de Jerusalém. Era preciso que Jesus lhe curasse para que a glória de Deus se
manifestasse com toda a sua força. Jesus cuspiu sobre a terra; formou barro com
a saliva e aplicou-o sobre os olhos do cego. Logo lhe disse: “Vai e lava-te na
piscina de Siloé”. O servo obedeceu à palavra de Cristo, e foi, possivelmente,
sozinho. Lá embaixo, na piscina que recolhia as águas do interior da montanha
do Templo, lavou o barro dos olhos. Na mesma hora, recebeu o dom de uma vista
normal. Embora fosse sábado, contou imediatamente sua cura por todas as partes.
As ruas estavam cheias: assim, foi sendo cercado por uma multidão de curiosos.
Alguns lhe haviam visto mendigar naquela mesma manhã no lugar de costume. Seu
rosto antes era inexpressivo, retomou agora uma alegria que transfigurava-o.
Todos perguntam: “Como abristes os olhos?” “Aquele homem que se chama Jesus fez
barro, ungiu-me os olhos e disse: vai e lava-te na piscina de Siloé. Fui,
lavei-me e vejo”. Intervém os inimigos de Jesus, os fariseus. Querem saber como
foi o processo de cura. O homem repete tudo o que havia contado antes. Eles
exclamam com aparente indignação: “Este homem, ao curar-te, violou o sábado!”
Mas outros, mais precavidos se perguntam: “Como um pecador poderia operar tais
milagres?”
Os fariseus tentam em vão, primeiro
afavelmente, logo com ameaças, que o curado não reconheça a bondade de seu
benfeitor. Eles, os discípulos de Moisés, os interpretes da Lei, afirmam que
Jesus é um pecador, mas o curado tem a dureza daquele que sofreu muito e lhes
fala claramente: “Eu não sei se é pecador. Uma coisa eu sei, eu era cego, agora
vejo... Ele abriu-me os olhos. Sabemos que Deus não ouve aos pecadores. Quando
um teme a Deus e observa sua palavra, Deus lhe ouve! Desde que o mundo é mundo, nunca se ouviu
falar que uma pessoas por si mesma haja aberto os olhos de um cego de nascença.
Se este não fosse de Deus, não poderia fazer-lo”. A reação dos fariseus foi
violenta. Expulsaram-no da sinagoga e lhe disseram: “ Tu nascestes todo em
pecado e queres ensinar-nos? Jesus ficou sabendo de tudo o que aconteceu. Foi
em busca do curado, aquele homem simples que tão corajosa e decididamente havia
saído em sua defesa. Ao encontrá-lo lhe pergunta: “Tu crês no Filho de Deus?”
“Senhor, responde o curado, diga-me quem é para que eu creia nele”. Jesus
contesta: “Já o vistes, é este mesmo que fala contigo”. “Creio, Senhor”. E lhe
adorou.
Os doutores estão dia e noite preocupados com o estudo da Lei, e não
reconheceram o Messias; este cego, que durante toda a sua vida não fez outra
coisa que proferir sempre as mesmas frases para mendigar, se entrega agora a
Cristo com fé absoluta. Jesus diz: “Eu vim ao mundo para um juízo, para que os
cegos vejam, e os que enxergam sejam feitos cegos”. Em Jerusalém, Jesus se
encontrava sempre vigiado. Uns fariseus, que estavam próximo ouviram estas
palavras. E não ignoraram que a eles se referia. Estão obstinados em sua
cegueira. Vêem os milagres e são incapazes de reconhecer-los. Jesus não pode
curar-los por que eles mesmos não se sentem como cegos. Entre a dor e a
amargura pelas ovelhas que se perderão, Jesus exclama: “Se pelo menos fosseis
cegos não teríeis pecado. Mas vós mesmos dizeis que enxergais. Por
conseqüência, vosso pecado permanece”.
XXII
O bom pastor
Jesus tinha consciência que seus inimigos faziam planos para
matá-lo, e quis dar a entender que, com toda a ternura de seu coração, se
preparava para a morte, a fim de salvar às almas desgarradas. Disse aos que lhe
escutavam: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida por suas ovelhas.
Mas aquele que é mercenário, não é bom pastor, por não ser dono das ovelhas,
quando vê o lobo aproximar-se, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as arrebata
e dispersa-as, porque é um assalariado e não tem interesse algum pelas ovelhas.
Eu sou o bom pastor, conheço minhas ovelhas e minhas ovelhas me conhecem como
me conhece o Pai e eu o conheço. Assim, eu dou a minha vida pelas minhas
ovelhas. Tenho outras ovelhas, que não são desse rebanho. Também devo
recolher-las. Elas ouvirão a minha voz e formarão um só rebanho e um só
pastor”.
O bom pastor mostra solicitude
extrema pelas ovelhas perdidas, pelos pecadores. Tanto é assim que os fariseus
murmuravam contra Jesus acusando-lhe por causa do tratamento que dava aos
publicanos e pecadores. Onde resplandece com maior nitidez a misericórdia
divina é nesta parábola explicada por Jesus; quem de vós, lhes diz, tendo cem
ovelhas e havendo perdido uma, não deixa as noventa e nove no cercado e sai em
busca da que se perdeu até que a encontre? E quando a encontra, coloca-a sobre
os ombros contentíssimo, e chegando em casa diz aos amigos: “Alegrai-vos
comigo, por que encontrei a ovelha que havia perdido”. Assim eu vos digo que
haverá maior festa no céu por um pecador que se arrependa, que por noventa e
nove justos que não têm necessidade de arrepender-se”.
Pouco tempo depois Jesus teria a ocasião de pegar uma dessas ovelhas
desgarradas. Era o chefe dos publicanos, um homem rico chamado Zaqueu que vivia
em Jericó, uma das principais estações de aduanas do país. Zaqueu era o
arrendatário geral. Como proprietário desta administração aduaneira na maior
cidade comercial de Israel, naturalmente tinha que ser muito rico.
Jesus passou pela cidade com uma grande comitiva, entre aclamações.
Zaqueu quis ver ao homem que tantos milagres fazia. Por onde quer que tentasse
atravessar entre a multidão para poder ver a Jesus, se sentia impedido pela
barreira humana, pois era pequeno, de estatura. Finalmente conseguiu abrir
caminho, chegando perto de umas figueiras silvestres que, por ter um tronco
rugoso, não representam muito obstáculo para os que desejassem subí-las. Seus
ramos começam muito baixo; assim que deixando à margem as conveniências sociais
Zaqueu subiu em uma destas árvores. Mas quando Jesus passou ocorreu algo
inesperado. Jesus se deteve, olhou para Zaqueu e disse: “Zaqueu, desças por que
é necessário que eu mim hospede hoje em tua casa”.
Zaqueu, impressionado, correu para
preparar a recepção, enquanto os fariseus da comitiva murmuravam: “Como é isto?
Deter-se para comer na casa do chefe dos publicanos, quer dizer, de um
conhecido pecador!” Zaqueu não voltou atrás. E resolveu, como autêntico homem
de negócios, o que tinha de fazer de mais valor. Ao entrar o Mestre em sua
casa, disse: “Senhor, a metade de tudo o que tenho dou aos pobres, e se enganei
a alguém, lhe devolverei o quádruplo”. Zaqueu, arrependido impôs a si mesmo o
acerto de contas.
Assim o publicano, antes que Jesus
entrasse em sua casa, declara-se pecador arrependido. Jesus recuperou outra
ovelha perdida. Seu coração se enche de gozo, como ele mesmo havia anunciado. A
festa do céu é grande. “Hoje, diz contente, a salvação entrou nesta casa; por
que ele é também filho de Abraão. Pois o Filho do Homem veio buscar e salvar o
que havia perdido”.
XXIII
Não temais a Deus porquê
Ele vos ama
Nada alegra tanto o Coração de Deus como o homem que chora
arrependido de seus pecados. O primeiro pecado, o pecado original, cravou no
íntimo do homem um estranho temor de Deus, um medo servil, irracional, que
deveria ser mais próprio do demônio. É a falta de confiança em Deus, como se
Deus, ao invés de querer a nossa salvação, estivesse ao encalço de nossos
pecados, para chamar-nos e mandar-nos a uma eterna condenação. Nada tão
diabólico e contrário ao amor divino. Jesus vai atacar a fundo esse temor. A
parábola do filho pródigo é um chamado a confiar em Deus apesar de todos os
nossos pecados.
“Era um
homem que tinha dois filhos. O menor deles disse ao seu Pai: pai, dá-me a parte
da herança que mim pertence. E o pai satisfez o seu desejo. Dias depois o jovem
reuniu todas as coisas que tinha e foi a um país distante e ali desperdiçou
toda a herança, com farras e bebedeiras. Depois de haver gastado tudo, houve
uma grande fome naquele país, e começou a sofrer grandes privações. Teve que
trabalhar para um morador daquela terra, o qual lhe enviou para cuidar de
porcos. Ali teve desejo de encher o seu estômago com as algarrobas que comiam
os porcos; mas ninguém as dava. Chegou um momento em que se pôs a pensar:
quantos empregados de meu pai têm comida em abundância, e eu estou aqui
morrendo de fome! Levantar-me-ei, irei ao encontro de meu pai e direi: Pai,
pequei contra o céu e contra ti, já não sou digno de ser chamado de teu filho;
trata-me como a um dos teus empregados. E levantando-se, deu inicio a viagem de
regresso à casa de seu pai. Estando ainda longe, seu pai o avistou, e cheio de
amor, saiu correndo ao seu encontro, lhe abraçou e beijou. O filho queria
pedir-lhe perdão. Começou dizendo: Pai, pequei contra o céu e contra ti, já não
sou digno de ser chamado de teu filho. Mas, o Pai, interrompendo-o, disse aos
seus criados: Trazei a melhor roupa e vestí-o; colocai um anel em seu dedo e as
sandálias. Preparai um banquete com um novilho. Comamos e celebremos, porque
meu filho estava morto e ressuscitou, estava perdido e foi encontrado...”
Jesus nos explica que Deus é o Pai cujo a dor por um só homem que se
perde nunca é superada. Por isso, naquele mendigo que, vestido em trapos, se
aproximava, descobriu instantâneamente ao seu filho perdido. Tão grande é o
ardor com que Deus espera o arrependimento de seus filhos. E quando o pecador
inicia a sua confissão, o Pai embriagado de gozo, já não segue escutando-o.
Manda que recupere imediatamente sua condição de filho. Assim, um homem em
estado de graça, nunca é um servo, mas um filho.
Quiçá haja, por parte de algum irmão,
certas incompreensões; afinal estamos no mundo e somos todos fracos. Mas os
receios dos que sempre cumpriram a verdade de Deus, não pode diminuir a alegria
que o nosso Deus e Pai sente ao abraçar-nos novamente, quando choramos
arrependidos de nossos erros.
XXIV
O perdão das ofensas
Seguramente que Pedro, comovido por
esta parábola, quis à sua vez mostrar-se generoso e decidido a ser indulgente.
Assim que perguntou a Jesus: “Senhor, quantas vezes tenho que perdoar a meu
irmão quando este pecar contra mim? Até sete vezes?”
Pedro, tinha certeza de que havia posto muito alto a sua lista. Mas
Jesus lhe respondeu: “Não basta sete vezes, senão setenta vezes sete”, ou seja,
quantas vezes teu irmão necessite ser perdoado. Mas, quiçá Pedro pensaria:
podem insultar-me uma vez depois da outra? Devo deixar que me difamem e
desprezem... e seguir perdoando todas as vezes? Finalmente, onde ficaria a
minha honra? Jesus, para ilustrar o pensamento petrino, conta a parábola do rei
que um dia resolveu ajustar as contas com seus administradores ou arrecadadores
de impostos. Já no primeiro, encontrou um desfalque de dez mil talentos, uma
quantia altíssima. Conheçendo a suntuosa vida oriental se compreende que um
alto funcionário pudesse gastar tão grande soma. Era impossível devolver aquele
dinheiro; foi assim que o rei da parábola, para poder cobrar ao menos uma
parte, mandou que fossem vendidos o funcionário, sua mulher, seus filhos e tudo
o que tivessem. O funcionário, que até então, havia vivido como um grande
senhor, se jogou de joelhos aos pés do rei suplicando: “Senhor, tenha
misericórdia de mim, que eu pagarei tudo”. Tratando-se de uma dívida tão grande
aquela promessa não poderia ser cumprida, mas o rei, ao ver a culpa
reconhecida, perdoou a dívida.
Aquele funcionário saiu com a sua
dignidade restabelecida, embora humilhado, tinha desejo de vingar-se.
Precisamente ao sair encontrou um subalterno que lhe devia muito pouco, uns cem
denários. Quis satisfazer-se e com isso, agarrou o pescoço do pequeno devedor
para que lhe pagasse. Este se lançou aos seus pés e disse: “Tenha compaixão de
mim, e pagar-te-ei tudo”. Mas a súplica foi em vão. O credor fez com que o
metessem na cadeia. Alguns empregados haviam presenciado a cena, cheios de
desgosto, levaram ao conhecimento do rei que mandou chamar o servo que foi
perdoado e lhe disse: “Criado perverso, eu perdoei toda a tua dívida. Não seria
justo que te compadecesses também de teu companheiro, como eu tive compaixão de
ti?” Irritado, entregou-o aos algozes.
Perdoar sempre. A medida com a qual perdoamos as ofensas que nos
façam será a mesma medida que Deus usará para perdoar-nos. Em definitivo, é o
que pedimos no “Pai nosso”, que o mesmo Jesus nos ensinou.
XXV
O valor das riquezas
Os fariseus, que eram avaros,
zombavam das coisas que Jesus ensinava. Eles tinhas um conceito de riqueza que
era muito diferente daquele de Jesus. Como se dissessem: “Olha, nossa santidade
é tão grande quanto nossas riquezas”. Jesus não se cansava de advertí-los:
“Embora demonstrai-vos justos diante dos homens, Deus, que conhece os vossos
corações, sabe que sois uma abominação(...)”. E propôs esta parábola para
fazê-los entender a desgraça eterna que sofreriam os homens que, embebidos em
seus prazeres e riquezas, ignoram a dor de seus irmãos.
Havia um homem rico que se vestia de
púrpura e linho finíssimo e todos os dias promovia banquetes esplêndidos. Ao
mesmo tempo existia um mendigo que se chamava Lázaro, o qual, coberto de
feridas, sentava à porta daquele rico, desejando saciar-se do que caía da mesa
do rico; mas ninguém dava. E os cachorros vinham e lambiam as suas feridas.
Aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos ao céu, perto de
Abraão. O rico também morreu e foi enterrado. Quando estava sofrendo tormentos,
levantou os olhos e viu, de longe, a Abraão, e Lázaro em seu seio. E clamou
dizendo: Pai Abraão, tenha piedade de mim e envia Lázaro para que, molhando a
ponta de seu dedo na água, refresque a minha língua, pois estou ardendo nessas
chamas. Abraão respondeu-lhe: Filho, estás lembrado que recebestes bens durante
tua vida e que Lázaro, ao contrário, recebeu males. Agora ele é consolado e tu,
atormentado. Além do mais, existe entre vós e nós um grande abismo, de modo que
ninguém pode passar de um lado a outro. Então o rico insistiu: rogo a ti que me
envies à casa de meu pai, onde tenho cinco irmãos, a fim de que os alerte sobre
isto e não lhes aconteça que venham também a este lugar de tormento... Mas
Abraão respondeu: eles têm a Moisés e aos profetas, que os escutem. Mais uma
vez insistiu o rico: não, pai Abraão, se algum morto se dirigir a eles, farão
penitência. A resposta de Abraão foi cortante: se não escutam a Moisés e aos
Profetas, tão pouco vão crer, ainda que ressuscitasse um dos mortos”.
O perigo das riquezas ficou claro aos olhos dos apóstolos quando
Jesus ia caminhando, e se aproximou um jovem homem, e ajoelhando-se diante
d´Ele perguntou-lhe: “Mestre bondoso, que tenho que fazer para conseguir a vida
eterna?”
Jesus respondeu: “Se queres entrar na vida eterna, guarda os
mandamentos. Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não levantarás
falso testemunho, honra a teu pai e tua mãe, e amarás ao teu próximo como a ti
mesmo”.
O jovem rico respondeu: tenho
observado todos estes mandamentos desde minha juventude. Que me falta?” Jesus
sabia que era verdade. Aquele jovem cumpria as leis e os mandamentos de Deus.
Olhou-o carinhosamente e disse: “Se queres ser perfeito, vai, vende todas as
tuas propriedades, dê o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois,
vem e segue-me”.
Ao ouvir estas palavras o jovem partiu entristecido por que era
muito rico. Tinha muitos bens. Jesus, olhando-o, disse aos seus discípulos: “Em
verdade vos digo, que dificilmente um rico entrará no reino dos Céus. É mais
fácil um camelo passar pelo buraco de
uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”. Os discípulos estavam
maravilhados e diziam entre si: “Pois, quem poderá salvar-se?”Jesus, olhando-os
com ternura, diz: “Para os homens a salvação é impossível, mas não para Deus.
Para Deus todas as coisas são possíveis”. Pedro lembrou-se de seu barco, a
esposa que havia deixado em sua casa, suas pequenas comodiades e se atreveu a
perguntar-lhe: “Nós abandonamos todas as coisas e Ti seguimos, qual será a
nossa recompensa?”
Jesus não se enraiveceu com aquele
desejo. Por que não só de espírito puro vive o homem senão também do desejo do
prêmio eterno. Por isso respondeu: “Em verdade vos digo, a vós que mim haveis
seguido, no dia em que o Filho do Homem
sentar-se em seu trono de glória, também vós sentareis em doze tronos e
julgareis às doze tribos de Israel. E todo aquele que deixou casa, irmão ou
irmã, pai ou mãe, filhos ou herança por causa de meu nome, receberá cem vezes
mais, e possuirá a vida eterna”.
XXVI
A ressurreição de Lázaro
Jesus andava pelo vale do Jordão,
perto de Jericó, quando um dia chega um mensageiro de Betânia e traz o recado
de que Lázaro, o irmão de Marta e Maria, o mais jovem dos três, estava
gravemente enfermo. As irmãs angustiadas não lhe pedem que venha pois conhecem
bem que sua presença em Betânia , perto de Jerusalém, pode significar perigo
para a sua vida, pois os fariseus, seus inimigos, haviam decidido já a sua
morte. Por isso, lhe indicam com toda delicadeza: “Senhor, aquele que amas está
doente”. Jesus não se põe a caminho. Seus discípulos respiram aliviados. Jesus
diz ao mensageiro: “Essa doença não é mortal, mas para a glória de Deus, para
que, por ela, seja glorificado o Filho de Deus”. E Jesus permaneceu ali cerca
de dois dias. Logo disse a seus apóstolos: “Vamos outra vez até a Judéia”. Só a
palavra Judéia fez tremer a seus seguidores que conheciam o ódio dos dirigentes
contra Jesus. “Rabí, lhe dizem alarmados, há pouco tempo os judeus procuravam
apedrejar-te e vais outra vez para lá?
Jesus lhes agradece aquela prudência
tão humana mas deve seguir instruindo-os na prudência divina de fazer a vontade
do Pai. Jesus diz aos discípulos: “Até que não chegue a hora que determinou o
Pai para a minha morte não pode acontecer nada comigo na Judéia. Eu vou ali por
vontade do Pai. Nosso amigo Lázaro dorme, mas vou despertá-lo”. Jesus se
referia a morte. “Lázaro morreu”. Me alegro por vós, por não estardes ali. Para
que - vendo como o ressuscito - creiais. Vamos a sua casa”.
Chegam a Betânia, distante seis horas
de caminho. Fazia quatro dias que Lázaro tinha sido sepultado. A casa está
cheia de judeus que foram para consolar as irmãs. Quando Marta soube que Jesus
estava chegando, saiu para receber-lhe e
disse: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não estaria morto. Mas eu sei que
Deus te concederá tudo o que pedires”. Marta tinha uma grande confiança no
Mestre mas estava desconcertada. Recordava muito bem as palavras de Jesus
-“esta doença não é para a morte”-, transmitida pelo mensageiro; só que, Lázaro
já estava morto quando o mensageiro se dirigiu a elas. Mas queria crer, não
obstante a sua incompreensão. Olhou para Jesus e disse: “Sei que tudo o que
pedires a Deus, ele te concederá”.
Jesus quer seguir robustecendo aquela
fé e lhe diz palavras de consolo: “Teu irmão ressuscitará”. “Sei, disse Marta,
que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia!”
É necessário falar com toda
paciência. Quando uma alma está abatida pela dor, as palavras de consolo podem
entristecer. Jesus lhe diz solenemente: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele
que crer em mim, viverá embora esteja morto, e todo vivente que crer em mim,
não morrerá jamais. Tu acreditas?
Marta, mulher inteligente e pouco
emotiva, compreende a profundidade da mensagem divina, e faz a mais solene
profissão de fé que temos na história de Jesus. Diz: “Sim, Senhor, eu creio que
Tu és o Cristo, o Filho de Deus que vem ao mundo”.
Marta é trabalhadora, terminou os
seus afazeres. A fé que Jesus normalmente exige para fazer os milagres e não
pode obter do morto, mas sim de Marta. Ela afasta-se e chama sua irmã Maria
dizendo baixinho: “O Senhor está aqui e te chama”. Jesus não havia entrado na
casa. Maria corre ao seu encontro. “Senhor, se estivesses aqui...”, repete a
mesma queixa de Marta. E se pôs a chorar.
Também Jesus se comoveu e chorou. Por
que, se estava a ponto de ressuscitar a Lázaro, um cadáver corrompido, com um
milagre tão esplêndido? Jesus não se comoveu pela cena de Maria e das outras
mulheres que choravam, senão pelo pressentimento de sua própria morte. Teve uma
antecipação da angústia do Getsémani? Provavelmente foi a visão antecipada da
dureza de coração dos que veriam a ressurreição de Lázaro –e a própria de
Jesus– e ainda assim, resistiriam à conversão...
Jesus se adiantou e perguntou: “Onde o colocastes?”
Responderam: “Senhor, vem e vê!”.
Desceram por uma escada que
levava ao sepulcro, cuja entrada estava fechada com uma pedra. Jesus mandou:
“Retirai a pedra”.
Marta havia presenciado, há quatro
dias, o enterro e sabia que já havia começado a putrefação do cadáver. Assim,
adverte o Mestre para que não o surpreenda uma onda de mal cheiro insuportável.
“Senhor disse-lhe: já cheira mal: é o quarto dia!”.
Jesus tem que recordar-la a
onipotência divina. “Não te disse que, se creres, verás a gloria de Deus?”
Tiram a pedra. Um movimento
instintivo leva os presentes a retrocederem ante o odor horrível que se
espalha. Jesus se mantêm sereno. Levanta os olhos ao céu e se dirige ao seu
Pai: “Pai, dou-te graças porque me ouviste. Eu sabia que sempre me ouves, mas digo
isto por causa da multidão que me rodeiam, para que creiam que me enviaste”.
Depois se põe diante do sepulcro e ordena em alta voz: “Lázaro vem para fora!”
E apareceu um vulto branco na escuridão do corredor do sepulcro;
marcando o contorno de uma cabeça coberta com um sudário, atado com os pés e
mãos com faixas. O morto saiu , mudo como um espírito; despertou com a voz de
Jesus, sem ver ainda, obedecendo somente àquela voz. Jesus permanecia sereno.
Mandou aos presentes: “Desatem-no e o deixem-o ir embora”.
Diz o historiador que presenciou e
narrou o fato que “muitos dos judeus que tinham vindo visitar Marta e Maria,
tendo visto o que ele fizera, creram nele. Mas alguns dirigiram-se aos fariseus
e lhes disseram o que Jesus fzera. Então, os chefes dos sacerdotes e os
fariseus se reuniram o Conselho e disseram: “Que faremos? Esse faz muitos
milagres. Se o deixamos assim, todos crerão nele e os romanos virão, destruindo
o nosso lugar santo e a nossa nação”.
Seguindo o parecer do sumo sacerdote
Caifás resolveram matá-lo. Por isso Jesus se retirou à cidade de Efraim, perto
do deserto, onde morava com seus discípulos.
XXVII
Entrada triunfal na cidade
deicida
Jesus sabia que se aproximava a hora de sua Paixão e morte. Saiu de
seu retiro e passou alguns dias em Betânia, junto a Lázaro, ressuscitado, e
suas irmãs. Logo iniciou o caminho a Jerusalém. Os apóstolos, depois do milagre
da ressurreição, haviam tomado tal confiança que venceram o medo dos fariseus e
as preocupações. Assim que se mostravam contentes de que Jesus houvesse deixado
seu retraimento e silêncio. Faziam o caminho quando chegaram à ladeira lateral
sul do monte das Oliveiras. Tinham ante si uma pequena depressão onde se
encontrava uma pequena aldeia. Jesus encarrega a dois de seus discípulos: “Ide
a esta aldeia. Ao chegar encontráreis um jumentinho amarrado que ninguém ainda
montou: soltai-o e trazei-o. E se alguém perguntar ´Por que o soltais?`,
respondeis: ´O Senhor precisa dele”. Assim aconteceu e levaram o jumentinho a
Jesus. Os outros discípuulos se alegram. Até agora haviam ido a pé com o
Messias por todo o País. Hoje ele irá montar num animal.Em pouco tempo a
peregrinação de galileus se converte em uma manifestação solene, na entrada
triunfal do Messias: muitos tiram os mantos dos ombros e estende-os pelo solo
como tapete, outros cortam ramos de árvores e estende-os também; os que vão na
frente aclamam: “Hosana ao Flho de Davi”, que é o grito festivo religioso dos
judeus. Os fariseus estavam ali presentes como testemunhas do entusiasmo do
povo. Eles estranham por que Jesus havia evitado sempre estas manifestações.
Estão se sentindo molestados, têm inveja. Querem que Jesus imponha ordem, que
reprima aquela gente que segue gritando: “Bendito aquele que vem em nome do
Senhor! Ajudai-nos, Tu que vives no mais alto dos céus”... Jesus despreza os
fariseus. Desde toda a eternidade aquele entusiasmo é a porta popular que dará
entrada ao sacrifício de sua vida, à redenção do homem.
Responde-lhes: “Eu vos digo, se eles se calarem, as pedras
gritarão”.
O cortejo chega à pequena inclinação que dá acesso à garganta
profunda do vale de Cedron, de onde se pode avistar a cidade e o Teemplo que
brilha como se fosse feito de luz. Parece de verdade, por suas dimensões e
magnitude, uma obra própria de Deus. As aclamações dos peregrinos param
bruscamente. Seus olhares se dividem entre o Templo e Jesus. Estão atentos; o
Mestre vai falar. Jeponde: “Senhor, para onde iremos? Só Tu tens palavras de
vida eterna. Nós acreditamos e sabemos que és o Santo de Deus”.Assim que os seus
seguidores ficam reduzidos a um pequeno grupo. Estava na região de Cesaréia de
Filipe, a mais distante do país de Israel, quando Jesus, subitamente, pergunta
aos seus apóstolos: “Que dizem os homens que sou, o Filho do Homem?Os apóstolos
respondem o que sabem: “Uns dizem que és João, o Batista; outros que és Elias;
outros, que é Jeremias ou um dos Profetas”. “E vós, que dizeis que sou?” Pedro
pensa: Jesus não é um legado como os Profetas; é Filho de Deus, é ‘o Filho de
Deus!” Pedro não fraqueja nem retrocede deslumbrado ante esta idéia. Cheio de
gozo e entusiasmo confessa a Cristo, com a convicção de um homem simples, que
sabe com certeza íntima algo que transtorna todo o seu ser. “Tu és o Cristo, o
Filho de Deus vivo”. Jesus anuncia solenemente a Pedro a sua futura vocação.
“Tu és, Simão, filho de Jonas! Não foi a carne nem o sangue te revelaram isso,
senão o meu Pai, que está nos céus. E eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta
pedra edificarei minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra
ela. Te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será
ligado no céu; e tudo o que desligares na terra será também desligado no
céu”.Pedro diz: “Tu chamas a ti mesmo de “Filho do Homem”, mas és o Messias, o
Filho de Deus feito carne”.Jesus responde: “Tu te chamas Simão, mas és Pedra, a
pedra sobre a qual edifico minha Igreja. Acreditastes como rocha, precisamente
por haver confessado com tão firme inteireza minha filiação divina. Frente à cidade do mal, a sociedade de Satanás, se constrói a Igreja.
Por muito que tente, o Inferno não conseguirá aniquilar-la. Com as palavras
“ligar” e “desligar”, Pedro recebe de Jesus o poder de representar a Deus na
terra, na Igreja militante, e transmitir-lo aos seus sucessores.Depois dessa
cena, Jesus lhes falou de sua futura Paixão e morte. Devia ir a Jerusalém onde
padeceria muito por causa dos anciãos, fariseus e doutores da lei. Mas que
depois de morto, ressuscitaria. Para que compreedessem que o caminho de seus
seguidores seria árduo e penoso, acrescentou: “Se alguém deseja vir depois de
mim, negue-se a si mesmo e siga-me. Pois quem quiser salvar sua vida a perderá;
más quem perder a sua vida por amor a mim, a encontrará”.“Digam: para que serve
a um homem ganhar todo o mundo, se perde a sua alma?” XIXQual é meu próximo?No
caminho de Jerusalém, apresentou-se a Jesus um doutor da Lei e lhe perguntou:
“Que devo fazer para conseguir a vida eterna?Jesus, a sua vez, o interrogou: “O
que é que está escrito na Lei? Respondeu o doutor: “Amarás ao Senhor teu Deus
de todo coração, com toda tua alma, e com toda as tuas forças e com tua mente;
e ao próximo como a ti mesmo”.“Respondestes bem, disse Jesus. Faças isto e
viverás”. Mas ele, querendo dar a entender que era justo, perguntou a Jesus:
“Quem é meu próximo?” Jesus lhe explicou a parábola do bom samaritano. Um homem
vinha de Jerusalém a Jericó e caiu nas mãos de ladrões, que lhe levaram tudo o
que tinha, lhe cobriu de feridas e partiram deixando-o quase morto.Descia,
casualmente, pelo mesmo caminho um sacerdote; e embora o viu, deu uma volta e
seguiu adiante. Igualmente um levita, apesar de passar por perto, o viu e
seguiu adiante. Mas um certo samaritano, que ia pelo caminho, se aproximou
dele, e ao vê-lo se moveu de compaixão, fez curativo nas feridas jogando sobre
elas azeite e vinho. Colocou-o no animal que o transportava, conduzindo-o a uma
hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte tirou dois denários e os deu ao
hospedeiro dizendo: “Cuida para mim deste homem; e tudo o que gastares com ele,
eu te pagarei quando regressar”.“Diz-me: quem dos três, te parece, foi o
próximo do que caiu nas mãos dos ladrões?” “Aquele que usou de misericórdia com
ele”. “Pois vai, terminou Jesus, e fazes o mesmo”.O ferido era um judeu. O
sacerdote e o levita eram judeus. Seguramente não pararam para atender àquele
desgraçado, porque lhes custaria ter que chegar atrasado à seu ofício. Ao
melhor, pensaram que sua ocupação ou ofício tinha prioridade. Jesus não vê
assim.Pelo contrário, recolhe-o um samaritano, um inimigo dos judeus. Jesus deu
um exemplo claro de que para o amor não há inimigos. O samaritano cuida do
judeu melhor que seus próprios irmãos, que passaram dando uma volta pelo outro
lado “para não complicar-lhes a vida”.XXEnsinando a rezarJesus aproveita esta
última viagem para inculcar na cabeça de seus discípulos prediletos o valor da
oração. Eles lhe viram recolher-se, muitas noites, à montanha para rezar.
Querem fazer como ele, mas não sabem. Suplicam-lhe: “Senhor, ensina-nos a
rezar”.Jesus respondendo diz: “Quando orardes, dizeis: Pai nosso que estás nos
céus; santificado seja o teu nome; venha a nós o teu reino; seja feita a tua
vontade, assim na terra como no céu. Dai-nos hoje o nosso pão de cada dia;
perdoa as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofendem; não nos
deixes cair em tentação e livrai-nos do mal”.É uma oração simples. Não tem palavras supérfluas nem usa expressões exageradas
nas súplicas. Pede-se a Deus uns dons que até então eram desconhecidos dos
homens ou muito pouco queridos. Jesus inculca um novo espírito de oração. A
confiança em Deus Pai, mediante a insistência, a constância, que fazem parte da
oração mais que as palavras. Por isso, Jesus lhes conta as parábolas do amigo
inoportuno, do juiz sem consciência, do fariseu e do publicano, para que seus
seguidores encham-se de confiança e de perseverança.“Eu vos digo –acrescentou
Jesus-, pedi e vos será dado; buscai e encontrareis; batei e vos abrirão.
Porque todo aquele que pede, recebe, quem busca, encontra e ao que bate se
abre. Existe entre vós algum pai que dê uma pedra ao filho quando este lhe pede
pão? Ou ao que lhe pede um peixe, dá uma cobra em lugar do peixe? Ou ao que lhe
pede um ovo, lhe dê um escorpião? Pois se vós, sendo maus, sabeis dar coisas
boas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus dará o espírito
bom aos que o peçam! E vos digo mais: se dois de vós se unirem entre si sobre a
terra para pedir algo, se lhe será concedido por meu Pai que está nos céus.
Porque onde dois ou três se encontram reunidos em meu nome, ali me encontro no
meio deles”.XXIO cego de nascimentoEm tempos de Jesus, Israel não tinha
instituições de beneficência. Por isso, no Oriente, mendigar era um direito dos
pobres. E era normal que uns pobres passassem ao lado de outros e trocassem
esmolas entre si. Muitos eram pobres por causa de algumas doenças ou de
deformações. Este é o caso de um homem cego que pedia esmolas perto do Templo
de Jerusalém. Era preciso que Jesus lhe curasse para que a glória de Deus se
manifestasse com toda a sua força. Jesus cuspiu sobre a terra; formou barro com
a saliva e aplicou-o sobre os olhos do cego. Logo lhe disse: “Vai e lava-te na piscina de Siloé”. O servo obedeceu à palavra de Cristo, e foi,
possivelmente, sozinho. Lá embaixo, na piscina que recolhia as águas do
interior da montanha do Templo, lavou o barro dos olhos. Na mesma hora, recebeu
o dom de uma vista normal. Embora fosse sábado, contou imediatamente sua cura
por todas as partes. As ruas estavam cheias: assim, foi sendo cercado por uma
multidão de curiosos. Alguns lhe haviam visto mendigar naquela mesma manhã no
lugar de costume. Seu rosto antes era inexpressivo, retomou agora uma alegria
que transfigurava-o. Todos perguntam: “Como abristes os olhos?” “Aquele homem
que se chama Jesus fez barro, ungiu-me os olhos e disse: vai e lava-te na
piscina de Siloé. Fui, lavei-me e vejo”. Intervém os inimigos de Jesus, os fariseus. Querem saber como
foi o processo de cura. O homem repete tudo o que havia contado antes. Eles
exclamam com aparente indignação: “Este homem, ao curar-te, violou o sábado!”
Mas outros, mais precavidos se perguntam: “Como um pecador poderia operar tais
milagres?”Os fariseus tentam em vão, primeiro afavelmente, logo com ameaças,
que o curado não reconheça a bondade de seu benfeitor. Eles, os discípulos de
Moisés, os interpretes da Lei, afirmam que Jesus é um pecador, mas o curado tem
a dureza daquele que sofreu muito e lhes fala claramente: “Eu não sei se é
pecador. Uma coisa eu sei, eu era cego, agora vejo... Ele abriu-me os olhos.
Sabemos que Deus não ouve aos pecadores. Quando um teme a Deus e observa sua
palavra, Deus lhe ouve! Desde que o
mundo é mundo, nunca se ouviu falar que uma pessoas por si mesma haja aberto os
olhos de um cego de nascença. Se este não fosse de Deus, não poderia fazer-lo”.
A reação dos fariseus foi violenta. Expulsaram-no da sinagoga e lhe disseram: “
Tu nascestes todo em pecado e queres
ensinar-nos? Jesus ficou sabendo de tudo o que aconteceu. Foi em busca do
curado, aquele homem simples que tão corajosa e decididamente havia saído em
sua defesa. Ao encontrá-lo lhe pergunta: “Tu crês no Filho de Deus?” “Senhor,
responde o curado, diga-me quem é para que eu creia nele”. Jesus contesta: “Já
o vistes, é este mesmo que fala contigo”. “Creio, Senhor”. E lhe adorou.Os
doutores estão dia e noite preocupados com o estudo da Lei, e não reconheceram
o Messias; este cego, que durante toda a sua vida não fez outra coisa que
proferir sempre as mesmas frases para mendigar, se entrega agora a Cristo com
fé absoluta. Jesus diz: “Eu vim ao mundo para um juízo, para que os cegos
vejam, e os que enxergam sejam feitos cegos”. Em Jerusalém, Jesus se encontrava
sempre vigiado. Uns fariseus, que estavam próximo ouviram estas palavras. E não
ignoraram que a eles se referia. Estão obstinados em sua cegueira. Vêem os
milagres e são incapazes de reconhecer-los. Jesus não pode curar-los por que
eles mesmos não se sentem como cegos. Entre a dor e a amargura pelas ovelhas
que se perderão, Jesus exclama: “Se pelo menos fosseis cegos não teríeis
pecado. Mas vós mesmos dizeis que enxergais. Por conseqüência, vosso pecado
permanece”.XXIIO bom pastorJesus tinha consciência que seus inimigos faziam
planos para matá-lo, e quis dar a entender que, com toda a ternura de seu
coração, se preparava para a morte, a fim de salvar às almas desgarradas. Disse
aos que lhe escutavam: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida por
suas ovelhas. Mas aquele que é mercenário, não é bom pastor, por não ser dono
das ovelhas, quando vê o lobo aproximar-se, abandona as ovelhas e foge, e o
lobo as arrebata e dispersa-as, porque é um assalariado e não tem interesse
algum pelas ovelhas. Eu sou o bom pastor, conheço minhas ovelhas e minhas
ovelhas me conhecem como me conhece o Pai e eu o conheço. Assim, eu dou a minha
vida pelas minhas ovelhas. Tenho outras ovelhas, que não são desse rebanho.
Também devo recolher-las. Elas ouvirão a minha voz e formarão um só rebanho e
um só pastor”.
O bom pastor mostra solicitude extrema
pelas ovelhas perdidas, pelos pecadores. Tanto é assim que os fariseus
murmuravam contra Jesus acusando-lhe por causa do tratamento que dava aos
publicanos e pecadores. Onde resplandece com maior nitidez a misericórdia
divina é nesta parábola explicada por Jesus; quem de vós, lhes diz, tendo cem
ovelhas e havendo perdido uma, não deixa as noventa e nove no cercado e sai em
busca da que se perdeu até que a encontre? E quando a encontra, coloca-a sobre
os ombros contentíssimo, e chegando em casa diz aos amigos: “Alegrai-vos
comigo, por que encontrei a ovelha que havia perdido”. Assim eu vos digo que
haverá maior festa no céu por um pecador que se arrependa, que por noventa e
nove justos que não têm necessidade de arrepender-se”.Pouco tempo depois Jesus
teria a ocasião de pegar uma dessas ovelhas desgarradas. Era o chefe dos
publicanos, um homem rico chamado Zaqueu que vivia em Jericó, uma das
principais estações de aduanas do país. Zaqueu era o arrendatário geral. Como
proprietário desta administração aduaneira na maior cidade comercial de Israel,
naturalmente tinha que ser muito rico.Jesus passou pela cidade com uma grande
comitiva, entre aclamações. Zaqueu quis ver ao homem que tantos milagres fazia.
Por onde quer que tentasse atravessar entre a multidão para poder ver a Jesus,
se sentia impedido pela barreira humana, pois era pequeno, de estatura.
Finalmente conseguiu abrir caminho, chegando perto de umas figueiras silvestres
que, por ter um tronco rugoso, não representam muito obstáculo para os que
desejassem subí-las. Seus ramos começam muito baixo; assim que deixando à
margem as conveniências sociais Zaqueu subiu em uma destas árvores. Mas quando
Jesus passou ocorreu algo inesperado. Jesus se deteve, olhou para Zaqueu e
disse: “Zaqueu, desças por que é necessário que eu mim hospede hoje em tua
casa”.Zaqueu, impressionado, correu para preparar a recepção, enquanto os
fariseus da comitiva murmuravam: “Como é isto? Deter-se para comer na casa do
chefe dos publicanos, quer dizer, de um conhecido pecador!” Zaqueu não voltou
atrás. E resolveu, como autêntico homem de negócios, o que tinha de fazer de
mais valor. Ao entrar o Mestre em sua casa, disse: “Senhor, a metade de tudo o
que tenho dou aos pobres, e se enganei a alguém, lhe devolverei o quádruplo”.
Zaqueu, arrependido impôs a si mesmo o acerto de contas.Assim o publicano,
antes que Jesus entrasse em sua casa, declara-se pecador arrependido. Jesus
recuperou outra ovelha perdida. Seu
coração se enche de gozo, como ele mesmo havia anunciado. A festa do céu é
grande. “Hoje, diz contente, a salvação entrou nesta casa; por que ele é também
filho de Abraão. Pois o Filho do Homem veio buscar e salvar o que havia
perdido”.XXIIINão temais a Deus porquê Ele vos amaNada alegra tanto o Coração
de Deus como o homem que chora arrependido de seus pecados. O primeiro pecado,
o pecado original, cravou no íntimo do homem um estranho temor de Deus, um medo
servil, irracional, que deveria ser mais próprio do demônio. É a falta de
confiança em Deus, como se Deus, ao invés de querer a nossa salvação, estivesse
ao encalço de nossos pecados, para chamar-nos e mandar-nos a uma eterna
condenação. Nada tão diabólico e contrário ao amor divino. Jesus vai atacar a
fundo esse temor. A parábola do filho pródigo é um chamado a confiar em Deus
apesar de todos os nossos pecados.“Era um homem que tinha dois filhos. O menor
deles disse ao seu Pai: pai, dá-me a parte da herança que mim pertence. E o pai
satisfez o seu desejo. Dias depois o jovem reuniu todas as coisas que tinha e
foi a um país distante e ali desperdiçou toda a herança, com farras e
bebedeiras. Depois de haver gastado tudo, houve uma grande fome naquele país, e
começou a sofrer grandes privações. Teve que trabalhar para um morador daquela
terra, o qual lhe enviou para cuidar de porcos. Ali teve desejo de encher o seu
estômago com as algarrobas que comiam os porcos; mas ninguém as dava. Chegou um
momento em que se pôs a pensar: quantos empregados de meu pai têm comida em
abundância, e eu estou aqui morrendo de fome! Levantar-me-ei, irei ao encontro
de meu pai e direi: Pai, pequei contra o céu e contra ti, já não sou digno de
ser chamado de teu filho; trata-me como a um dos teus empregados. E
levantando-se, deu inicio a viagem de regresso à casa de seu pai. Estando ainda
longe, seu pai o avistou, e cheio de amor, saiu correndo ao seu encontro, lhe
abraçou e beijou. O filho queria pedir-lhe perdão. Começou dizeeira Eucaristia
que se celebrava no mundo. É possível que fosse as duas coisas: que a
instituição da Eucaristia se celebrasse entre os conselhos e emanações daquela
despedida. Assim, em algum momento daquela tarde, Jesus tomou o pão e
abençoando-o e dando graças, o partiu e deu a seus discípulos, dizendo: “Tomai
e comei: este é meu corpo”. E logo depois, tomando o cálice, deu graças e o
passou dizendo: “Bebei todos dele, por que este é o meu sangue do Novo
Testamento, que por vós e por muitos é derramado para o perdão dos pecados.
Fazei isto em minha memória”.
Na véspera de sua morte, Jesus
cumpriu a promessa que havia feito, dando aos seus discípulos sua própria carne
e seu próprio sangue para alimento de suas almas e como garantia de vida
eterna. Agora os apóstolos já poderiam compreender a forma, o modo como
operaria a assunção alimentária do Corpo e do Sangue de Jesus. Muitos, antes,
se havia separado dele porque sem fé se ativeram somente ao sentido literal das
palavras.
XXXIV
No horto de Getsémani
Depois que rezaram o salmo, Jesus
saiu de Jerusalém com os seus discípulos e se dirigiram à outra parte do
torrente Cedrón, onde havia um horto que chamavam de Getsémani. Depois de
entrar disse aos seus discípulos. “Sentai-vos aqui, enquanto rezo”. Tomou
consigo a Pedro, Tiago e João e entrou com eles no horto. Então Ele sofreu uma
brusca transformação: começou a se atemorizar e angustiar-se. Dizia: “Minha
alma está triste até a morte”.
Por que esta desolação se era Deus?
Porque, precisamente, era Deus e homem.
Como homem via os seus irmãos como
seres desvalidos, ignorantes, necessitados de toda ajuda... mais livres acima
de tudo. Com uma liberdade irrenunciável por parte do homem e por parte de
Deus.
Como Deus via que por trás da
debilidade havia uma maldade interior, e por ela, desciam por escuros sendeiros
até as trevas do inferno. Era uma desolação ante a condenação de tantos homens,
seus irmãos. Nesta angústia se lançou ao solo e rezou. Já não tinha aquela
superioridade com a qual havia invocado
seu Pai no cenáculo. Agora, prostrado em terra, repetia ansiosamente: “Pai,
tudo é possível para ti, afasta de mim este sofrimento; mas que não seja feito
o que eu quero, senão o que tu queres”.
Levantando-se, vai ao encontro de
seus prediletos, mas Pedro, Tiago e João estavam dormindo. Disse: “Não haveis
podido velar nem uma hora comigo? Vigiai e orai, para não cairdes em tentação;
em verdade, o espírito esta preparado, mas a carne é fraca”.
Jesus voltou à sua oração: uma repetição de frases simples que
brotam de uma alma angustiada. A luta foi tanta que, entre o abatimento do
espírito e o desejo de cumprir a vontade de Deus, se produziu um suor que
chegou a converter-se em gotas de sangue coalhado que correram por terra.
De novo buscou os seus amigos:
seguiam dormindo. Não puderam ser nenhum alívio para seu Mestre e Senhor.
Jesus regressou à oração e começou a
abrir-se, lentamente, um novo horizonte: seu sacrifício não estava condicionado
à correspondência de seu amor, nem a sua gratidão humana, nem à fidelidade
entregada de seus discípulos; estava vinculado ao amor de Filho ao Pai e à
obediência de Deus a Deus mesmo. Não havia mais que uma coisa pela qual
aceitava a morte e o sofrimento: a vontade de Deus, seu Pai. Ante esta
evidência, Jesus já não necessitava do amor humano de seus apóstolos: segue
amando-os, mas tudo está dissolvido na vontade divina. Por isso pode ir ao
encontro deles e dizer-lhes: “dormí já e repousai, porém sabei que a hora
chegou, aquela em que o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos de pecadores.
Aquele que me entregará está próximo.
Efetivamente, uma legião dos homens
que guardavam o Templo e da própria criadagem dos sacerdotes havia entrado no
horto do Getsémani, guiados pelo apóstolo traidor. Os discípulos despertaram e
tentaram defender Jesus. Pedro chegou a ferir um servo do sumo-sacerdote.
Entretanto, Jesus o advertiu: “Guarda a tua espada na bainha, que quem a ferro
fere, a ferro será ferido”.
Jesus ensina que poderia rogar a seu
Pai do Céu para que enviasse uma legião de anjos, mas não era conveniente,
porque a vontade divina havia indicado um caminho: o da morte - crucificado -
depois de grandes sofrimentos. Jesus fez mais: curou o servo que Pedro havia
ferido. Logo deixou-se ser amarrado. Os apóstolos viram-no. Não tiveram medo de
enfrentar os que queriam levar-lhe preso, porem não compreendem porquê Jesus se
deixa amarrar tão livre e mansamente. E fogem.
XXXV
Juízo e condenação
Pedro recordaria durante toda sua
vida aquela noite da quinta para a sexta-feira. Havia entrado no palácio de
Caifás e estava aquecendo-se em uma fogueira. Poucas horas antes, no Cenáculo,
havia feito a promessa de dar a sua vida por seu Mestre. Jesus, conhecedor da
fraqueza humana, havia profetizado: “Pedro, o galo não cantará duas vezes esta
mesma noite sem que não me haja negado três vezes”.
Pedro permanecia perto do fogo,
distraído, quando repentinamente uma serva se aproxima dele, olha-o atentamente
e diz: “Tu estavas também com Jesus de Nazaré”. Pedro nega: “Nem sei, nem
entendo o que estás falando”. Dirigindo-se ao portal, escutou o canto de um
galo. A criada seguiu observando-o, e comentou com os que estavam ali: “Este é
um dos deles”. Pedro negou outra vez. Os que estavam alí disseram ao apóstolo:
“Certamente és um dos deles, pois és galileu”. Pedro começou a lançar maldições
e a jurar: “Eu não conheço a este homem a quem vos referis”.
Enquanto Pedro negava a Jesus, no
interior do palácio os príncipes dos sacerdotes e todo o Conselho buscavam
algum testemunho contra Jesus para poder condenar-lo e não encontravam. Os
falsos testemunhos não concordavam entre si. Ao final Caifás, sumo-sacerdote,
posicionou-se solenemente diante do preso e intimando-o: “Te ordeno, em nome do
Deus vivo, que diga-nos se és o Messias, o Filho de Deus”.
Jesus mantendo-se imperturbável, afirma: “Assim é, como tu falastes.
Além do mais vos digo que dentro de pouco vereis ao Filho do Homem sentado à
direita do poder de Deus e vir nas nuvens do céu”.
Vários deles gritaram como que a uma só voz: “Logo tu és o Filho de
Deus?” Como antes, firme e sereno, Jesus respondeu: “Sim, eu sou!”
O sumo-sacerdote rasgou as suas
vestes, como sinal de que havia escutado uma blasfêmia. Todos os presentes
declararam que Jesus era réu de morte. Imediatamente alguns começaram a cuspir
sobre ele e, cobrindo-lhe a cabeça, o golpeavam e diziam: “Advinha quem te
bateu”. Os servos também lhe davam bofetadas. Estes maus tratos eram uma
declaração de que com este sentenciado tudo estava permitido. Jesus conservava
inalterada a sua serena majestade.
O pátio era um lugar de concentração
de empregados; naquela noite estava agitadíssimo. Subitamente houve um grande
silêncio. Jesus era conduzido a outra dependência através daquele pátio onde
Pedro acabava de negar-lo. Jesus lhe olhou. Para Pedro, era como se estivesse
despertando de um sonho. Um repentino arrependimento invadiu o seu coração.
Saiu apressadamente daquele ambiente e chorou amargamente. Era entre uma e duas
da madrugada, hora em que normalmente cantam os galos naquela zona. Pedro pode
escutar como o galo cantava por segunda vez.
Pouco antes, Judas, o apostolo
traidor havia se enforcado . A ansiedade e o remorso não puderam deixá-lo em
paz. Arrependido e desesperado devolveu o dinheiro aos sacerdotes e disse:
“Pequei entregando a um homem inocente”.
A frieza dos dirigentes foi diabólica: “A nós, que nos importa? Faça
o que queiras”.
Judas lançou as moedas no chão, saiu dali e enforcou-se.
Os dirigentes judeus haviam condenado
Jesus à morte mas para executá-lo faltava obter ainda de Pilatos, o governador
romano, uma sentença idêntica. Assim que, bem cedinho, levaram Jesus da casa de
Caifás ao pretório romano. Pilatos perguntou: “Que acusação tens contra este
homem?” Eles responderam: “Se este não fosse malfeitor não o traríamos aqui”.
Pilatos suspeita que se trata de uma
questão religiosa, e procura abster-se. “Julgai-o segundo as vossa leis”,
responde. “Não nos está permitido dar morte a ninguém”, respondem os dirigentes
judeus. E para fazer-lhe ver que não se trata de um tema religioso, começam
acusar a Jesus de delitos contra o
imperador romano, a fim de obter de Pilatos a desejada sentença de morte.
“Encontramos este amotinando a nossa gente, proibindo pagar tributo ao César e
dizendo ser o Messias-rei”.
Pilatos interroga Jesus. Pergunta-o se é o rei dos judeus, um rei
temporal que pudesse fazer concorrência à dominação romana. Jesus o
tranqüiliza: “Eu sou rei, mas o meu reino não é deste mundo. Se o meu reino
fosse deste mundo, os meus ministros lutariam para que eu não fosse entregue
aos judeus. Eu nasci e vim a este mundo para dar testemunho da verdade. Todo
aquele que ama a verdade me escuta”. Pilatos não se interessa pelas coisas do
“além”. Está assentado na terra de Palestina para defender os interesses
romanos. Os valores do espírito não têm cabimento. Com um ar de profundo
asceticismo diz: “Que coisa é a verdade?”
Não espera resposta. Levanta-se,
aproxima ao balção e comunica: “Eu não encontro nele causa alguma”.
Ouve-se as acusações e gritos dos
judeus contra a resistência do governador em condenar a um inocente. Pilatos
advinha que aqueles judeus que perseguem com um ódio mortal e estranho a Jesus
se lançarão contra ele se não o condena. Quer livrar-se do assunto. Lembra de
haverem dito que Jesus era um galileu. Herodes, que tinha jurisdição sobre
Galiléia, está por aqueles dias em Jerusalém. Pilatos opta por deixar que
Herodes resolva. Imediatamente envia-lhe o prisioneiro. Herodes demostra estar
contente e surpreendido com a gentileza do governador romano. Convoca toda sua
corte para escutar o interrogatório. Mas Jesus não pronuncia nem uma só sílaba.
Enquanto os sacerdotes judeus redobravam as suas acusações, Jesus permanecia
calado. Furioso e com desejo de vingança por conta do desprezo, Herodes manda
que vistam Jesus, por insulto, com uma roupa branca, de louco e despede-o.
Jesus regressa de Herodes a Pilatos. Então este chama os sacerdotes
e magistrados e o povo e diz-lhes: “Me haveis apresentado este homem como
revolucionário, e vedes que eu, depois de havê-lo interrogado ante vós, não
encontrei nele culpa alguma daquelas que o acusastes. Tampouco Herodes, porque
vos enviei a ele, e não foi provado nada do qual fosse digno de morte. E assim
vou libertar-lo depois de castigar”. Novos gritos e ameaças por parte dos
judeus. Alguém insinua que por ser a véspera da Páscoa, era costume dar o
indulto a um criminoso. Pilatos, decidido a salvar Jesus, aceita a idéia,
seguro de que ante um terrível assassino como era Barrabás, o povo optaria por Jesus.
“A quem quereis que coloque em liberdade: Barrabás ou Jesus, que é chamado
Cristo?”
Pilatos senta no tribunal, seguro de
haver triunfado, mas os inimigos de Jesus trabalham entre a multidão e quando
Pilatos repete a pergunta, a resposta é vibrante:
“Queremos que soltes Barrabás”.
“Pois então, que farei com Jesus, chamado Cristo?”
Todos gritaram a uma só voz: “Crucifica-o”.
“Mas que mal cometeu?” Pilatos
protesta porquê não pode sentenciar à morte de cruz um inocente. A multidão dos
judeus é implacável: “Que seja crucificado”, voltam a responder.
O povo está frenético e Pilatos é tomado pelo medo. É a festa da
Páscoa e são muitos os judeus que se agruparam. Existe a possibilidade de uma
rebelião.
Tentará uma última saída: manda
açoitar Jesus. Os soldados do governador pegam Jesus e reúnem ao seu redor toda
a corte. E desnudando-o lhe flagelam com correias de couro e pedaços de finas
correntes de ferro, em cujos extremos se sujeitam pequenas bolas e ganchos
metálico. Aos primeiros golpes o sangue de Jesus se aglomera em pequenos
círculos debaixo da pele, logo arrebentam-se e os verdugos seguem descarregando
os açoites sobre a carne viva. Terminada a flagelação vestem nele um manto
vermelho e tecendo uma coroa de espinhos, colocam-na em sua mão direita e logo,
fazendo-lhe reverência em tôm de zombaria dizem: “Deus te salve, Rei dos
judeus”. Cospem, tomam-lhe a vara e dão golpes na sua cabeça.
Conduzem Jesus à presença de Pilatos,
tal como se encontrava, ou seja, como um rei caricaturesco. Pilatos seguramente
se comoveria e pensaria que o mesmo ocorresse com os judeus. Faz com que Jesus
avançe e exclama: “Eis aqui o Homem”. Como que querendo dizer: “Que mais
quereis que faça a um homem inocente?” Mas todos estalam um grito unânime:
“Crucifica-o, crucifica-o”. Pilatos está rendido, acovardado. Se atreve ainda a
dizer: “Tomai e crucificai-o vós, pois não encontro nele nenhuma culpa”.
“Nós, dizem os judeus, temos uma lei e segundo esta lei ele deve
morrer, porquê quer ser o Filho de Deus”.
Mas conhecem que este fato não
motivara o presidente romano. Por isso acrescentam arteiramente: “Se o soltas
não serás amigo do César, pois todo aquele que se faz rei declara contra o
César”.
Pilatos vê que contra este argumento
não há defesa. Se acreditasse em um reino celestial, fora deste mundo, ainda
poderia justificar a Jesus. Mas Pilatos não crê mais do que naquilo que vê e
palpa. É pagão, materialista. Logo opta por sentar-se na tribuna. É a hora
sexta, ou seja, antes do meio-dia. As vozes ecoam cada vez mais desaforadamente.
A um sinal, fazem silêncio e Pilatos pergunta: “Haverei de crucificar a vosso
rei?” Pilatos manda vir a um escravo. Há um novo silêncio. Os judeus conhecem
bem esta cerimônia: sabem que triunfaram. Enquanto o servo lava as mãos de
Pilatos se ouve estas palavras: “Sou inocente do sangue desse justo”.
Centenas de gargantas exclamam a um grito penetrante: “Que caia o
seu sangue sobre nós e sobre os nossos filhos”.
XXXVI
Caminho do Calvário e
crucificação
A sentença de morte contra Jesus
deveria ser executada fora da cidade. Trouxeram uma cruz e Jesus teve que
carregar-la, já que todo condenado deveria levar sozinho o instrumento de seu
suplício. Carregou-a com tanta dignidade que os soldados sentiram que aquele
Jesus de Nazaré permanecia ainda inflexível em virtude de uma força misteriosa.
Determinaram que fosse justiçado junto com dois malfeitores. Na metade do
trajeto os soldados advertiram que Jesus estava desfalecido em função da grande
quantidade de sangue que havia perdido durante a flagelação; forçaram a um
homem que passava por ali, Simão Cireneu, para que levasse a cruz. Jesus era
seguido por uma grande multidão e por mulheres que se compadeciam e lamentavam.
Mas Jesus dirigindo-se a elas, disse: “Filhas de Jerusalém, não choreis por
mim, senão mais bem por vós mesmas e por vossos filhos, porquê se fazem isto
com o lenho verde, que será do seco?”
Chegaram a um lugar chamado Gólgota,
que significa “lugar da caveira”. Como era de costume, ofereçeram-lhe vinho,
aromatizado com mirra, a fim de suavizar a dor. Jesus, depois de provar-lo, não
quis beber.
Desnudaram-no, e o pregaram na cruz.
Era meio-dia. Crucificaram também a dois ladrões, um à direita de Jesus e outro
à sua esquerda.
Era de costume colocar sobre a cruz
uma inscrição com o nome do sentenciado e a causa de sua condenação. Pilatos,
para vingar-se e zombar dos judeus, fez com que escrevessem em hebraico, em
grego e em latim esta inscrição: “JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS”. Estes
captaram a sua intenção e não gostaram. Foram reclamar a Pilatos: “Não escrevas
‘O Rei dos judeus’. Pilatos respondeu secamente: “O escrito, escrito está”.
Depois de crucificar Jesus os
soldados pegaram as suas roupas e repartiram em quatro partes, uma para cada
um. Já que a túnica era feita de uma só costura, disseram entre si: “Não
repartiremos! Tiremos a sorte para ver com quem fica”.
Desse modo se cumpria a profecia que dizia: “Repartiram entre si as
minhas vestes, e sobre a minha túnica lançaram sorte”.
XXXVII
Morte de Jesus
Estavam junto à cruz, a mãe de Jesus
e a irmã de sua mãe, Maria de Cléofas. Também Maria Madalena. Um só apóstolo,
João, o mais jovem. A primeira palavra que pronunciou estando já pregado na
cruz foi uma exclamação de perdão: “Pai, perdoai-os por que não sabem o que
fazem”.
Não sabemos se estas palavras foram
escutadas pelos dirigentes judeus que permaneceram perto da cruz seguros de seu
triunfo. Eles não se importavam de zombar abertamente: “Se é o rei de Israel,
que desça agora da cruz e acreditaremos nele. Confiou em Deus, pois que liberte-o
agora se o ama, já que disse que era Filho de Deus”.
Outros faziam desafios ironizando:
“Como que tu és aquele que destruiria o Templo em três dias e em três
reconstruirias? Desce da cruz e salva a ti mesmo!”
Também um dos ladrões que havia sido
crucificado o insultava: em meio às suas dores, aquele malfeitor sentia
satisfação em proferir palavras ofensivas. Por outro lado o outro ladrão ficou
fortemente comovido quando ouviu Jesus implorar perdão ao Pai do Céu. Um homem
crucificado, sofrendo terrivelmente, não só perdoa senão que pede perdão a Deus
pelos que martirizam-lhe e insultam. O bom ladrão crê que Deus é
verdadeiramente seu Pai. E se põe decididamente de parte de Jesus: “Nem agora
temes a Deus, diz a seu companheiro, estando prestes a morrer. Nós sofremos por
culpa nossa, recebemos o que merecemos, mas este não fez nenhum mal”. E
dirigindo seu olhar a Jesus pede: “Senhor, recorda-te de mim quando estiveres
em teu reino”.
O bom ladrão crê na onipotência
daquele que é visto absolutamente impotente. Não pede que o livre do castigo
merecido nem sequer que alivie suas dores, senão uma lembrança para quando já
esteja morto. Jesus, cheio de majestade, promete: “Em verdade te digo: hoje
estarás comigo no Paraíso”.
Jesus esteve pendurado na cruz por três horas inteiras. Entretanto
aconteçeu uma grande transformação: desde a hora sexta toda a terra se cobriu
de trevas até a hora nona. Jesus compreendeu que havia chegado a hora de
despedir-se de Maria, sua mãe, que não o havia abandonado naquele momento de tribulação.
Disse-lhe: “Mulher, eis aí teu filho”. O olhar de Jesus passou de Maria a João.
Depois dirigiu-se a este: “Eis aí a tua mãe”. Com esta doação, Jesus ficava
absolutamente despojado de tudo.
Os minutos passavam lentos, densos.
As trevas se faziam cada vez mais espessas. Depois de um longo silêncio Jesus
exclamou com voz forte: “Eli, Eli, lama sabachtaní?”, que significa “Meu Deus,
meu Deus, por que me abandonastes?” Alguns dentre os que ali estavam, ouvindo o
que ele havia dito, afirmavam: “Está chamando Elias”.
Depois Jesus disse: “Tenho sede”. Um dos soldados pegou uma esponja,
embebeu-a em vinagre, colocou na ponta de uma varra fazendo com que chegasse à
boca de Jesus para que podesse beber.
Pouco depois Jesus exclamou: “Tudo
está consumado”. E cheio de confiança levantou o olhar ao céu e exclamou: “Pai,
em tuas mãos entrego meu espírito”. Dito isto, inclinou a cabeça e expirou. Era
quase três da tarde.
Depois da morte de Jesus, o véu do
Templo rasgou-se pela metade, de cima a baixo, a terra estremeçeu e os
sepulcros abriram-se ressuscitando muitos corpos dos santos que neles
descansavam, os quais saindo de seus sepulcros entraram em Jerusalém e apareceram
a muitos. O centurião e os que velavam Jesus vendo o terremoto e as coisas que
aconteciam, ficaram aterrorizados e diziam: “Verdadeiramente era Filho de
Deus”. As pessoas que presenciavam este espetáculo golpeavam o peito.
Os dirigentes judeus pediram que
Pilatos ordenasse a consumação da morte dos condenados, quebrando-lhes as
pernas para poder tirar-los da cruz pois não queriam que a presença dos
cadáveres no Calvário manchasse a festa de Páscoa que se celebraria naquela
mesma noite. Pilatos permitiu. Os soldados vieram e quebraram as pernas dos
dois ladrões, mas ao aproximarem-se de Jesus e comprovar que já estava morto,
não quebraram-lhe as pernas senão que um soldado, com uma lança, atravessou as
suas costelas. No mesmo instante saiu sangue e água. E João, o apóstolo e
evangelista, que nos fez chegar a narração desses fatos, dá testemunho porque
estava presente ao pé da cruz. Diz: “Aconteceram estas coisas para que se
cumprisse a Escritura: ‘não quebrareis nem um osso’. E em outro lugar diz:
‘Colocarão os olhos naquele a quem transpassaram”.
XXXVIII
Sepultura de Jesus
Os amigos de Jesu empenharam-se em
evitar que o corpo de seu Mestre fosse lançado em uma fossa comum junto com os
corpos de outros ladrões. Era necessário atuar com diligência, pois segundo o
costume dos judeus, os justiçados tinham que ser enterrados imediatamente. Além
do mais naquela mesma tarde, quando se pusesse o sol, começaria a festa da
Páscoa, a grande festa judia. Então apareceu um nome novo: José de Arimatéia,
que era um homem rico, membro do Sinédrio e que não havia participado da
condenação de Jesus. Se apresentou ante Pilatos e pediu o corpo do Crucificado
para enterrar-lo. Adquiriu em seguida um lençol e com a ajuda do apóstolo João
e de Nicodemo, aquele que à primeira vez havia ido de noite encontrar-se com
Jesus, e juntos retiraram o corpo da cruz.
Havendo amarrado-o com tiras e
ungido, segundo o costume dos judeus, envolveram no lençol e enterraram em um
sepulcro novo, em um horto que era propriedade de José de Arimatéia. Logo
rolaram uma grande pedra até a entrada. As mulheres, estiveram olhando onde e
como ficava o corpo para que uma vez fechada a sepultura, pudessem regressar no
domingo, ou seja, depois das festas de Páscoa, com mais aromas e perfumes.
Os fariseus, lembrando que Jesus havia previsto sua própria
ressurreição, se apresentaram a Pilatos e disseram: “lembramos que estando vivo
havia dito que depois de três dias ressuscitaria. Manda vigiarem bem o sepulcro
para que os seus discípulos não cheguem, roubem, e digam que ressuscitou”.
Pilatos confiou à guarda romana para que garantissem a vigilância do sepulcro.
Assim que os próprios inimigos de Jesus, que havia conseguido a sua morte,
chegaram ao sepulcro, selaram a pedra, e montaram guarda.
XXXIX
Ressuscita por sua própria
força
Acabada a sexta-feira, o dia da
crucificação; passou todo o sábado, festa da Páscoa, e ao amanhecer do terceiro
dia, domingo, Jesus ressuscitou glorioso, deixando intacto o sepulcro. Foi
assim: houve um grande terremoto, desceu do céu um anjo de Deus, removeu a
pedra da entrada e sentou-se sobre ela. Seu aspecto era todo luz, como de um
relâmpago retido no ímpeto da queda. Os guardas ficaram imóveis, atemorizados.
O evangelista que narra os fatos acrescenta outras informações. De todos os
modos, depois que o anjo desapareceu, os soldados fizeram como costumam fazer
os homens em tais ocasiões: primeiro quiseram pensar que fosse uma alucinação,
mas rapidamente comprovaram que a pedra estava removida e que o cadáver não
estava na sepultura. Não era uma alucinação: estavam diante de uns fatos reais
e concretos.
Àquela mesma manhã, Maria Madalena,
Maria - a mãe de Tiago - e Salomé, foram ao sepulcro para ungir o corpo de
Jesus; perguntavam entre si por quem ajudaria-as a remover a pedra da entrada
do sepulcro. A surpresa foi a de não encontrar os guardas e a de que a pedra
houvesse sido removida. O anjo, que havia tomado forma humana disse-lhes: “não
vos assusteis. Viestes ver a Jesus de Nazaré que foi crucificado. Já
ressuscitou! Não está aqui! Vedes o lugar onde o colocaram. Ide e dizei aos
discípulos, a Pedro especialmente, que Ele vai na vossa frente à Galiléia. Lá o
vereis, como Ele vos prometeu”. Avisados, os apóstolos Pedro e João saíram
correndo . Este chegou primeiro ao sepulcro; se inclinou, viu os tecidos no
solo mas não entrou. O próprio historiador que nos relata o fato: “Depois dele
chegou Pedro. Quando entrou no sepulcro, viu as vendas no solo e advertiu que o
sudário com o qual havia sido envolto a cabeça de Jesus não estava com os
outros tecidos, senão que estava separado e dobrado em outro lugar”. Era como
se o cadáver de Jesus tivesse evaporado: assim o corpo ao ser infundido de novo
pela alma havia tomado a vida de um estado glorioso, não sujeito às leis do
espaço.
Então se operou na alma daqueles discípulos uma abertura a uma nova
vida. A fé que estava como que adormecida se vivificou, e ante aqueles sinais
patentes, conheceram e sentiram que Jesus havia ressuscitado. Compreenderam
seus milagres, recordaram a profecia da ressurreição, tomaram consciência das
palavras de Jesus sobre a paixão, morte e ressurreição. Foi a antecipação
daquela que seria a plenitude de sabedoria e força que o Espírito Santo
infundiria neles, em Pentecostes.
XL
Aparições de Jesus
crucificado
Maria Madalena estava chorando junto
ao sepulcro. Amava tanto a Jesus que encontrava-se em um estado tal que tudo o
que vem do exterior perde seu valor e importância se não está em relação com a
sua dor. Tinha o olhar fixo no interior do sepulcro, chorando a perda. Assim
permanecia imóvel no lugar de sua desgraça. Ao fundo do sepulcro distingue dois
anjos: um está na cabeceira do banco sepulcral, o outro aos pés. Os anjos
perguntam-lhe: “Mulher, por que choras?” “Por que, responde, levaram o meu
Senhor e não sei onde o colocaram”. Maria madalena não percebeu a condição
angélica daqueles seres. Se afasta do sepulcro por que necessita está só.
Caminha pelo horto cabisbaixa. Nisso, uma voz dirige-se a ela: “Mulher, porque
choras? A quem buscas?” Maria pensa que seja o encarregado de cuidar do horto e
interroga com uma certa pressa: “Senhor, se tu fostes aquele que o levastes,
dí-me onde colocastes e eu o levarei comigo”.
Jesus se revelará para que também Maria Madalena, a pecadora, se
convença da ressurreição. Disse-lhe: “Maria!” Foi como se houvesse dito:
olha-me bem pois tuas lágrimas, tão humanas, privam-te de ver...” Ela
reconhece-o. “Rabboni”, exclama. Rabboni quer dizer “Mestre”. Jesus fá-la notar
que já não tem o estado humano que tinha antes da paixão. Explica-lhe que tocar
a Deus, a união com a divindade de forma perfeita, desejada pelas almas
ardentes, como Madalena, só será possível uma vez vivendo no céu.
Maria Madalena, feliz, correu aos discípulos para relatar-lhes a
aparição.
Aquele mesmo dia, domingo depois da Páscoa judia, dois discípulos de
Jesus, iam de Jerusalém a uma aldeia chamada Emaús. Conversavam sobre todas as
coisas que haviam acontecido. Jesus aproximou-se deles, caminhando em sua
companhia, mas aqueles olhos estavam como que vendados para que não
reconhecessem o mestre.
Aquele desconhecido começou perguntando: “De que estáveis falando?”
Respondeu um deles, de nome Cléofas: “Tu és o único forasteiro de Jerusalém que
não sabe o que aconteceu por estes dias?! Comentávamos sobre as coisas que
aconteceram com Jesus de Nazaré, um profeta poderoso em obras e palavras aos
olhos de Deus e de todo o povo. Os príncipes dos sacerdotes e nossos chefes
entregaram-no para que fosse condenado à morte, e crucificaram-no. Nós
esperávamos que ele fosse aquele que redimisse Israel. Mas hoje é o terceiro
dia desde que aconteceram estas coisas...”
Jesus poderia haver interrompido. Porque ao invés de desanimarem-se
não se preocuparam com a ressurreição que foi profetizada? Deixou que Cléofas
continuasse.
“Embora seja verdade que algumas mulheres nos surpreenderam, pois ao
amanhecer foram ao sepulcro, e não havendo encontrado seu corpo, voltaram
dizendo que tiveram uma visão de anjos naquele local e que estes asseguraram
que ele vive. E alguns dos nossos foram ao sepulcro, e encontraram-no assim
como as mulheres haviam referido, mas não viram Ele.”
O forasteiro começa a falar. Mostra-se bastante versado nas
Escrituras. Começando por Moisés e com a autoridade dos profetas, indica-lhes
aquelas passagens que anunciaram o Messias como varão de dores, como homem
sofredor. Seus ouvintes começam a recuperar a esperança. Dão-se conta de que se
equivocaram na interpretação dos fatos.
Já estavam chegando a Emaús e o caminho seguia. Jesus faz sinal de
que vai seguir adiante. Os discípulos convidam-no. “Fica conosco, porque já é
tarde, e o dia está terminando”. Jesus aceita. Entra com eles, sentam-se juntos
à mesa. Jesus pega o pão e abençoa-o. Parte-o e distribui. Nesse momento
reconhecem o Messias. Mas a vida de Jesus já opera segundo outra leis, e
instantaneamente desaparece de suas vistas. Então dizem: “Não é verdade que sentíamos
o coração abrasar enquanto nos falava pelo caminho e nos explicava as
Escrituras?”
Regressam a Jerusalém e enquanto os discípulos de Emaús estavam
ainda contando o que aconteceu no caminho e como o reconheceram ao partir do
pão, apareceu Jesus no meio de todos eles e disse: “A paz esteja convosco”.
Havia entrado estando as portas fechadas. Ficaram todos espantados. Jesus
procurou tranqüiliza-los e fazê-los perceber que estava agora entre eles com o
mesmo corpo que estava no sepulcro. Disse-lhes: “por que estais perturbados?”
“Olhai as minhas mãos e os meus pés, sou eu mesmo”. Olhai as feridas das mãos e
dos pés. Tocai-me. Não sou um espírito. Um espírito não pode ser tocado”. Pouco
a pouco vai desaparecendo o medo. Jesus quer dar a máxima confiança e pede algo
de comer. Dão um peixe assado.
Jesus retoma a transmissão dos poderes iniciada antes de sua Paixão.
Vai dar aos apóstolos a faculdade para que transmitam a paz. Diz-lhes: “Como o
Pai me enviou assim também vos envio. Recebei o Espírito Santo. Aos que
perdoardes os pecados, estarão perdoados; e aos que este reterdes, lhes serão
retidos”. Se toda falta de paz provém do pecado, ao perdoar os pecados, se
livra o réu da carga da angústia e este regressa à paz.
XLI
Pedro, vigário de Cristo,
cabeça da Igreja
Os dias foram passando e uma tarde Pedro disse aos apóstolos que
moravam em sua casa: “Vou pescar”. Responderam os outros: “Iremos contigo”.
Entraram no lago de Tiberíades, em dois barcos com redes penduradas. Cruzaram o
lago nos diversos sentidos, pelos lugares onde antes haviam encontrado pesca
abundante. Pareceu-lhes como se já tivessem perdido o ofício. Ao despertar a
aurora, dirigiram-se à margem, cansados e com os barcos vazios. Lá lhes
esperava Jesus, que não reconheceram. Aquele aparente forasteiro lhes dá um
conselho bastante concreto: “Lançai a rede à direita do barco e encontrareis”.
Não era um grande esforço o que lhes pedia. Fizeram e no mesmo instante as
redes se agitaram. Quando quiseram retirar as redes, não puderam levantá-las. João
descobriu imediatamente que aquele forasteiro era Jesus. “É o Senhor”, disse a
Pedro. Jesus tinha preparado um fogo. “Trazei alguns dos peixes que haveis
recolhido”, lhes disse. Assim fizeram e Jesus lhes repartiu os peixes assados e
o pão. Depois de comer, Jesus pergunta a Pedro: “Simão, Filho de João, me amas
mais que estes?”
Pedro foi surpreendido com aquela pergunta. Deveria recordar as
negações no pátio de Caifás, também junto ao fogo. Com espírito totalmente
prostrado disse: “Sim, Senhor, Tu sabes que te amo”.
Jesus lhe diz: “Apascenta os meus cordeiros”.
Mais uma vez Jesus faz a Pedro a mesma pergunta. Certamente convinha
confirmar o amor do discípulo tantas vezes quantas lhe havia negado. A resposta
foi a mesma: “Sim, Senhor, Tu sabes que te amo”.
Jesus perguntou pela terceira vez: “Simão, filho de João, me amas?”
Pedro faz um ato de total desprendimento e ao mesmo tempo de plena
confiança em Jesus. Responde: “Senhor, Tu sabes todas as coisas; Tu sabes que
te amo”. Jesus o nomeia seu Vigário, cabeça da Igreja. Logo desaparecerá o Bom
Pastor, Jesus. Será necessário que outro Bom Pastor atue em seu nome, para que
as ovelhas se sintam seguras e protegidas. Jesus lhe encarrega:
“Apascenta minhas ovelhas”.
XLII
A missão do apóstolo
Jesus indicou a seus onze discípulos um monte da Galiléia onde
deveriam esperá-lo. Foram lá e logo Jesus apareceu, com tanta majestade que
revelava que o Filho do Homem era Senhor do mundo. Era a hora de investir em
seus discípulos para que, como apóstolos, dessem testemunho de Jesus por toda a
terra. Irão ser mensageiros a todas as gentes e em todos os tempos. “Foi-me
dado todo poder no céu e na terra. Ide, ensinai a todas as gentes, batizando-as
no nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a observar todas
as coisas que vos mandei”.
Já não havia um povo escolhido. Toda a Humanidade era escolhida, por
que toda a Humanidade havia sido redimida. Por isso a obrigação de ensinar a
todos os homens.
Que deveriam ensinar? A doutrina de Jesus: refletida em sua vida, em
suas palavras, em seus milagres...
Aqueles insignificantes galileus
deveriam se apresentarem diante do mundo e anunciar que o Filho de Deus havia
realmente se encarnado, havia vivido entre nós, os homens, havia sido cravado
numa cruz por amor. Missão tão transcendental poderia pasmar a qualquer homem.
Jesus observa os olhares interrogativos, suplicantes, quiçá angustiados, de
seus apóstolos ante tamanha visão e lhes diz solenemente: “Eu estarei convosco
todos os dias até a consumação dos séculos”.
XLIII
Jesus, o Filho de Deus,
ascende aos céus
Jesus apareceu aos seus apóstolos pela última vez na mesma sala em
que havia instituído a Eucaristia. Afirmou que todas as profecias sobre sua
vida estavam cumpridas. Mas faltava a transformação do mundo. Era conveniente
pregar o exemplo de sua morte. Diz: “Em meu nome, começando por Jerusalém, se
deverá pregar a penitência e a remissão dos pecados a todas as nações”.
Depois de prometer que enviaria a força, a energia do Espírito
Santo, caminharam do Cenáculo ao monte das Oliveiras, o mesmo intinerário
percorrido na véspera da Paixão. Descendo as ladeiras, chegaram às gargantas do
vale Cedrão. Seguindo pelo horto das Oliveiras chegaram ao cume. Jesus abençoou
os fieis; depois estes viram, como aos seus olhos, se elevava pelo ar por sua
própria virtude. Jesus homem,
contemplava os lugares que sua existência terrena havia santificado: o deserto
de Judá, o côncavo do rio Jordão, os muros de Jerusalém, o monte Calvário; mais
além a paisagem de Belém, as inumeráveis cordilheiras da Judéia, o lago de
Genesaré, sua aldeia de Nazaré sobre as planícies de Jezrael. Contemplava a
terra do Redentor.
Jesus, Filho de Deus e
homem verdadeiro, entrava no céu.
No monte das Oliveiras os discípulos
mantinham o olhar cravado nos céus, retidos. Foi preciso que dois mensageiros
vindos do céu devolvesse-lhes à realidade.
“Homens da Galiléia, por que estais olhando para o céu? Este Jesus
que vossa vista viu subir ao céu,
voltará assim como o haveis visto subir”.
Por isso os cristãos, desde os primeiros séculos, repetem com todo
ardor-amor do coração: “Maranatha”, “Vem
Senhor, Jesus!”.
Que toda a terra seja,
com a Virgem Maria,
Gloria de Deus.
[1] O
cerco de Jerusalém começou no mês de abril. Assim, o tempo da fuga caiu nas
semanas das chuvas tardias; época em que é impossível passar as noites ao ar
livre; muitos caminhos se convertem em torrentes, outros em sujos lamaçais.
A guerra começou no ano 66 e terminou depois de quatro anos de
sangrentas lutas e horríveis devastações, com a destruição de Jerusalém e a
dispersão do povo judeu, cumprindo-se ao pé da letra o que foi profetizado por
Jesus. O sacerdote judeu Flávio José, general em chefe das tropas judias em
Galiléia, e mais tarde, testemunha ocular de todo o desenvolver da guerra na
companhia de Vespasiano e de Tito, descreveu os pormenores em sete livros;
assim, sem saber deixou a prova escrita do cumprimento exato das palavras de
Jesus. Ao começo da guerra abandonaram a cidade os cristãos com seu bispo
Simeão à frente e foram se estabelecer em Pella, ao outro lado do Jordão, cerca
100 quilometros de Jerusalém.
A cidade havia se convertido em um caldeirão de partidos que lutavam
com ódio entre si, com horríveis matanças. Os zelotas chamaram os idumeus em
seu auxílio e cobriram ruas e átrios do Templo, de cadáveres. A cidade ia
reduzindo-se a escombros.
Os judeus combatiam entre si, de forma que não foi difícil a Tito
aproximar-se a Jerusalém naquela primavera do ano 70. Estabeleceu o seu
acampamento a uns 200 metros do Gólgota e outro no monte Olivete. O assédio
começou quando se havia congregado na cidade uma imensa multidão de peregrinos
para celebrar a Páscoa. Parecia que todo o povo judeu tivesse sido trancado em
uma cadeia. Isto contribuiu a que fosse aumentando a fome em Jerusalém.
Correndo risco de vida, alguns judeus saiam da cidade durante a noite para
recolher ervas comestíveis. Muitos deles caiam em poder dos romanos, os quais,
para amedrontar aos que estavam sitiados e obrigar-lhes a renderem-se,
açoitavam e crucificavam os infelizes prisioneiros diante dos muros de
Jerusalém. Não poucas vezes crucificaram até mais de 500, em um só dia. À vista
dos desgraçados se erguia o Gólgota. Tito bloqueou a cidade por meio de uma
estreitíssima e ininterrupta linha de bloqueio, para que os judeus abandonassem
toda esperança de fugir, e com mais certeza a fome lhes obrigasse a
renderem-se, . O recinto da cidade media pouco mais de 6 km, uma milha
geográfica.
Em pouco tempo se instalou a fome entre a multidão com um crescente
furor, e a miséria se viu aumentada por uma epidemia mortífera. O que
normalmente produzia repugnância, era agora devorado com ferocidade: couro
velho, capim podre, esterco, etc. Os homens roubavam a comida de suas mulheres,
as mulheres, a dos homens; os meninos, a de seus pais e as mães a dos seus
bebês; e ainda houve mãe que matou ao filho de suas entranhas para devorar sua
carne. “É impossível, observa Flávio José, descrever detalhadamente todas as
atrocidades dos habitantes; jamais cidade alguma sofreu tanto e nunca desde o
princípio do mundo houve geração tão desenfreada em seus crimes”. Famílias
inteiras, linhagens inteiras foram morrendo pela fome. Os terraços estavam
cheios de mulheres e meninos subnutridos; as ruas, de anciãos pálidos. Homens e
adolescentes andavam como sombras e caíam semimortos; e haviam aqueles que, ao
ver que se aproximava a sua hora, se trancavam em uma tumba para não ficarem
sem ser sepultados. Não se ouvia nenhum lamento, nenhuma queixa rasgava o ar,
os que lentamente iam morrendo, contemplavam com olhos rígidos aos já mortos e
lhes invejavam sua sorte.
Por todas as partes, sobre mortos e agonizantes, reinavam o silêncio
da noite, rompido algumas vezes pelo ruído dos zelotas que assaltavam as casas
para roubar até as roupas dos cadáveres.
Depois de muitos ataques infrutíferos, foi por fim conquistada a Torre Antônia, e Tito pensou em atacar o
monte do Templo e seu muro exterior.
Já anteriormente havia convidado repetidas vezes aos judeus a renderem-se;
agora renovou sua oferta. “Ponho por testemunha aos deuses de minha pátria,
mandou dizer, e se houve algum deus que alguma vez teve providência dessa
cidade – pois não creio que agora tenha – coloco-lhe assim mesmo por
testemunha, e também ao meu exército e aos judeus que estão comigo, de que não
os obrigarei a manchar o Templo. Se vos submeteis, nenhum romano se aproximará
do santuário. Eu o conservarei, embora não queirais”. Mas os zelotas não viram
na magnanimidade do romano senão covardia, e desprezaram seus avisos.
Então se reiniciou a luta mais terrível que nunca. Os muros norte e
oeste do Templo se desfaziam ao golpe de picaretas; mas resultavam em vão todos
os ataques dirigidos contra o muro oriental do átrio. O general romano tenta um
assalto e é repudiado com grandes perdas. Então Tito manda incendiar as portas;
o fogo funde a prata com a qual estavam cobertas, queima a madeira e penetra
nos pórticos. O incêndio dura um dia e uma noite inteiros, e no outro dia, pela
manhã, dá ordem para que apaguem o fogo. Enquanto os soldados se ocupam de
cumprí-la, os judeus atacam de novo; mas são afugentados e perseguidos até o
Templo.
Entre o tumulto geral, um soldado romano, sendo elevado até uma das
janelas douradas que pelo lado do norte davam a uma das estâncias imediatas ao
santuário, joga, por ela, um tição ardendo. Põe fogo nos ricos artesanatos e o
fogo se propaga às salas conjugadas ao santuário. Ao ficar sabendo, Tito vai
apressadamente com seus oficiais, e com o gesto e a voz quer conter os soldados
e obrigar-lhes a combater as chamas. Mas em vão. As legiões se precipitam depois
dele; a indignação, o ódio e o desejo de apoderar-se das riquezas os fazem
surdos às ordens; ao ver ao seu redor brilhar o ouro, crêem que no Templo se
guarda imensas riquezas; já não dá tempo para domar sua selvageria.
Os judeus, que com furor desesperado vão ao seu encontro, caem por
terra esfaqueados; em torno do altar dos holocaustos jazem amontoados os
cadáveres, e o sangue corre das grades do Templo. Tito penetra no edifício
incendiado, chega ao sancta sanctorum e
os seus olhos contemplam com assombro aquele formoso Templo cuja magnitude e
esplendor interior não desmentem o que de fora promete. Todavia espera poder
combater o fogo no interior, se esforça em dar vozes para combater o fogo, e
instantâneamente tudo desmorona.
Os romanos plantam as águias
imperiais no lugar santo e oferecem sacrifícios aos deuses. Era o mesmo dia do
mês em que, em outro tempo ardeu o Templo de Salomão, um 9 de AB, 15 de agosto
do ano 70 dc. Meio ano antes, o 19 de dezembro de 69, em Roma ardia o Capitólio
ou templo de Júpiter, o primeiro dos deuses romanos, incendiado pelos soldados
de Vitélio que lutavam contra os partidários de Vespasiano. Os templos do
judaísmo e do paganismo caiam, quando o reino de Cristo estava disposto a
conquistar o mundo.
Entretanto, os romanos plantaram as águias nas torres de Sion e se
esparramaram pelas ruas derrubando tudo quanto as suas mãos alcançavam,
queimando as casas com os que nelas se
refugiavam. A cidade esteve ardendo dois dias e duas noites; ao terceiro
dia era um monte de escombros, debaixo dos quais havia uma infinidade de
cadáveres sepultados. Era dois de setembro do ano 70. Quando Tito entrou na
cidade se admirou da fortaleza de suas muralhas, em especial das três soberbas torres de Hípico, Fasael e Mariamma; e
dele se conserva este comentário:
“Evidentemente não valeu a vitória em favor dos deuses, pois só um deus poderia
expulsar os judeus dessas cidadelas. Contra elas nada poderia a mão dos homens
ou a força de seus engenhos”. Segundo Flávio José, mais de um milhão de homens
pereceram durante o assédio. O número de prisioneiros, segundo o mesmo, se
elevou a 97.000. Parte foi enviada às minas egípcias, parte distribuída pelas províncias para lutar nos anfiteatros,
uns com os outros ou com as feras. Em um só dia pereceram 2.500 judeus nos
jogos circenses, que em honra de Tito organizou a cidade de Cesaréia de Filipe;
e nos de Beirute sucumbiu uma “imensa multidão”. Os outros foram vendidos por
todo o mundo como escravos. Tito permitiu, finalmente, que fosse arrasado
quanto do Templo e da cidade restassem, e que o arado passasse sobre os
escombros. Unicamente exceptuou as três torres e uma parte da muralha ocidental
com os edifícios conjugados, para que servissem de alojamento às tropas que ali
deveriam permanecer, e pudesse dar testemunho da firmeza da cidade e do valor
dos romanos.
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