Mesmo quando possa parecer um preconceito, razão seja dada aos
fautores da visão que as margens do centro, os limites, possam muito bem serem
consideradas como o seu fim. Uma história, uma biografia, tem seu começo, seu
meio, e seu fim; um território, tem seu começo – que está sempre relacionado a
um ponto externo – de referência, tem o seu centro, seu meio, e o seu fim. Em
certo sentido, o Papa Bergoglio, só para citar um nome ilustre, pareceu
confirmar tal visão das coisas quando identificou-se como argentino que era,
como um clérigo proveniente do fim do mundo eleito para conduzir a orbe católica desde a Urbe que, neste sentido, aparece sendo
posta como da orbe católica. Talvez
tivesse em mente aquele ditado sobejamente romano queria que todos os caminhos conduzem a Roma ou,
abrasileirando-o: quem tem boca vai a
Roma.
Pois bem, voltando ao Brasil, mesmo sem buscar o fim desse país
continental, não é difícil entender as razões que levaram o Nobel para a
literatura de 2010, Mário Vargas Llosa (Arequipa, Peru, 1936) a identificar o
Arraial de Canudos, no Alto Sertão baiano, como sendo o fim de mundo. De fato,
o seu romance La guerra del fin del mundo,
de 1981, conta as dramáticas vicissitudes ligadas à resistência de Canudos às
inovações da neorrepública Federativa do Brasil e, paradoxalmente, às centenárias
maledicências do sistema monárquico brasileiro por meio de um perssonagem até
pouco tempo desconhecido da historiografia nacional. Seu nome, Antônio Vicente
Mendes Maciel, vulgarmente conhecido como Antônio Conselheiro.
As últimas informações sobre seus personagem principal, conhecido
comumente como Antônio Conselheiro (1830-1897) – a causa dos conselhos que dava
aos seus ouvintes – revelam muito das motivações para que ele se convertesse no
maior pregador religioso popular de sua época, mesmo não sendo ele, membro de
nenhuma ordem religiosa. Antes de se transformar no Conselheiro, Antônio era
uma vocacionado à vida religiosa, padre, de uma família de classe media do
interior do Ceara. Após ter sua “carreira” decepada pela morte do pai e pela
necessidade de assumir os destinos de sua família, casou-se, estudou, foi
professor, e exerceu a advocacia num tempo que bastava conhecer as letras e as
leis, mesmo sem um diploma; até que, viu-se traído pela esposa, em 1861, com um
sargento de polícia, em sua residência.
O Conselheiro, desiludido, emprenha-se no sertão nordestino e, deste
período a primeira prova documental de sua pregação é do estado de Sergipe: “Há
seis meses que por todo o centro desta Província e da Província da Bahia,
chegado (diz ele) do Ceará, infesta um aventureiro santarrão que se apelida por
Antonio dos Mares. O que, a vista dos aparentes e mentirosos milagres que dizem
ter ele feito, tem dado lugar a que o povo o trate por S. Antônio dos Mares.
Esse misterioso personagem, trajando uma enorme camisa azul que lhe serve de
hábito a forma do de sacerdote, pessimamente suja, cabelos mui espessos e
sebosos entre os quais se vê claramente uma espantosa multidão de bichos
(piolhos). Distingue-se pelo ar misterioso, olhos baços, tez desbotada e de pés
nus” (O Rabudo, 22/11/1874).
Assim, no ano de 1874 o Conselheiro era já um pregador e penitente conhecido e
transitava no eixo onde se tornaria polemicamente famoso, fazendo desencadear a
Guerra de Canudos a causa da ocupação da homônima fazenda, às margens do rio
Vaza-barris, e de sua resistência às novidades advindas naquele final de
século: a separação Igreja-Estado, o censo – entendido por ele como a preparação
para a retomada da escravidão negra e afrodescendente –, o fim do sistema monárquico
e da adoção de uma nova moeda e do sistema de pesos e medidas. Oriundo e
transitando no fim de mundo daquela época, diante de tanta inovação, o
Conselheiro, não só oferecia resistência mas, encontrava em suas pregações um
publico disposto a fundar um novo mundo tendo como base as razões fraternas da
fé e a oposição às possíveis ameaças da República.
Assim sendo, naquele final de século, o Conselheiro pregava o fim do
mundo que, na verdade, acabaria após a quarta expedição militar do governo
republicano dos militares, dos marechais alagoanos Deodoro e Floriano. O que não
entende ainda muito claramente é se o místico tinha realmente a convicção de
que o anticristo – que ele identificava com a Republica – destruiria o mundo
todo ou tão somente aquele pedaço de mundo, para ele, o seu mundo. Do romance
de Llosa fica somente uma pista: a de um homem simples, austero, coerente, de
grande fé, com uma vocação sacerdotal meio-frustada e com um séquito de gente
convertida disposta a retomar alguns hábitos do passado, a condição de defender
quem lhes dera uma nova vida. O romance termina tendendo a defender a causa mortis do Conselheiro, como de
morte morrida, de disenteria e não como consequência de ferida de bala. Era a glorificação
do místico, em detrimento da gloriosa vitória do Exército brasileiro, capaz de
atacar com canhões, de tratar como criminais, como ladrões; indistintamente,
jovens e velhos, trabalhadores e desocupados. E o romance termina assim:
demonstrando a convicção de que Deus poupara os justos da crueldade humana,
levando em seus braços o Conselheiro e guiando pro céu um seguidor arrependido,
que até o fim, vivera como um justo. Foi pro céu de Llosa, vivo.
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