09 marzo, 2013

«De anima», de Atistoteles



I parte: Do escopo do tratado

"Expositio et quaestiones" in Aristoteles De Anima by Johannes Buridanus, 1362?.
O objeto do tratado é a psykhê, aquilo que diferencia um ser animado de um ser inanimado[1], termo que se traduz por alma, na falta de expressão melhor. Aristóteles inova, incluindo nesta classe as plantas, por entender que a nutrição por si mesma está na base de todas as demais manifestações de vida[2]. Segundo ele, para os seres vivos, ser é viver; e o viver subsiste em todos de acordo com a alma nutritiva[3].
«[cujas] funções são o gerar e o servir-se de alimento. Pois, para os que vivem [...], o mais natural dos atos é produzir outro ser igual a si mesmo; o animal, um animal, a planta, urna planta, a fim de que participem do eterno e do divino como podem»[4].
O escopo do tratado é examinar e encaminhar a solução de três ordens de problemas: o do gênero e o da unidade da alma, como o de sua definição[5]. O primeiro gira em torno de questões como: que gênero de coisa é este princípio de vida que designamos alma? Seria urna substância, no sentido de algo de natureza material, extensa, ocupando lugar no espaço, como pretendiam alguns pré-socráticos? Ou, como sustentavam outros, seria a alma algo abstrato, relacionado às quantidades envolvidas em seus componentes materiais? Ou, quem sabe, urna espécie de alteração sofrida no todo natural, tal como urna mudança de qualidade, decorrente da forma como as partes materiais são combinadas? Ou, como parece querer mostrar Aristóteles, nenhuma das alternativas anteriores?
Urna segunda ordem de problemas concerne à unidade da alma: «é preciso examinar também se ela é divisível! em partes ou não, e se toda e qualquer alma é de mesma forma»[6]. Aristóteles sugere que o problema não é simples e, de fato, não é fácil dar-se conta do que exatamente está em jogo. A alma, por um lado, garante a coesão das partes materiais que compõem o ser vivo e determina suas proporções[7], do contrário seus elementos físicos não se manteriam agregados e sob certos limites.
«Alguns dizem ainda que a alma é partível, e que uma parte é o pensar, outra o ter apetite. Pois bem, o que mantém afinal a alma junta, se ela é por natureza partível? Certamente não é o corpo. Ao contrário, parece mais que é a alma que mantém junto o corpo, pois, quando ela o abandona, ele se dissipa e corrompe»[8].
E a alma exibe também um tipo de homogeneidade, no sentido de estar toda ela em cada parte do corpo, sendo possível em certa medida secionar partes do ser vivo sem diminuir-lhes a vitalidade como um todo[9]. Contudo, o viver se diz de fato em vários sentidos, pois dizemos que um ser vive caso tenha ao menos um dos seguintes atributos: nutrição, percepção, locomoção e intelecção[10], o que sugere que a alma talvez seja algo complexo. É possível que a alma tenha partes logicamente distinguíveis, sem que tenha o tipo de divisibilidade dos objetos extensos, não sendo talvez apropriado falar de partes da alma sediadas em partes específicas do corpo, como o fez Platão.
Aristóteles parece preferir falar em potências antes que em partes da alma[11]. Os atributos da alma são capacidades e diversas modalidades: umas intermitentes e intencionais, e outras simplesmente contínuas. De maneira que a psicologia tem de encontrar uma definição de alma que escape ainda de certos dilemas (lógicos e epistemológicos), legados por filósofos anteriores a Aristóteles sobre o status da potencialidade.
Que gênero de coisa pode dar conta de garantir a unidade do ser e, ao mesmo tempo, comandar a variedade de tais atributos ? Eis a terceira ordem de problemas: os da definição. Há um único enunciado definidor de alma? Ou diversos, e um para cada espécie? A propósito, toda e qualquer alma é do mesmo gênero? A boa definição, de qualquer modo, é aquela que deixa claro o porquê das propriedades do que define[12]. E o desafio da psicologia, em uma palavra, é enunciar o que é a alma e mostrar, a partir disso, como todas estas dificuldades encontram solução.

II parte: Do argumento principal

Aristóteles, em todo o primeiro livro, levanta pacientemente objeções cabíveis a cada urna das teses antigas que lhe parecem não dar conta da tarefa. Refuta severamente os que, com base na convicção de que só o que se move pode fazer algo se mover, de uma maneira ou de outra, definem a alma simplesmente como algo em movimento. Por mais que se esmerem em concebê-la de forma sutil e incorpórea, todas as tentativas anteriores estavam comprometidas com o materialismo. Por isso diz:
«Na opinião de alguns, é simplesmente a natureza do fogo que causa a nutrição e o crescimento, pois só o fogo, dentre os corpos, ou [os elementos] revela-se nutrido e crescente. E por isso alguém poderia supor que é também o fogo que opera nas plantas e nos animais. De certa maneira, ele é um causador coadjuvante, mas não o causador simplesmente, o qual é antes a alma. Pois o crescimento do fogo é em direção ao ilimitado e até o ponto em que existir o combustível, mas em tudo o que é constituído por natureza há um limite e uma proporção para o tamanho e para o crescimento, e essas são coisas da alma e não do fogo, e da determinação mais do que da matéria»[13].
Há, por outro lado, aqueles que abstraem demais a ponto de tratarem a alma matematicamente, independente de seu poder de movimento. Para Aristóteles, contudo, os seres naturais são «menos separáveis» que entidades matemáticas. Causar movimento não é atributo da harmonia e é isso o que principalmente se atribui a alma[14]. Se a alma fosse simplesmente uma característica emergente do corpo, então ela seria algo derivado, posterior e ontologicamente subordinado a ele. Mas, segundo Aristóteles, a alma é principio e comanda a ordenação progressiva de suas partes, ela é substância, não qualidade.
«A alma é causa e principio do corpo que vive. Mas estas coisas se dizem de muitos modos, e alma é similarmente causa conforme três dos modos definidos, pois a alma é de onde e em vista de que parte este movimento, sendo ainda causa como substância dos corpos animados. Ora, que é causa como substância, é claro. Pois, para todas as coisas, a causa de ser é a substância, e o ser para os que vivem é o viver, e disto a alma é causa e principio»[15].
O avanço de Aristóteles em De Anima consiste em mostrar que a alma é principio de movimento , mas que não pode ser algo em movimento. Sua inovação foi admitir que a alma é um principio parado embora atuante nos processos de mudança denotando vida. Sua solução, de fato, é a não imediatamente clara tese da alma como «a primeira atualidade do corpo natural orgânico»[16].


[1] Cf. DA 412a16.
[2] Cf. DA 4144b34.
[3] Cf. DA 415a23-4.
[4] DA 415a25-b1.
[5] Cf. DA 402a23-b8.
[6] DA 402b2.
[7] Cf. DA 415a23-4.
[8] DA 411b5-9.
[9] Cf. DA 413bl6-24.
[10] Cf. DA 413a22-5.
[11] Cf. DA 414a29.
[12] Cf. DA 402bl6-403a2.
[13] DA 416a9-18.
[14] Cf. DA 407B34.
[15] DA 415b7-14.
[16] Cf. DA 412b5-6.

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