O tradicionalismo e a patrilinearidade marcam os ritos de identificação
pessoal nesta região brasileira, principalmente, se de origens humildes. Já João
Cabral de Melo Neto, grande poeta pernambucano, em seu “Morte e Vida severina”, de 1955, grande
hino à vida, perspicaz constatação que delimitam os mundos escondidos dentro do
nordeste – o sertão, a zona da mata, o litoral –, soube magistralmente versar o
anonimato de quem deixa seu torrão natal, buscando uma vida vivível, um futuro possível,
sonhos realizáveis.
Morte
e Vida Severina é aberto – pois aqui é o que
nos interessa – com o personagem principal, buscando identificação dentro do
anonimato fatal, característico da vida retirante. E se identifica assim: “— O
meu nome é Severino, /como não tenho outro de pia. /Como
há muitos Severinos, /que é santo de romaria, /deram então de me
chamar /Severino de Maria /como há muitos Severinos com
mães chamadas Maria, /fiquei sendo o da Maria /do
finado Zacarias. /Mais isso ainda diz pouco: /há
muitos na freguesia, /por causa de um coronel /que
se chamou Zacarias /e que foi o mais antigo /senhor
desta sesmaria. /Como então dizer quem falo /ora
a Vossas Senhorias? /Vejamos: é o Severino /da
Maria do Zacarias, /lá da serra da Costela, /limites
da Paraíba. /Mas isso ainda diz pouco: /se
ao menos mais cinco havia /com nome de Severino /filhos
de tantas Marias /mulheres de outros tantos, /já
finados, Zacarias, /vivendo na mesma serra /magra
e ossuda em que eu vivia (De
quando o retirante explica ao leitor quem é e a que vai).
Tomemos como caso a jovem musicista
do grupo de choro Brasileirissimo, a
"feicibuqueira" Maiume Vieira, antes contrair casamento, Maiume
almeida Santos. Mesmo não tendo um nome que possa ser julgado comum, a jovem em
questão, retirante baiana aterrada no litoral sergipano bem que mercê, em meio
ao torrão natal de seus ancestrais paternos, uma melhor e mais pontual identificação;
glorificando, assim, seus nome e sua futura procissão.
Maiume Vieira – pois casada com
Ricardo Vieira –, filha de Marilene Almeida e Francisco Carlos – vulgo Nego,
Chico – que é filho de Maria da Pureza Rocha e Carlos Rodrigues. Por este viés não
encontraremos senão que um subseguir de nomes, igualmente anônimos, dentro do cordão
de sua ancestralidade. Resta, assim buscar a glória da ancestralidade naquele torrão
onde bem se conhece sua linha de sucessão; o Cedro de Darcilena, o Cedro de São
João, pedaço de terra encravado no nordeste brasileiro, espremido entre o mar e
o sertão, circundado pelo Salomé, quase lambido pelo Velho Chico; quase!
Se alguém “daquelas terras”
interrogasse então, sobre as origens da reveladora cantora, dir-se-ia algo
como:
– Ó homem/ ó mulher, não conheces
essa menina?
E responder-lhe-ia, a depender se o
inquisidor fosse ligado à genealogia patrilinear
ou matrilinear da jovem mulher nestes termos:
– É a filha de:
1) Marilene de Chico ( onde o marido
empresta a notoriedade à esposa, pois esta não nascera nas terras banhadas pelo
Salomé),
2) Chico de Purezinha,
3) Chico de Purezinha de Carlinhos,
E poderia ser que a partir dai a
identificação exigisse maior esforço de memória, maior conhecimento genealógico
e inclusive geográfico. Não sendo um conhecedor da geografia do Cedro, ater-se-ía
às raízes familiares. A jovem passaria a ser reconhecida somente se apresentada
suas profundas raízes cedrenses.
Assim, supondo que o inquisidor ou
inquiridora tenha uma venerável idade, ilumina-se sua mente dizendo que a jovem
em questão é neta de:
3) Carlinhos de Nísio (Dionisio),
4) Carlinhos de Guiomar,
5) Carlinhos de Guiomar de Nísio.
Ou então:
6) Purezinha de 'João do pó' (pó de
arroz, entendamos-nos!),
7) Purezinha de Hozana (sic.),
8) Purezinha de Hozana de João do
Pó.
Mas, se o especulação é de um
centenário, lá vai o 'kit de identificação' dessa neta de,
9) Carlinhos de Guiomar de
Cajuzinha,
10) Carlinhos de Guiomar de Domitila
de Cajuzinha,
11) Carlinhos de Nísio de 'Zé
Tiodoro'',
12) Carlinhos de Nísio de Tonha de
'Zé Tiodoro',
13) Purezinha de Hozana de Docilina,
14) Purezinha de Hozana de 'João do
Pó' de 'Mané' Ventura,... E não pararia por aqui!
Se nas cidades somos um número,
dentro os inúmeros migrantes provindos de outras terras, outros “sertões”, ali,
naquelas terras renomeadas em adulação à senhora Darcilena, a jovem é filha de,
neta de, parente de,... é a continuidade de um viés, de um cordão generacional que nega ao Severino, de
Melo Neto, esta triste constatação: “Eu
também, antigamente, /fui do
subúrbio dos indigentes, /e uma
coisa notei /que jamais
entenderei: /essa gente do
Sertão /que desce para o
litoral, sem razão, /fica
vivendo no meio da lama, /comendo
os siris que apanha /pois bem:
quando sua morte chega, /temos
que enterrá-los em terra seca” (João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida severina, 27).
Mas, se o especulador ficar
meio-zonzo com tanta informação, sente-se com ele diante do computador, da
televisão; acenda o aparelho e diga simplesmente:
– é
essa menina qui! Uma “belezura”, Nossa parente!
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