03 settembre, 2013

Llosa - Euclides da Cunha - Os Sertões - La guerra del fin del mundo - Conselheiro



As razões do fim do mundo



Mesmo quando possa parecer um preconceito, razão seja dada aos fautores da visão que as margens do centro, os limites, possam muito bem serem consideradas como o seu fim. Uma história, uma biografia, tem seu começo, seu meio, e seu fim; um território, tem seu começo – que está sempre relacionado a um ponto externo – de referência, tem o seu centro, seu meio, e o seu fim. Em certo sentido, o Papa Bergoglio, só para citar um nome ilustre, pareceu confirmar tal visão das coisas quando identificou-se como argentino que era, como um clérigo proveniente do fim do mundo eleito para conduzir a orbe católica desde a Urbe que, neste sentido, aparece sendo posta como da orbe católica. Talvez tivesse em mente aquele ditado sobejamente romano queria que todos os caminhos conduzem a Roma ou, abrasileirando-o: quem tem boca vai a Roma.
Pois bem, voltando ao Brasil, mesmo sem buscar o fim desse país continental, não é difícil entender as razões que levaram o Nobel para a literatura de 2010, Mário Vargas Llosa (Arequipa, Peru, 1936) a identificar o Arraial de Canudos, no Alto Sertão baiano, como sendo o fim de mundo. De fato, o seu romance La guerra del fin del mundo, de 1981, conta as dramáticas vicissitudes ligadas à resistência de Canudos às inovações da neorrepública Federativa do Brasil e, paradoxalmente, às centenárias maledicências do sistema monárquico brasileiro por meio de um perssonagem até pouco tempo desconhecido da historiografia nacional. Seu nome, Antônio Vicente Mendes Maciel, vulgarmente conhecido como Antônio Conselheiro.
As últimas informações sobre seus personagem principal, conhecido comumente como Antônio Conselheiro (1830-1897) – a causa dos conselhos que dava aos seus ouvintes – revelam muito das motivações para que ele se convertesse no maior pregador religioso popular de sua época, mesmo não sendo ele, membro de nenhuma ordem religiosa. Antes de se transformar no Conselheiro, Antônio era uma vocacionado à vida religiosa, padre, de uma família de classe media do interior do Ceara. Após ter sua “carreira” decepada pela morte do pai e pela necessidade de assumir os destinos de sua família, casou-se, estudou, foi professor, e exerceu a advocacia num tempo que bastava conhecer as letras e as leis, mesmo sem um diploma; até que, viu-se traído pela esposa, em 1861, com um sargento de polícia, em sua residência.
O Conselheiro, desiludido, emprenha-se no sertão nordestino e, deste período a primeira prova documental de sua pregação é do estado de Sergipe: “Há seis meses que por todo o centro desta Província e da Província da Bahia, chegado (diz ele) do Ceará, infesta um aventureiro santarrão que se apelida por Antonio dos Mares. O que, a vista dos aparentes e mentirosos milagres que dizem ter ele feito, tem dado lugar a que o povo o trate por S. Antônio dos Mares. Esse misterioso personagem, trajando uma enorme camisa azul que lhe serve de hábito a forma do de sacerdote, pessimamente suja, cabelos mui espessos e sebosos entre os quais se vê claramente uma espantosa multidão de bichos (piolhos). Distingue-se pelo ar misterioso, olhos baços, tez desbotada e de pés nus” (O Rabudo, 22/11/1874). Assim, no ano de 1874 o Conselheiro era já um pregador e penitente conhecido e transitava no eixo onde se tornaria polemicamente famoso, fazendo desencadear a Guerra de Canudos a causa da ocupação da homônima fazenda, às margens do rio Vaza-barris, e de sua resistência às novidades advindas naquele final de século: a separação Igreja-Estado, o censo – entendido por ele como a preparação para a retomada da escravidão negra e afrodescendente –, o fim do sistema monárquico e da adoção de uma nova moeda e do sistema de pesos e medidas. Oriundo e transitando no fim de mundo daquela época, diante de tanta inovação, o Conselheiro, não só oferecia resistência mas, encontrava em suas pregações um publico disposto a fundar um novo mundo tendo como base as razões fraternas da fé e a oposição às possíveis ameaças da República.
Assim sendo, naquele final de século, o Conselheiro pregava o fim do mundo que, na verdade, acabaria após a quarta expedição militar do governo republicano dos militares, dos marechais alagoanos Deodoro e Floriano. O que não entende ainda muito claramente é se o místico tinha realmente a convicção de que o anticristo – que ele identificava com a Republica – destruiria o mundo todo ou tão somente aquele pedaço de mundo, para ele, o seu mundo. Do romance de Llosa fica somente uma pista: a de um homem simples, austero, coerente, de grande fé, com uma vocação sacerdotal meio-frustada e com um séquito de gente convertida disposta a retomar alguns hábitos do passado, a condição de defender quem lhes dera uma nova vida. O romance termina tendendo a defender a causa mortis do Conselheiro, como de morte morrida, de disenteria e não como consequência de ferida de bala. Era a glorificação do místico, em detrimento da gloriosa vitória do Exército brasileiro, capaz de atacar com canhões, de tratar como criminais, como ladrões; indistintamente, jovens e velhos, trabalhadores e desocupados. E o romance termina assim: demonstrando a convicção de que Deus poupara os justos da crueldade humana, levando em seus braços o Conselheiro e guiando pro céu um seguidor arrependido, que até o fim, vivera como um justo. Foi pro céu de Llosa, vivo.

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