INTRODUÇÃO
A Igreja era presente nas primeiras caravelas que partiram da pátria
lusitana em busca de novas terras nas quais pudesse expandir o poderio
português. Essa presença não se deu por acaso; é fruto de um longo processo
passível de cronometragem, capaz de conduzir-nos aos primeiros anos da era
cristã, época na qual a religião católica sai das catacumbas, da
clandestinidade. Com o Edito de Milão (313 d.C.) o imperador Constantino dá
liberdade de culto a todas as religiões, em especial ao cristianismo. Com o
imperador Teodósio, a fins do IV século, o cristianismo é declarado religião
oficial do Estado. Dá-se a fusão entre Igreja e Estado, uma assimilação mútua
de elementos. No ápice dessa fusão está a coroação de Carlos Magno (25/12/800),
dando origem ao Sacro Romano Império.
Na idade média encontraremos muitas ocasiões de choque
entre a Igreja e o Estado; como a questão das Investiduras, que perdurará até o
século XIII.
O século XVI será portador de duas grandes novidades: a
descoberta e colonização da América, e o advento do protestantismo. Muitas
nações, especialmente anglo-germânicas, adotá-lo-ão como religião oficial, como
é o caso do Anglicanismo na Inglaterra e do Luteranismo na Alemanha. Por outro
lado, em Portugal e Espanha, o Catolicismo continuará sendo a religião oficial
e gozará de muitos privilégios e benefícios por meio do sistema de Padroado.
Neste sentido, o Padroado
originar-se-á como uma instituição destinada a favorecer a propagação do
cristianismo nas terras tomadas dos mouros pela "Reconquista"[1].
Posteriormente, sucessivas bulas pontifícias, sobretudo as bulas Sane
Charissimus (1418), Cum Charissimus (1419) e Etsi Suscepit
(1442), concentraram esse direito nas mãos da Coroa de Portugal e
estenderam-no, em função da expansão marítima, às colônias portuguesas na
África, na Ásia e na América[2].
Porém, foi Calisto III, pela bula Inter Coetera de 13/03/1456, que
concedeu jurisdição espiritual nas conquistas portuguesas. Pelo padroado, cabia
à Coroa a edificação dos templos e a manutenção do culto nesses territórios.
Por outro lado, o rei passava a indicar à Santa Sé os candidatos ao episcopado,
a criar novas dioceses e paróquias e, a arrecadar o dízimo, o mais importante
tributo da época, que se transformava em renda do tesouro real.
Percebia-se,
paulatinamente, que o fato de a Igreja no Brasil depender do rei de Portugal
gerava uma lentidão muito grande à hora de responder às necessidades, como era,
por exemplo, a ereção de novas paróquias[3].
Tais circunstâncias, agravadas pelas longas ausências dos bispos e somadas à
presença de índios e africanos, com diferentes tradições religiosas, sugerem os
limites do processo de evangelização na colônia, sendo motivo de questionamento
sobre a dependência da Igreja no Brasil à Coroa Portuguesa.
Com a subida ao trono de Portugal por
D. José I em 1750, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), Marquês de
Pombal, tornou-se primeiro-ministro do reino. Até 1777, ano da morte do
monarca, Pombal conduziu uma série de reformas que afetaram de maneira decisiva
a sociedade portuguesa e o mundo colonial, como o caso da expulsão dos jesuítas
de Portugal e das colônias portuguesas.
Enquanto isso crescia no Brasil
uma Igreja com um episcopado pouco coeso e diminuto em seus afazeres, pobre em
clero; com uma religiosidade sincrética por conta, entre muitos outros fatores,
da miscigenação, com uma infinidade de irmandades e confrarias, sem uma clara
identidade eclesial.
A Igreja que chegou-nos na nau
portuguesa fincou raízes e cresceu recebendo o influxo de uma realidade sui
generis, assumindo peculiaridades da historia e da gente da terra,
cristianizando aspectos dessa realidade. No decorrer da história brasileira
encontramos diversos momentos na relação Igreja-Estado, tudo porem,
corroborando para o re-conhecimento de suas especificidades e de sua autonomia.
Na presente exposição apresentaremos um desses momentos. Abordaremos, durante a
chamada Primeira República, a figura do Cardeal Leme e o seu plano para
recuperar os espaços perdidos pela Igreja com a Proclamação da República (1889)
e com a Constituição de 1891. Os dois capítulos que compõem a presente
exposição virão precedidos por uma introdução e enfeixados por uma conclusão. O
presente trabalho conta ainda com uma apresentação dos fatos mundiais e brasileiros,
de 1889 a 1942, ano da morte do Cardeal Leme, com a finalidade de iluminar a
compreensão do tema abordado. No concernente ao “contexto histórico”,
remetemo-nos ao CD “Brasil História”[4].
CONTEXTO HISTÓRICO
1889
Proclamação da República do Brasil.
1890
Convoca e instala a Constituinte.
1891
Encíclica “Rerum Novarum”.
Promulgada a Constituição do Brasil. Eleição e renúncia
do Marechal Deodoro da Fonseca para Presidência da República.
1902
Aprovada a lei de ampliação dos poderes do presidente da
República.
1903
Morte do Papa Leão XIII. O Cardeal Giuseppe Sarto é
eleito Papa (Pio X).
1907
Encíclica “Pascendi”.
1914
Inglaterra declara guerra à Alemanha.
1917
Começa a revolução bolchevique.
1919
Criação do fascismo na Itália. Fundação do Partido Nazista
na Alemanha.
1920
Entra em vigor o Tratado de Versalhes. Gandhi começa a
campanha de desobediência civil na Índia.
1922
Mussolini chega ao poder. Morte de Benedito XV. Pio XI
papa.
Realização da “Semana de Arte Moderna” em São Paulo.
Sublevação do Forte de Copacabana e da Escola Militar.
1923
Lênin deixa o poder na URSS. Stálin assume o controle do
PCUS.
1924
Movimento revolucionário em São Paulo e início da Coluna
Prestes.
1926
Posse de Washington Luiz na Presidência da República.
Revolta contra a posse de Washington Luiz no Rio Grande do Sul.
1929
Tratado de Latrão, Criação do Estado do Vaticano.
1930
Washington Luiz é deposto da presidência, partindo para
o exterior. Getúlio Vargas toma o poder.
1931
Aliança entre Hitler e os nacionalistas na Alemanha.
1932
Início da Revolução Constitucionalista em São Paulo.
1933
Hitler torna-se Primeiro ministro alemão.
Eleições para formação da Assembléia Nacional
Constituinte.
1934
Hitler e Mussolini se encontram em Veneza.
Promulga a nova Constituição Federal do Brasil. Getúlio
Vargas eleito, pelo Congresso, presidente Constitucional para um mandato de
quatro anos.
1935
Fundada a Aliança Nacional Libertadora. Comício da ANL
em Petrópolis, ocorrendo conflitos com os integralistas de Plínio Salgado.
Vargas ordena o fechamento da ANL.
1936
Frente Popular vence eleições na Espanha. Franco dá
início à guerra civil.
1937
Instalação do Estado Novo. Fechada a Ação Integralista
Brasileira.
1938
Leis anti-semitas na Itália.
Prisão de integralistas em vários pontos do país. Tentativa
de rebelião integralista contra o governo.
1939
Começa a 2ª Guerra Mundial.
1940
Getúlio pronuncia discurso contendo elogios ao fascismo.
Vargas explica que seu discurso não representa um afastamento dos EUA.
1941
Itália e Alemanha declaram guerra aos Estados Unidos.
1942
Passeata promovida pela UNE, contra o nazi-facismo.
Governo brasileiro reconhece “estado de guerra” contra a Alemanha e Itália.
Morte do Cardeal Sebastião Leme.
I – A INSTITUIÇÃO REPUBLICANA NO BRASIL
Normalmente, quando se fala da República, as pessoas
arrolam entre suas virtudes a separação entre a Igreja e o Estado, com o fim do
Padroado. No entanto, é difícil dizer que este ponto de vista tivesse grande
aceitação antes de 1920 e que a Igreja se adaptou com facilidade a esse seu
novo estatuto. Ela terá que não só aprender a viver com essa nova realidade
autonômica; terá que defender seu espaço em um país onde a quase totalidade da
população se declara católica. Será, dessa vez, uma batalha contra os contra-valores
de um Estado laicizado.
A República de fato foi um forte golpe aplicado à Igreja. As elites
cultas, influenciadas pelo liberalismo e pelo positivismo, empenharam-se a
fundo em limitar os poderes temporais da instituição. Foi à custa de várias
concessões e acomodações, porém, que a Constituição de 1891 permitira que a
Igreja continuasse a receber subvenções oficiais a título de ajuda a obras
beneficentes. Da mesma forma, uma árdua batalha diplomática precedeu o
reconhecimento diplomático do regime pelo Vaticano em 1890, a elevação em 1901
de sua representação diplomática no Rio de Janeiro à categoria de nunciatura e,
sobretudo, em 1905 a criação do primeiro cardinalato brasileiro e primeiro
também da América Latina, na pessoa de D. Joaquim Arcoverde, arcebispo do Rio
de Janeiro.
Embora a Igreja não tenha sido
capaz de aproveitar amplamente a liberdade religiosa e institucional que lhe
garantia a Constituição de 1891, no sentido de ampliar sua influência sobre a
sociedade brasileira, o período, todavia correspondeu a grandes avanços e
transformações orgânicas. De 1907 para 1922, passaram de 4 para 13
arquidioceses, atingindo 17 em 1937; as dioceses passaram de 18 para 39 em 1922
e 55 em 1937; os distritos missionários saltaram de 2 em 1907 para 25 em 1937[5].
O contingente de padres aumentou sensivelmente, levantaram-se os empecilhos da
legislação imperial ao desenvolvimento das ordens e congregações religiosas,
incentivaram-se as vocações e a vinda de prelados estrangeiros; tudo isso
criando um clima de acentuado otimismo durante os últimos anos da República
Velha.
Depois da separação entre Igreja e
Estado, depois da proclamação da República, era na classe média que a Igreja no
Brasil encontrava os recursos e os quadros de que necessitava para o
reerguimento organizacional e o crescimento de sua influência religiosa e
política no país. Descrevendo a vida do então vocacionado ao sacerdócio Hélder
Câmara, pode-se perceber a situação em que a Igreja vivia nos inícios da
segunda década do século XX:
«[...] tornou se mais receptivo aos sermões, devoções e atividades
católicas de que a família constantemente participava, e que eram carregados de
uma pregação destinada a despertar a vocação em membros das classes médias
urbanas»[6].
No entanto, talvez mais importante para compreender o
surgimento de um novo animus católico nas décadas de 1920 e 1930 seja a
análise do novo clima intelectual do país e sua ligação com a ascensão de D.
Sebastião Leme da Silveira Cintra ao cardinalato em 1930, sucedendo o Cardeal
Arcoverde.
- DOM LEME
O pastor certo, na hora certa! Essa é
a melhor expressão para definir o importante papel do Cardeal Leme, principal
artífice da reorganização interna da Igreja, visando a recuperação de sua
influência na política estatal e da influência religiosa sobre a população.
Impregnado do anseio de uma civilização de inspiração cristã; uma nova
cristandade; cônscio de que, ainda que meramente decorativo, o Brasil era um
país cristão; põe-se a trabalhar. Ainda bispo, presidindo a cátedra de Olinda e
Recife, escreveu a famosa Carta Pastoral, em 1916, na qual fazia um diagnóstico
do catolicismo da época e da paradoxal situação do Brasil católico:
«Na verdade, os católicos, somos a maioria do Brasil e, no entanto,
católicos não são os princípios e os órgão da nossa política. Não é católica a
lei que nos rege. Da nossa fé prescindem os depositários da autoridade. Leigas
são as nossas escolas, leigo o ensino. Na força armada da República, não se
cuida de religião. Enfim, na engrenagem do Brasil oficial não vemos uma só
manifestação de vida católica»[7].
Para Dom Leme, a maioria católica do
Brasil era passiva, não fazendo valer sua fé na sociedade brasileira, aceitando
o domínio da minoria que controlava o país. Segundo o seu diagnóstico, a causa
desta situação era a falta de instrução religiosa, esta seria a base na qual
concretizaria seu grandioso sonho de pastor: mudar a ordem estabelecida.
Começará estimulando as classes dirigentes e intelectuais a assumirem seu papel
como formadores de opinião, sendo ativos na criação de uma ordem nitidamente
cristã, por meio de uma legislação onde fossem reconhecidos os direitos da
Igreja Católica, perdidos em 1891.
Transferido, em 1921, para o Rio de
Janeiro - até então capital do país - na qualidade de coadjutor do Cardeal
Arcoverde, com seu grande talento político ajudará a Igreja a implantar no
Brasil uma ordem política e social de caráter netamente cristã-católica.
Com a morte do Cardeal Arcoverde, em 1930, será feito
Cardeal Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde permanecerá até
1942, quando morre em conseqüência de um enfarto.
Para a Igreja foi muito importante a elevação de D.
Sebastião Leme à condição de cardeal em 1930. O antigo arcebispo de Olinda e
bispo auxiliar do Rio de Janeiro iniciava o período pós-revolucionário na condição
de articulador político mais importante da Igreja. Ele, que durante a década de
1920 havia empenhado o melhor de suas forças na formação da intelligentzia
católica, contava com um razoável contingente capaz de fazer frente ao
anticlericalismo e indiferentismo religioso das elites republicanas.
O tino político do cardeal Leme revelou-se logo após sua
elevação ao cardinalato, ao tentar resgatar perante o Estado algumas das
prerrogativas da Igreja. Ficou conhecido, por exemplo, seu esforço em persuadir
pessoalmente o presidente Washington Luís a renunciar pacificamente. Além
disso, durante o ano de 1931, quando predominava a incerteza no cenário
político, realizou um verdadeiro ‘golpe de mestre’, mobilizando multidões de
clérigos e fiéis, primeiro em maio, sob a invocação de Nossa Senhora Aparecida,
a padroeira do Brasil e, novamente, em outubro, em homenagem ao Cristo
Redentor, cuja estátua foi inaugurada no topo do Corcovado, no dia do
descobrimento da América[8].
No bojo de manifestações como estas, que evidenciavam o potencial aglutinador
da Igreja, e aos pés do Cristo do Corcovado, cercado por 50 bispos, o cardeal
Leme sentenciou qual seria a condição básica para um acordo com o novo regime:
«ou o Estado reconhece o Deus do povo ou o povo não reconhecerá o Estado»[9].
Em 1935, à semelhança de sua correspondente italiana, é
fundada a Ação Católica Brasileira (ACB) como sucessora de outras organizações
similares, sendo definida como uma organização de leigos participando do
apostolado hierárquico da Igreja fora de qualquer filiação política, «com a
finalidade de estabelecer o reino universal de Jesus Cristo»[10].
Além da experiência dos Círculos Operários - que
fracassou durante o Estado Novo - o único terreno em que a Igreja logrou de
alguma maneira se aproximar das camadas populares foi na educação.
«O acesso constitucionalmente garantido ao sistema de ensino público
lhe permitia desenvolver sua missão sob o manto do Estado, em contraste com o
sistema escolar privado católico, a que apenas os ricos tinham acesso»[11].
Para compreender como se chegou a
esse e outros frutos, devemos conhecer as teias tecidas pelo Cardeal Leme; a
trajetória de vários intelectuais católicos, que bem refletem esta luta da
Igreja por se adaptar aos novos tempos. A intervenção militante dos católicos
na política é como uma decorrência natural desta inquietação.
II – O PROJETO DA “NOVA CRISTANDADE”
O movimento intelectual no Brasil sempre refletiu, no
aspecto cultural, a própria dependência do país em relação aos centros
hegemônicos. No que diz respeito ao pensamento católico não poderia ser
diferente. Neste particular o fato determinante é a posição da Igreja no mundo,
na passagem do século. Trata-se, evidentemente, de uma Igreja na defensiva, que
enfrenta o positivismo, a maçonaria e a expansão do protestantismo como
verdadeiros desafios à sua missão evangélica.
No Brasil, a trajetória de vários intelectuais
católicos, como Carlos de Laet, Pe. Júlio Maria, Jackson de Figueiredo e Alceu
Amoroso Lima, bem refletem esta luta da Igreja por se adaptar aos novos tempos.
Há um texto do Pe. Júlio Maria, que se ordenou sacerdote com mais de 40 anos e
após ter sido doutor em direito, que expressa a ruptura que se procurava fazer
com as ideologias em que estavam mergulhados nossos intelectuais:
«Pensarão que nunca li Darwin, Augusto Comte, Littré e Büchner. Li,
reli-os. Eu também bebi na escola, no livro, no jornal, nesses vasos dourados o
veneno da filosofia [...] Eu também li, aprendi e professei tudo isso; mas eu
caí como São Paulo do meu cavalo, encontrei, depois de um golpe vertiginoso e
louco, o meu caminho de Damasco. Cético, [...] eu bebi no Evangelho o vigor, a
energia, a força que quebra todas as setas dos séculos»[12].
A intervenção militante dos
católicos na política é como uma decorrência natural desta inquietação. O
próprio Pe. Júlio Maria, após a Rerum Novarum (1891), já chegava a
formular esta necessidade. Tratava-se, dizia ele, de
«substituir às questões políticas,
erroneamente predominantes nos governos, nos parlamentos e nos jornais, a
questão social, que é a questão por excelência, porque ela afeta os interesses
fundamentais do homem e da sociedade; não mais pleitear privilégios que já não
têm razão de ser; dar aos partidistas intolerantes dos novos regimes a
persuasão de que já não é prudente nem lícito resistir, no que é justo e
legítimo, à força nova que agita o mundo; mostrar aos pequenos, aos pobres, aos
proletários, que eles foram os primeiros chamados pelo Divino Mestre»[13].
- A LIGA ELEITORAL CATÓLICA E O CENTRO DOM VITAL
Em 1933 o Cardeal Leme idealizou a
Liga Eleitoral Católica (LEC), destinada a mobilizar o eleitorado católico e
endossar, em meio aos candidatos à Constituinte de 1934 e ao Congresso
Nacional, aqueles candidatos que apoiassem o programa mínimo da hierarquia. Segundo
palavras de Alceu Amoroso Lima, a LEC
«teve início em 1933, quando D. Leme me pediu para escrever urnas
Reivindicações Católicas. A Igreja queria estar presente na Constituinte que se
reuniria em 1934 e que representava o início da Segunda República. A Primeira
República havia sido marcada pelo anti-clericalismo, pela separação entre a
Igreja e o Estado. Na Constituição de 1934, introduzimos a colaboração entre a
Igreja e o Estado. Não queríamos nem a união que havia no Império, nem a
separação da primeira fase do século, mas a colaboração [...] A maior força da
LEC consistia em fazer o levantamento e a mobilização do eleitorado e, ao mesmo
tempo, em despertar os católicos para a atuação política. Foi o direito de voto
feminino, conquistado no início da década de 1930, que reconciliou os católicos
com a política. [...] D. Leme conseguiu restabelecer o interesse e a
mobilização pela política»[14].
Reconhecendo a eficácia política do trabalho do cardeal
Leme, na Constituição de 1934 foram inseridas as reivindicações da Igreja:
primeiro, o preâmbulo do novo texto começa com a frase «depositando nossa
confiança em Deus»; segundo, o casamento religioso foi reconhecido pela lei
civil; terceiro, o divórcio foi expressamente proibido; quarto, foi facultada a
educação religiosa em escolas públicas durante o período de aulas; foi
garantida a assistência religiosa às Forças Armadas; finalmente, foi permitido
ao Estado financiar escolas, seminários e hospitais da Igreja e quaisquer
outras atividades e instituições legalmente reconhecidas como de ‘interesse
público’[15].
No entanto, este afã militante se
traduz especialmente no esforço em estar presente no ambiente cultural, como
por exemplo, a idéia de se fundar uma Universidade Católica no Brasil. Ainda
nesse terreno, a mais importante iniciativa foi, sem dúvida, a fundação do
Centro Dom Vital e sua revista A Ordem, no início da década de 1920, por
Jackson de Figueiredo. Jackson conseguiu impor-se ao meio intelectual do Rio
como jornalista e polemista, cuja preocupação fundamental era a ação política
do catolicismo.
«Percebera que a vertente agnoticista que
parecia predominar na intelectualidade brasileira de então se devia a uma perda
de contato da Igreja com as letras e os intelectuais, julgando ser este
divórcio uma das prováveis causas que contribuíram para a anarquia e a
indisciplina intelectual no Brasil»[16].
A Ordem assim traduzia as inquietações do cardeal:
«O movimento da ação católica, para D. Leme, engloba a ação social,
a criação de universidades e tudo mais que sirva à absorção completa,
progressivamente alcançado, do temporal pelo divino»[17].
Este caminho, no entanto, foi
bastante difícil para a Igreja de então. As organizações católicas de base,
como os Círculos Operários, tendiam a refletir as orientações intelectuais
tradicionais do clero e, ao nível das elites esclarecidas, consumiam-se em
polêmicas infindáveis, com vistas a denunciar no comportamento das camadas
dirigentes aquilo que lhes parecia errado, mera expressão do indiferentismo
religioso. Expressando as correntes européias católicas, o projeto do Centro
Dom Vital é o de re-cristianizar as elites, não o povo.
‘A Ordem’, em seu conteúdo, refletia que a Igreja não
estava preparada para juntar-se à facção tenentista da revolução de 30 que
tendia à esquerda e aos setores populares. Quando eclodiu a
Revolução, após a morte de Jackson de Figueiredo em 1927, estava à frente de ‘A
Ordem’ Alceu Amoroso Lima, para quem o principal dever seria encaminhar as
águas da subversão política para o leito do Cristianismo social. No plano
geral, porém,
«apesar do autoritarismo de A Ordem, pode-se dizer que apoiava um
processo de deslegitimização do regime oligárquico dominante»[18].
Também advogava a tomada de algumas medidas iniciais no
sentido da legitimação do governo revolucionário. O clamor por disciplina e por
orientação moral tanto justificava a derrubada do regime anterior como abria a
possibilidade de aceitação condicional de um regime alternativo.
Por fim, percebe-se que, no meio católico, ia sendo
gerado um ambiente favorável ao compromisso da fé, cavalgando rumo o uma forma
de atuação social e política mais comprometida; fazendo o necessário liame
entre fé e vida. Era só o início de um processo que conduzir-nos-á ao Vaticano
II, ao CELAM, às CEB’S; a homens do quilate de Dom Pedro Casaldáliga, Hélder
Câmara, Paulo Evaristo Arns,...
CONCLUSÃO
Em resumo, pode-se dizer que o
período que compreende o pastoreio de Dom Leme corresponde não só ao
reconhecimento de facto da Igreja, mas também como o período no qual ela
consegue sair da defensiva em que foi mantida durante a Primeira República.
Além do mais, corresponde à realização prática, politicamente militante, do
ideário elitista e conservador, gerado nas camadas cultas do catolicismo em
luta contra as ideologias em voga no primeiro período republicano.
Por outro lado, uma vez que o Estado
passou a atender uma série de reivindicações dos católicos e a financiar
substancialmente algumas de suas atividades, como já foi visto anteriormente, a
Igreja tornar-se-ia bastante dependente do poder temporal, e veria algumas de
suas iniciativas perderem o dinamismo inicial, como foi o caso da Liga
Eleitoral Católica e da Ação Católica.
Por outra parte, podemos salientar
que durante sua passagem pela Arquidiocese do Rio de Janeiro (1921-1942), com
todo o seu carisma e habilidade política, Dom Leme conseguiu centralizar e
organizar a atuação do episcopado brasileiro e dos leigos. Depois de sua morte,
assume a cátedra da capital do país Dom Jaime de Barros Câmara. Este último,
tido como carente das habilidades de seu antecessor, fará com que, o episcopado
nacional se torne acéfalo e a atuação eclesiástica sofra um processo de
fragmentação pelas Dioceses, o que diminuirá em muito a capacidade de
influência política da Igreja no Brasil[19].
BIBLIOGRAFIA
A. AMOROSO LIMA, Revista Civilização Brasileira,
nº 6, Rio de Janeiro, 1978.
A. CASTANHO, Presença da Igreja no Brasil,
Jundiaí, 1998.
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época), Vozes, Petrópolis, 1977.
N. PILETTI e W. PRAXEDES, Dom Hélder Câmara,
Ática, São Paulo 1997.
P. J. KRISCHKE, A Igreja e as crises políticas no
Brasil, Petrópolis, Vozes, 1979.
R. DELLA CAVA, Igreja e Estado no Brasil do século
XX, estudos CEBRAP 12, São Paulo, Editora Brasileira de Ciências, 1975.
S. L. de MOURA, A igreja na primeira República,
in: História Geral da Civilização Brasileira, T. III, Vol. 2, São Paulo,
Difel, 1978.
F. DE ALMEIDA, História da Igreja em Portugal, Vol. I, Porto,
1967, P. 146.
L. M. JORDÃO, ed., Bullarium
Patronatus Portugalliae Regnun em Ecclesiis Africae, Asiae atque Oceaniae,,
I (1171-1600), Olisipone, 1868.
A. M. JUNIOR, L. RONCARI e R. MARANHÃO, ed., Brasil História,
Digitalmídia Editora, 1995.
[1] Cf. F DE ALMEIDA, História da Igreja em Portugal, Vol. I,
Porto, 1967, P. 146.
[2] O texto integral de todos os documentos referentes a este período
pode ser consultado em L. M. JORDÃO, ed., Bullarium Patronatus Portugalliae
Regnun em Ecclesiis Africae, Asiae atque Oceaniae,, I (1171-1600),
Olisipone, 1868.
[3] Em 1778 o
bispado de São Paulo, por exemplo, tinha somente 59 paróquias. Cf. CEHILA, História
da Igreja no Brasil (segunda época), Vozes, Petrópolis, 1977, p. 286.
[4] Cf. A. M.
JUNIOR, L. RONCARI e R. MARANHÃO, ed., Brasil História, Digitalmídia
Editora, 1995.
[5] P. J. KRISCHKE, A Igreja e as crises políticas no Brasil,
Petrópolis, Vozes, 1979, p. 134.
[6] N. PILETTI e W. PRAXEDES, Dom Hélder Câmara, Ática,
São Paulo 1997, p. 43.
[7] N. PILETTI e W. PRAXEDES, Dom Helder..., p. 62.
[8] Cf. R. DELLA CAVA, Igreja e Estado no Brasil do século XX,
Estudos CEBRAP 12, São Paulo, Editora Brasileira de Ciências, 1975, p.14.
[9] R. DELLA CAVA, Igreja e Estado no Brasil do século XX..., p.
14.
[10] Ibid, p. 16.
[11] Ibid, p. 20.
[12] Cit. por S. L. de MOURA, A igreja na primeira República, em:
História Geral da Civilização Brasileira, T. III, Vol. 2, São Paulo, Difel,
1978, p. 335.
[13] S. L. de MOURA, A igreja na primeira República, in:
História Geral da..., p. 336.
[14] A. AMOROSO LIMA, Revista Civilização Brasileira, nº 6, Rio
de Janeiro, 1978, pp. 209s.
[15] Cf. A .CASTANHO, Presença da Igreja no Brasil, Jundiaí,
1998, p. 45.
[16] Ibid., p. 338.
[17] P. J. KRISCHKE, A Igreja e as crises..., p. 136.
[18] P. J. KRISCHKE, A Igreja e as crises..., P. 139.
[19] Cf. N. PILETTI e W. PRAXEDES, Dom Hélder Câmara, Ática, São
Paulo 1997, p. 159.
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