01 settembre, 2013

Genealogy, sociologia da família, genealogia, modos, nordeste


ENTRANHAS
Modos de identificação das gerações no
 Baixo São Francisco, no Nordeste brasileiro

   

O tradicionalismo e a patrilinearidade marcam os ritos de identificação pessoal nesta região brasileira, principalmente, se de origens humildes. Já João Cabral de Melo Neto, grande poeta pernambucano, em seu “Morte e Vida severina”, de 1955, grande hino à vida, perspicaz constatação que delimitam os mundos escondidos dentro do nordeste – o sertão, a zona da mata, o litoral –, soube magistralmente versar o anonimato de quem deixa seu torrão natal, buscando uma vida vivível, um futuro possível, sonhos realizáveis.


Morte e Vida Severina é aberto – pois aqui é o que nos interessa – com o personagem principal, buscando identificação dentro do anonimato fatal, característico da vida retirante. E se identifica assim: “— O meu nome é Severino, /como não tenho outro de pia. /Como há muitos Severinos, /que é santo de romaria, /deram então de me chamar /Severino de Maria /como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, /fiquei sendo o da Maria /do finado Zacarias. /Mais isso ainda diz pouco: /há muitos na freguesia, /por causa de um coronel /que se chamou Zacarias /e que foi o mais antigo /senhor desta sesmaria. /Como então dizer quem falo /ora a Vossas Senhorias? /Vejamos: é o Severino /da Maria do Zacarias, /lá da serra da Costela, /limites da Paraíba. /Mas isso ainda diz pouco: /se ao menos mais cinco havia /com nome de Severino /filhos de tantas Marias /mulheres de outros tantos, /já finados, Zacarias, /vivendo na mesma serra /magra e ossuda em que eu vivia (De quando o retirante explica ao leitor quem é e a que vai).

Tomemos como caso a jovem musicista do grupo de choro Brasileirissimo, a "feicibuqueira" Maiume Vieira, antes contrair casamento, Maiume almeida Santos. Mesmo não tendo um nome que possa ser julgado comum, a jovem em questão, retirante baiana aterrada no litoral sergipano bem que mercê, em meio ao torrão natal de seus ancestrais paternos, uma melhor e mais pontual identificação; glorificando, assim, seus nome e sua futura procissão.

Maiume Vieira – pois casada com Ricardo Vieira –, filha de Marilene Almeida e Francisco Carlos – vulgo Nego, Chico – que é filho de Maria da Pureza Rocha e Carlos Rodrigues. Por este viés não encontraremos senão que um subseguir de nomes, igualmente anônimos, dentro do cordão de sua ancestralidade. Resta, assim buscar a glória da ancestralidade naquele torrão onde bem se conhece sua linha de sucessão; o Cedro de Darcilena, o Cedro de São João, pedaço de terra encravado no nordeste brasileiro, espremido entre o mar e o sertão, circundado pelo Salomé, quase lambido pelo Velho Chico; quase!

Se alguém “daquelas terras” interrogasse então, sobre as origens da reveladora cantora, dir-se-ia algo como:

– Ó homem/ ó mulher, não conheces essa menina?

E responder-lhe-ia, a depender se o inquisidor fosse ligado à genealogia patrilinear ou matrilinear da jovem mulher nestes termos:

– É a filha de:

1) Marilene de Chico ( onde o marido empresta a notoriedade à esposa, pois esta não nascera nas terras banhadas pelo Salomé),

2) Chico de Purezinha,

3) Chico de Purezinha de Carlinhos,

E poderia ser que a partir dai a identificação exigisse maior esforço de memória, maior conhecimento genealógico e inclusive geográfico. Não sendo um conhecedor da geografia do Cedro, ater-se-ía às raízes familiares. A jovem passaria a ser reconhecida somente se apresentada suas profundas raízes cedrenses.

Assim, supondo que o inquisidor ou inquiridora tenha uma venerável idade, ilumina-se sua mente dizendo que a jovem em questão é neta de:

3) Carlinhos de Nísio (Dionisio),

4) Carlinhos de Guiomar,

5) Carlinhos de Guiomar de Nísio.

Ou então:

6) Purezinha de 'João do pó' (pó de arroz, entendamos-nos!),

7) Purezinha de Hozana (sic.),

8) Purezinha de Hozana de João do Pó.

Mas, se o especulação é de um centenário, lá vai o 'kit de identificação' dessa neta de,

9) Carlinhos de Guiomar de Cajuzinha,

10) Carlinhos de Guiomar de Domitila de Cajuzinha,

11) Carlinhos de Nísio de 'Zé Tiodoro'',

12) Carlinhos de Nísio de Tonha de 'Zé Tiodoro',

13) Purezinha de Hozana de Docilina,

14) Purezinha de Hozana de 'João do Pó' de 'Mané' Ventura,... E não pararia por aqui!

Se nas cidades somos um número, dentro os inúmeros migrantes provindos de outras terras, outros “sertões”, ali, naquelas terras renomeadas em adulação à senhora Darcilena, a jovem é filha de, neta de, parente de,... é a continuidade de um viés, de um cordão generacional que nega ao Severino, de Melo Neto, esta triste constatação: “Eu também, antigamente, /fui do subúrbio dos indigentes, /e uma coisa notei /que jamais entenderei: /essa gente do Sertão /que desce para o litoral, sem razão, /fica vivendo no meio da lama, /comendo os siris que apanha /pois bem: quando sua morte chega, /temos que enterrá-los em terra seca” (João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida severina, 27).

Mas, se o especulador ficar meio-zonzo com tanta informação, sente-se com ele diante do computador, da televisão; acenda o aparelho e diga simplesmente:

é essa menina qui! Uma “belezura”, Nossa parente!

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