Por detrás de uma minoria numérica de negros que povoam o
país, esconde-se um número muito maior de afro-brasileiros, mulatos, que como
outrora, vivem em condições de vida que os limitam na ora de desenvolver suas
potencialidades. Assim, optamos por aprofundar a questão do negro, e dos seus
descendentes, no Brasil. Depois de uma busca bibliográfica, deparamo-nos com
Gilberto Freyre[1], e
com a sua trilogia – CG&S, SeM, OeP
–, uma introdução à história
da família patriarcal no Brasil[2].
Consultando-as decidimos utilizá-las por duas razões: primeiro, porque muitas
das fontes por nós consultadas remetiam-nos à obra freyriana – mesmo quando era
para rebater as posições por ele defendidas –, e, depois, porque as pesquisas
etnográficas e históricas freyrianas pareciam oferecer-nos os pressupostos para
a reconstrução da questão negro-escravocrata do Brasil. Por fim, devemos
reconhecer que a leitura de sua obra é fascinante, de linguagem acessível, e,
mesmo sendo transregional na impostação, dá ênfase à realidade nordestina e
canavieira brasileira, que nós também conhecemos de perto, pois pudemos
conviver por dez anos. Em visita à Casa-Museu Madalena e Gilberto Freyre,
pudemos travar um diálogo com a prole do Sociólogo, enriquecendo, ainda mais, a
nossa bagagem documental com os testemunhos recolhidos deles, e das inúmeras
viagens etnográficas de Gilberto pelas ex-colônias portuguesas da África.
Partindo da perspectiva na qual Freyre desenvolve a sua
História da sociedade patriarcal no Brasil – perspectiva do senhor colonizador
–, tentamos reconstruir a vida do negro escravo, e, depois, dos negros forros e
da sua descendência. Desses trabalhos freyrianos nasceu-nos a idéia de fazer um
estudo analítico-histórico do processo de integração do negro na sociedade
brasileira na prospectiva das fobias e filias que animaram o processo de
integração, amizades e temores que ainda nutrem as relações entre os negros,
seus descendentes, e o restante da população brasileira. Para melhor ajudar uma
reconstituição histórica, criamos dois anexos – uma cronologia e um álbum
relativos à questão escravocrata –, que dão uma visão mais precisa e
plasticamente representativa dos fatos que se vêem descritos.
A dissertação foi dividida em três partes, que seguem
progressivamente, uma ordem histórica: a primeira, na qual analisamos a
situação do negro no mundo colonial português, pressuposto para a compreensão
das condições nas quais eles vieram inseridos na Nova Colônia. Nesta parte,
inserimos uma exposição das relações dos colonos portugueses com o nativo
brasileiro e com os outros europeus, condição para entender como o negro
envolveu-se, também, com os mesmos. Na segunda parte, a análise foi centrada na situação do negro em regime de
escravidão, do começo do sistema patriarcal e monocultor açucareiro, até a sua
decadência, no fim do século dezenove. Na terceira e última parte, retrocedemos historicamente para resgatar a
figura do negro forro e de seus descendentes, os mulatos – no texto, usamos
indistintamente as palavras mestiço e mulatos, sempre as remetendo ao resultado
do intercurso sexual do negro com o branco –, para reconstruir as etapas do seu
processo de integração na sociedade brasileira: sua assunção e ascensão. Esta última parte vem conclusa com os
recolhimentos das negrofobias e das negrofilias da sociedade democrática, da
proclamação da República aos nossos dias; sempre, em forma sintética, com
finalidade exclusivamente ilustrativa, nunca, exaustiva. Por fim, enfeixamos a
dissertação com uma conclusão, onde acenamos à validade e a relatividade da teoria
da democracia racial e social no Brasil, razão da existência de negrofobias e
negrofilias no Brasil e nos brasileiros. Para melhor compreensão, sobretudo,
das notas ao pé de página e das referências bibliográficas, pusemos um índice
de siglas e abreviaturas.
Diferentemente da trilogia, as outras obras freyrianas,
sobretudo, as mais recentes, apresentam uma melhor explicitação da relatividade
de sua teoria da democracia racial; mas, por motivos de prioridade histórica e
de ordem espacial, privamo-nos de citá-las no texto. Ainda, quando citamos
diretamente as suas obras, buscamos conservar a sua estrutura gramatical
original, mesmo quando carecia de pontuação, bem como, conservamos as citações
de textos em português mais arcaico e textos citados em outras línguas.
Enfim, por não comprometer a compreensão global do texto,
conservamos alguma citação sua, que faz referência a textos por ele utilizados,
mas desprovida de um referimento bibliográfico completo. Nestes casos,
confiamos na seriedade e fidelidade do autor na hora de citar as suas fontes.
Capítulo I
A situação do negro no mundo do português e no mundo que o português criou
Espremidos, de um lado, pelo mar e, por outro, pelos
espanhóis, os portugueses sempre estiveram em situação que os conduzia à
aventura; aventura no mar, nas terras distantes e, porque não começar já
dizendo, aventura em outras carnes, diversas daquelas escassas, e desde sempre
híbridas, do povo lusitano[3].
O mundo do português era um convite para o além fronteiras; fronteira de terra
e de raça; era um mundo chamado a explorar e a dar-se a conhecer; um mundo
comunicante, comunicativo e aventureiro[4]:
a escassez de gente e de terra exigia que fosse assim[5].
O português aprendeu a ser um povo liberal, inclusive, na sua
vida sexual; e o foi também por necessidade. Freyre insiste, por exemplo, que a
liberalidade para com o estrangeiro na América portuguesa do século dezesseis,
remonta às raízes mesmas da civilização portuguesa, outrora ocupada por
romanos, alanos, vândalos, suevos, visigodos e mouros. Por outra
parte, vem-nos esclarecida a razão de sua liberalidade sexual: «Não se trata de nenhuma virtude descida do
céu sobre os portugueses mas o resultado quase químico da formação cosmopolita
e heterogênea desse povo marítimo»[6].
Segundo Gilberto Freyre, no Brasil, o português só fez dar continuidade à
miscigenação presente desde os primórdios da formação de sua consciência como
povo.
1. Os colonos portugueses e suas relações com o nativo
O contato com
o mundo do além fronteiras não eliminou a xenofobia do português. Outrossim,
geraria uma postura xenofóbica, sui
generis, uma forma peculiar de discriminação, pois, o próprio português, arraçado
com os invasores romanos e sarracenos da Península Ibérica – estes últimos, de
religião muçulmana –, não poderiam se vangloriar da pureza de raça. O mundo
lusitano, já culturalmente miscigenado, haverá na pureza religiosa – seqüela da
Reconquista das terras Ibérica das mãos dos muçulmanos –, o critério no qual
consolidarão o mundo que eles criaram, deixando, assim, as portas abertas para
a miscigenação étnica, razão do resultado feliz da expansão portuguesa,
diferentemente da colonização feita por outros povos europeus. Posteriormente,
Gilberto Freyre desenvolveu tal argumento, já presente em CG&S,
na obra O mundo que o português criou[7].
Nos primórdios
da colonização do Brasil, além do indígena, o Brasil foi povoado por dois tipos
de colonizadores portugueses: aqueles agrupados num núcleo familiar, e os
degredados; famílias com estrutura patriarcal aglutinada na casa-grande,
baseada no trabalho agrícola, com pouca presença feminina[8];
degredados, exilados nas novas terras por lei imperial que vigorou durante os
séculos dezesseis e dezessete, acusados de irregularidades ou excesso na vida
sexual, e de heresia[9].
Gilberto Freire afirma que o degredado pouco influenciou na plástica do
brasileiro. Fazendo jus ao seu título de “Freud dos Trópicos”, conclui
dando-nos a dimensão positiva do exílio dessa gente, sobretudo, daqueles com
forte compulsão sexual, que, saciando suas taras, gerou a nação brasileira: «A ermos tão mal povoados, salpicados,
apenas, de gente branca, convinham super-excitados sexuais que aqui exercessem
uma atividade genésica acima da comum, proveitosa talvez, nos seus resultados,
aos interesses políticos e econômicos de Portugal no Brasil»[10].
Na criação de
seu mundo no Brasil, o colono escorou-se no índio, gente plasticamente
agradável, nômade, sem domínio técnico sobre a terra, sem uma unidade política,
sem uma estrutura religiosa; gente que na concepção freyriana compunha uma das
populações mais rasteiras do continente[11].
O português contou com o índio, o primeiro a rasgar a mata e a terra, e com a
índia, que, mais por constrição e interesse do que por prazer, abriu as pernas,
dando início à geração do povo brasileiro. Baseando-se no primeiro documento
redigido em terras brasileiras, a Carta escrita por Caminha, carta destinada a
narrar ao soberano português as coisas vistas e apoderadas aqui, o Senhor de
Apipucos estampa as impressões do português em relação ao nativo:
«e o português
que primeiro os surpreendeu, ingénuos e nus, nas praias descobertas por
Pedràlvares, fala com entusiasmo da robustez, da saúde e da beleza desses
[...]. Robustez e saúde que não esquece de associar ao sistema de vida e de
alimentação seguido pelos selvagens [...]. “Elles non lauram, nem criam, nem
haa aquy boy, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem outra nenhuma
alimarea, que costumada seja aho viver dos homeens; nem comem senom dese
inhame, que aquy haa muyto, e desa semente, e fruitos que ha terra, e has arvores
de sy lançam: e com isto andam taaes, e tam rijos, e tam nedeos, que ho non
somonós tanto com quanto trigo, e legumes comernos” (P.V. de Caminha, Carta, em: M.A. de Casal,
Corografia brasileira, Rio de
Janeiro, 18332)»[12].
Regendo a
força-trabalho nativa, em um primeiro momento, o português fez o índio
desvirginar a mata, extrair e traficar o Pau-de-tinta, caçar papagaios e sagüis
que, juntamente às peles de animais, renderiam lucros para o novo dono da terra[13].
Nesta primeira etapa, o índio deu conta do trabalho servil, pois, conhecia,
como nenhum outro, o lugar e suas riquezas, mas, chegado o momento de lavrar a
terra para obter maiores ganhos, o colono sentiu a necessidade de importar
força de trabalho mais apta ao seu desejo de rápido e fácil lucro; ele havia
descoberto que o macho nativo, guerreiro e nômade, não era apto para o serviço
sedentário da lavoura da cana-de-açúcar:
«Muito
auxiliou o índio ao bandeirante mameluco, os dois excedendo ao português em
mobilidade, atrevimento e ardor guerreiro; sua capacidade de ação e de trabalho falhou, porém, no rame-rame tristonho da
lavoura de cana, [...] Compensou-se o índio,
amigo ou escravo dos portugueses, da inutilidade no esforço estável e contínuo pela extrema bravura no heróico
e militar. Na obra de sertanismo e de defesa da colônia contra
espanhóis, centra tribos inimigas dos
portugueses, contra corsários»[14].
Tanto é assim
que, diz Freire, o índio, insatisfeito, fugiu,
refugiando-se nas prósperas, invejadas e paternalistas aldeias e missões
jesuíticas[15]; posteriormente, ou fugiu
da costa em direção ao sertão, ou via-se capturado, escravizado e assassinado
pela tirania do engenho. Para ele, o grande exterminador do índio foi o açúcar[16].
Se a cultura indígena sobreviveu à tirania do engenho, foi por meio da índia,
que, para Freyre, foi a mãe do povo brasileiro[17].
Nela, os primeiros colonos, nossos pais, em sua grande maioria homens que ainda
não havia constituído uma família, encontraram o modo de compensar a falta de
mulher branca, de aumentar a população e de contentar a sua avassaladora
libido. Mesmo assim, Gilberto Freyre comenta a arguta observação de Southey:
«o sistema português se revelara mais
feliz do que nenhum outro no tocante às relações do europeu com as raças de
cor; mas salientando que semelhante sistema fora antes “filho da necessidade”
do que de deliberada orientação sexual ou política. (R. Southey, History of
Brazil, Londres, 1810-1819) [e segue, recolhendo uma afirmação de Henry
Koster (H. Koster, Travels in Brazil, Londres, 1816),
citado por Manuel Bonfim] “Esta vantagem [...] provem mais da necessidade que
de um sentimento de justiça” (M. Bonfim, O Brasil na América, 1929)»[18].
De outro lado,
ele aproveita para aclarar, embebendo-se em Paulo Prado, que a
índia cruzou-se com o branco, não pela superioridade priápica deste, como
insinuava Varnhagen, mas, sim, por motivo social, como sustentava Capistrano de
Abreu[19].
Para este, ao qual Freyre adere, a índia dominada, dava preferência ao branco
porque desejava que sua prole pertencesse à raça superior[20].
A necessidade
gerou a indiofilía portuguesa e abriu estrada para a importação de africanos,
quando o lusitano percebeu que a capacidade geradora da índia não era
suficiente para satisfazer a demanda de capital humano para trabalhar no eito
da cana. Aliada à incapacidade do macho nativo de adaptar-se ao trabalho
sedentário, a experiência de mais de cem anos nas colônias da África, conduziu
o colono a crer que a melhor solução era trazer «energia moça, tesa, vigorosa do negro, este um verdadeiro contraste com
o selvagem americano pela sua extroversão e vivacidade»[21].
A transição,
da exploração do índio para a exploração do negro, deu-se, também, com a
diminuição do contingente nativo. O índio, para escapar à escravidão, fugiu para
o mato, abandonando mulher e filhos, fazendo aumentar a mortalidade infantil.
Muitos, dentre os que não fugiam, rebelavam-se, e tais atos eram causa de
suplícios e castigos que findavam em reduzir, drasticamente a presença nativa
no Brasil[22].
2. Relações dos portugueses com os escravos africanos
A experiência acumulada pelo português em terras africanas, serviu, em
muito, para que este lograsse adaptar-se ao Brasil; outrossim, o solo e a
temperatura das terras lusitanas são mais próximos aos da África do que dos da
Europa; e por isso, vocifera Freyre, como que querendo impor às bases de sua
teoria das razões do sucesso do português em sua missão de colonizador:
«Estava assim o português disposto pela
sua mesma mesologia ao contato vitorioso com os trópicos: seu deslocamento para
as regiões mais quentes da América não traria as graves perturbações da
adaptação nem as profundas dificuldades de aclimatação experimentadas pelos
colonizadores vindos de países de clima frio»[23].
Ele, o português, habituado com a força motriz de suas colônias africanas,
tentou propulsar o nativo a imitar a força do negro. Descoberto o engano, as
circunstâncias fê-lo criar um mundo diferente daquele que haviam construído na
Península Ibérica ou em suas colônias, nas Costas Africanas, mas sem desprezar,
é certo, o que havia de bom e proveitoso em suas anteriores experiências. Assim que, atracado à
terra, pelo afã de ganho ou por degredo, descobrindo que não bastava a
monogamia e a miscigenação com a índia para povoar e lavorar a terra, começou a
importar a mão-de-obra africana, que além de pertencer, de modo geral, a uma
cultura superior à do ameríndio, correspondia melhor às necessidades de
contínuo esforço físico. Trazidos para trabalhar na lavoura, os negros, vindos
de zonas culturalmente mais adiantadas, passaram a ser elemento ativo na
colonização do Brasil[24].
Para levar
adiante o projeto colonizador, os portugueses tiveram que desenvolver uma
cultura agrícola baseada no trabalho escravo, adaptando, como se fosse sua, a
mão-de-obra, a cultura e a técnica do indígena; improvisando, no ventre da
nativa e, posteriormente, no ventre da africana, a sementeira da nascente
população brasileira. E depois de haver assimilado e integrado alguns aspectos
da cultura nativa, passou à do negro trazido da África. Neste aspecto reside a
grande novidade da obra freyriana: o estudo aprofundado das contribuições do
elemento negro, vindo como escravo desde os princípios do século dezesseis até
meados do dezenove, quando as leis brasileiras proibiram o trafico negreiro, na
formação da cultura e do povo brasileiro.
A colonização
do Brasil, assumiu bases mais sólidas, depois de 1532, quando começaram as
importações de escravos africanos. Freyre atribui tal iniciativa ao colono
português, gerador de um sistema colonial dominado pela supremacia da família
rural ou semi-rural, que, não contando com a apoio da coroa lusitana,
tornava-se o primeiro cometedor em terras brasileiras[25].
Para dar
fundamentos à sua tese, desenvolvida na trilogia CG&S, SeM e OeP sobre a superioridade da raça híbrida formada
em terras brasileiras, isto é, da superioridade do mestiço em relação às raças
puras, branca ou de cor, Freyre, fundado na bagagem étnico-cultural do negro
que interagiu no processo de mestiçagem no Brasil, atesta que dentre esta gente
negra, os melhores foram os que contribuíram, cada um na sua especialidade,
para tal consecução, relegando a um segundo posto, o nativo[26].
Sem ocultar as
dificuldades encontradas para averiguar a falsidade dos reducionismos em
relação à proveniência do contingente que corroborou para o povoamento negro
das terras brasileiras[27],
Gilberto Freyre fundamenta-se, sobretudo, na pesquisa etnográfica realizada por
Nina Rodrigues na qual desmente a tese difundida por Spix e Martius – segundo o
parecer de Nina Rodrigues –, muito em vigor entre os historiadores do século
dezenove, de que a colonização africana do Brasil se tenha dado exclusivamente
por elementos de origem banto. Querendo não negar a seriedade da pesquisa
realizada pelos dois estudiosos, conclui:
«Mal se concebe como os negros
sudaneses [diz-nos Nina Rodrigues] estivessem escapado à sagaz observação de
Spix e Martius (C.F.P.V. Martius – J.B.V. Spix, Travels in Brazil, Londres, 1824) que a propósito da Bahia se
ocuparam do tráfico africano e estiveram nesta província precisamente ao tempo
em que dominavam aqui os sudaneses (N. Rodrigues,
O problema da raça negra na américa
portuguesa; posteriormente publicado sob o titulo Os africanos no Brasil, São Paulo, 1933)»[28].
Mesmo
impossibilitado de fazer um estudo quantitativo em relação à presença de
diferentes tipos culturais africanos que participaram na colonização do Brasil,
as fontes históricas não faltaram. Um exemplo claro e sintético, dentre tantos
usados por Gilberto Freire, é a carta redigida por Henrique Dias aos holandeses
em 1647, da qual ele se serve para reforçar o argumento defendido pelo ilustre
médico, Nina Rodrigues, sobre a diversidade de proveniência dos escravos negros
no Brasil:
«De quatro nações se compõe esse
regimento: Minas, Ardas, Angolas e Creoulos: estes são tão malévolos que não
temem nem devem; os Minas tão bravos que aonde não podem chegar com o braço,
chegam com o nome; os Ardas tão fogosos que tudo querem cortam de um só golpe;
e os Angolas, tão robustos que nenhum trabalho os cansa (H. Dias, Carta, 1647, em: N. Rodrigues,
O problema da raça negra na América
portuguesa)»[29].
Outro
argumento, usado por Freyre, para demonstrar a falsidade da colonização
exclusivamente banto do território brasileiro, é a mesma política portuguesa de
distribuição dos negros em suas colônias, não permitindo que se juntassem, em
uma mesma capitania, em uma mesma propriedade e, até, em um mesmo navio
negreiro, escravos oriundos de uma mesma etnia, evitando-se, assim, a formação
de grupos que conservassem o patrimônio cultural africano[30].
Por que o
ilustre “Senhor de Apipucos” fez questão de se ater à diversificação dos lotes
negros vindos para o Brasil? Para ressaltar o resultado positivo da
miscigenação; para realçar a riqueza cultural que estes portaram ao Brasil, ao
serem selecionados, segundo a especialidade, para determinados trabalhos.
«Os Angolas eram Bantos; como os do Congo, eram bons para o trabalho
bruto. Os Angolas “ladinos” [os africanos que já falavam o português e já
estavam instruídos nos costumes do Brasil] prestavam-se bem para iniciar os
“boçais” [negros novos] nos serviços do eito. As Ardas vinham do Daomé. Eram
“tão fogosos que tudo querem cortar de um só golpe”, como deles dizia Henrique
Dias (H. Dias, Carta, 1647). Os Minas, Nagô, da Costa
do Ouro. O Daomé e a Costa do Ouro eram os centros de cultura sudanesa. Os da
Guiné, bonitos de Corpo, eram excelentes para os serviços domésticos,
principalmente mulheres. Os de Cabo Verde eram os melhores e os mais robustos
de todos e os mais caros»[31].
Os bantos e
sudaneses[32] – conclui Gilberto –, que
representam a maior porção dentre os expedidos para o Brasil, tinham uma
cultura superior àquela nômade do indígena nativo, e assumiram diversas
funções, sempre subordinadas às ordens do senhor da casa-grande, e findaram por
fazer parte do processo que mais caracteriza a formação brasileira: o
equilíbrio de antagonismos[33].
Os quatro
grandes pólos de produção de cana – Rio de Janeiro, Maranhão, Bahia e
Pernambuco –, seguindo a política de assimilação de Portugal por meio da
desafricanização do negro, buscaram, desde o início, acolher elementos de
diferentes nações, evitando, assim, a formação de redutos tribais, lingüísticos,
regionais; evitando qualquer vínculo que não contribuísse para a assimilação na
nova pátria[36]. Outra maneira de
desafricanizá-los, era misturar os estoques. Não bastava dividí-los! Era
necessário inserir elementos já assimilados, os ladinos de Angola, dominados
pelos portugueses, que funcionavam, nas senzalas, qual introdutores das novas
levas, ao modo de vida desejado pelo colono, em terras tupiniquins[37].
Todavia,
fazendo uma análise compressiva de toda a história da escravidão, sempre em
função de sua teoria da democracia racial no Brasil, Gilberto Freyre busca
arrematar:
Freyre e Florestan Fernandes |
Mesmo
reconhecendo que as potencialidades trabalhistas dos negros em regime de
escravidão, foram, paulatinamente sendo valorizadas, Gilberto reconhece que o
regime ao qual eles foram submetidos era tão desumano que deformou tais
elementos em todos os âmbitos de suas vidas, e cuja deformação gerada pela
escravidão, impunha um trabalho monótono àquela gente de tantas facetas
técnicas e artísticas[39].
É neste sentido que segue válida a observação de Alexander Goldenweiser,
recolhida por Freyre:
«é absurdo julgar o negro, sua
capacidade de trabalho e sua inteligência, através do esforço por ele
desenvolvido nas plantações da América sob o regime da escravidão (A. Goldenweiser, «Concernig racial
differences», Menorah Journal, 1922, VIII).
[E o Senhor de Apipucos conclui] Do mesmo modo, parece-nos absurdo julgar a
moral do negro no Brasil pela sua influencia deletéria como escravo»[40].
Não desejando
aprofundar as conseqüências econômicas do sistema escravocrata, pois não era o
objetivo dos seus ensaios, Freyre centrou os seus esforços no afã de demonstrar
os pontos de ligamento entre estas duas culturas, a dominada e a dominante do ponto
de vista do poder; pontos que possibilitaram a geração do brasileiro, um povo
miscigenado. O primeiro ponto, segundo Freyre, foi o reconhecimento da
necessidade de conservação da força-trabalho por parte do colonizador
português. Descobrindo as vantagens do aumento da vida-útil da mão-de-obra
escrava, o português buscou preservá-la, inclusive, com uma dieta alimentar
que, mesmo não sendo farta, era mais diversificada do que a da própria
casa-grande. Além do vegetal, os escravos comiam as partes “menos nobres” dos
animais, que rejeitadas pela casa-grande, deram origem ao mais brasileiro
dentre os pratos do Brasil: a feijoada. Nas senzalas, onde os negros eram
recolhidos depois de uma jornada de trabalho – afirma Gilberto –, não faltava
alimento, chegando, o negro, a comer melhor do que o branco; de forma que, «preparando para a mesa dos senhores
brancos carnes e peixes sobrecarregados de pimenta e de temperos alimentaram-se
melhor nas suas senzalas, conservando no Brasil a saudável predileção africana
pelos vegetais»[41]. Razão do comportamento
português: mais rendimentos com menores despesas pois, os vegetais eram
produzidos na terra, ao contrário do que sucedia com carnes e peixes, que, em
sua maioria, provinham de Portugal, por causa da escassez gerada pela rentável
monocultura da cana, que deixava pouco espaço para o desenvolvimento de uma
cultura pecuária.
Um outro modo
de obter dividendos era favorecer, também dentro das senzalas, a libertinagem.
Como única condição, a que dessem crias, que se tornariam, no mercado negreiro
e no trabalho canavieiro, outra fonte de riqueza do senhor de escravos[42].
Como
acontecera em Portugal, das senzalas brasileiras, mas também antes mesmo de
chegarem a estas, negros, e sobretudo negras, vinham recrutados para trabalhar
no serviço doméstico da casa-grande, constituindo uma verdadeira hierarquia:
«Na hierarquia da escravatura
brasileira das grandes fazendas ou engenhos, o status do escravo ia desde o de quase pessoa de família ao de quase
animal ou quase bicho. De onde a necessidade – ponto já destacado por nós em
trabalho sobre o assunto – que experimentavam os anunciantes de distinguirem,
nos anúncios de jornal, cabra-escrava, de cabra-animal»[43].
É do ventre
dessas negras, escravas senzaladas, mas, sobretudo, daquelas que estavam a
serviço da casa-grande, que sairiam os primeiros filhos mestiços, resultado do
encontro carnal entre as duas raças.
Freyre não
poderia negligenciar as inúmeras rebeliões provocadas pelos escravos
insatisfeitos com a situação de vida, com o fato de serem subjugados por um
senhor, muitas vezes, com capacidades técnicas e intelectuais inferiores às
suas. As gentes como as vindas do Sudão, de cultura superior à portuguesa e de
cultura maometana, verdadeiros aristocratas das senzalas – como gostava de
dizer Gilberto Freyre –, nutriam o ódio de raça ou de classe social, e buscavam
suportar o projeto assimilador do português com a preservação de suas culturas,
sua religião maometana, sua língua; gerando muitas revoltas nas senzalas[44].
Nina Rodrigues chegou a identificar os líderes de tais rebeliões – ao menos na
Bahia – e a razão pela qual eles chegavam a tamanha manifestação de insatisfação:
Nina Rodrigues |
«Atribuiu Nina [E Gilberto Freyre
concorda] grande importância à influencia exercida sobre os Iorubanos ou Nagô e
sobre os Ewes ou Gegê pelos Fulas e Haúça maometanos. Esses parecem ter
dirigido várias revoltas de escravos. Teriam sido como uns aristocratas das
senzalas. Vinham eles dos reinos de Wurno, Sokotô, Gandê, de organização
política já adiantada; de literatura religiosa já definida. [...]. [E justifica
semelhantes atos ocorridos] Semelhantes escravos não podiam conformar-se ao
papel de manes-gostosos dos portugueses; nem seria a água benta do batismo
cristão que, de repente, neles apagaria o fogo maometano»[45].
As fugas eram
também constantes. Muitas serviram como precedência à origem dos quilombos e de
inteiras repúblicas quilombolas; sendo a mais famosa a “República dos
Palmares”, primogênita do empenho cooperativo dos negros na luta pelos seus
direitos, sendo a primeira a levantar-se contra o engenho[46].
Sem desejar, o negro, com tais ações, colaborou como auxiliar do branco na
expansão da colonização do Brasil. Neste sentido, Freyre faz alusão ao
professor Roquete-Pinto, que encontrou na Serra dos Parecis, no final do século
dezoito e início do século dezenove, a evidência da ação europeizante, isto é,
colonizadora agrária, de negros quilombolas[47].
Nestes quilombos, deu-se o encontro de raças, pois, dada a escassez de
elementos femininos, africanos, os negros aquilombados deveriam buscar, entre
as indígenas raptadas para determinado fim, a oportunidade de reproduzirem-se,
aumentando as cores do leque do povo brasileiro. Eram lugares onde,
aglutinavam-se negros, mas, também, todos os que fossem excluídos do sistema
patriarcal colonial brasileiro; e, por serem excluídos de tal sistema, não
tinham liberdade para poder subsistir. Daí é que eram, constantemente
perseguidos, combatidos, dispersados ou eliminados[48].
E não era somente o trabalho, as fugas e as guerras que reduziam drasticamente
as esperanças de vida dos negros escravos: dentre as crianças nascidas nas
senzalas, as precárias condições de higiene pré-natal, sobretudo o
mal-de-sete-dias diminuía as expectativas de vida[49].
Reconhecendo a
amplidão da problemática em torno ao negro escravo e seu valor na sociedade
escravocrata colonial brasileira, Freyre insiste que, a principal causa mortis dos negros era a cana. Por
ela e nela, os «escravos negros e
seus descendentes, tantas vezes [foram] contrariados no seu desenvolvimento
físico, moral e eugênico pelas circunstâncias de sua situação econômica; pelas
necessidades do regime de trabalho nas plantações brasileiras»[50].
3. Relações entre os portugueses e os “outros” europeus
Neste ínterim,
referimo-nos aos séculos dezesseis e dezessete, quando as costas brasileiras vinham
sendo freqüentadas por outros europeus, pois, até este período, o império português
não dava maior importância à nova descoberta porque via que a Terra do
pau-de-tinta não se adequava às normativas comerciais e burguesas daquela
época, e a colonização, em tais condições – distante, com escassez de gente que
procriasse e trabalhasse a terra –, exigiria um investimento que não comportava
um rendimento à altura[51].
Casa de Freyre em Recife |
Mesmo tendo
que defender os interesses pecuniários, o sangue do colonizador oficial não
hesitou em misturar-se com o de europeus das mais variadas procedências:
ingleses, franceses, florentinos, genoveses, alemães, flamengos, espanhóis[54],
desde que eles renunciassem ao mal da heresia protestante, dando, com isso,
continuidade ao critério de unidade do povo lusitano: a pureza da fé católica.
Dentre os
estrangeiros, depois dos português, os franceses foram os primeiros a
aventurarem-se por terras brasileiras. Sua miscibilidade deixou marcas, em fins
do século dezesseis, na Bahia e em todos os lugares onde abundassem o
pau-de-tinta, dando-se ao luxo de rodearem-se de índias, gerando uma prole
mestiça que, ou era reabsorvida pelos indígenas, ou restavam levando uma vida
meio selvagem, intermediando entre os nativos e os traficantes franceses e
portugueses[55]. Esses descendentes,
louros, alvos e sardos, eram confundidos com os índios tupinambás, cujas
fêmeas, em forma poligâmica, tomavam para amancebamentos[56].
Ninguém foi
excluído no amplo leque da liberalidade na América portuguesa do século
dezesseis; os ingleses são uma prova disto. Afetados mais profundamente pela
heresia protestante, segundo versão freyriana, esta gente, quando livres da
suspeita de hereges, eram recebidos amigavelmente entre os colonos portugueses[57].
Nem a raça nem a nacionalidade impediram que o inglês, ou qualquer outro, fosse
admitido na sociedade colonial.
Situação
análoga aconteceu quando as forças holando-brasileiras tomaram dos espanhóis as
suas colônias africanas de Angola, São Tomé e Ano Bom. Abriram-se ainda mais as
possibilidades de estreitar os laços, inclusive, sanguíneos, entre os dois
povos. No Brasil, Maurício de Nassau geria os interesses de Amsterdã, incluindo
o tráfego negreiro:
«O Conde de Nassau quis fazer do Recife
o principal centro distribuidor de escravo para as plantações americanas e para
as minas do Peru, ficando Angola sob a imediata dependência do governo de
Pernambuco. [Mesmo fracassando o projeto do Conde] o certo é que a importação
de negros se fez à grande sob o domínio holandês»[58].
Essa gente,
que vivia no Brasil, não estava isenta da miscigenação com o português e com os
escravos, como dá testemunho Gilberto Freyre, ao bisbilhotar a vida de família
tradicionais do Pernambuco, descendentes, como os Wanderley, da geração vinda
com o Conde Maurício[59].
A este ponto,
concluímos em afirmar que o português, para Gilberto Freyre, é o mais
“plástico” dentre os colonizadores europeus. Tal plasticidade, para usar o
dialeto científico dos nossos dias, encontrava-se enraizada no seu próprio
genoma, na sua história, na sua cultura; trazida ao Brasil pelos primeiros
colonos lusitanos, ela foi moldada pelo nativo e depois pelo negro, que
protagonizou o engendramento
do mestiço, sobretudo, do mulato, que já não era mais português, e, sim, o
legítimo homem brasileiro. Tudo isto, porém, à custa de sacrifício pois, em
terra em que o senhor era branco, mesmo sendo uma minoria numérica, a única
forma de avizinhar-se a ele era, diluindo-se, diluí-lo. E lograram tal feito ao
serem admitidos em seu mundo pela “porta dos fundos” que era, a saber, a
servidão doméstica na casa-grande, lugar de humanização, dentro dos limites da
relação entre senhor e escravo[60].
[1] «O sociólogo e escritor Gilberto de Mello Freyre nasceu em
Recife-PE, em 15 de março de 1900, em uma família de senhores de engenho.
Iniciou seus estudos com professores particulares e, posteriormente, foi viver
nos Estados Unidos, onde graduou-se em Artes Liberais pela
Universidade de Baylor (Texas). Na Universidade de Columbia (Nova York), obteve
o título de mestre em
Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais com a dissertação Social life in Brazil in the middle of the
19th Century (A Vida Social no Brasil em meados do século XIX). Depois de
um período na Europa, regressou a Pernambuco. Em 1930, novamente na Europa,
morando em Portugal, iniciou as pesquisas para o livro Casa-Grande &
Senzala, complementadas nos anos seguintes no Brasil. O livro foi publicado
pela primeira vez em dezembro de 1933 e tornou-se o centro de sua obra. Além de
deixar uma bibliografia extensa em estudos sociológicos e antropológicos,
Gilberto Freyre foi também poeta, ficcionista e pintor, realizando exposições
no Recife, Rio de Janeiro e São Paulo e publicando livros de poemas (Talvez
Poesia e Poesia Reunida) e romances (Dona Sinhá e o Filho do Padre e O Outro
Amor do Dr. Paulo). Faleceu em 18 de julho de 1987, no Hospital Português, no
Recife, em decorrência de problemas cardíacos» (F. Araújo, «Gilberto Freyre: um novo Cabral», O povo, Fortaleza, 01de dezembro de
2003).
[2] «Ao contrário do que muitos
imaginam, Casa Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos, Ordem e Progresso, obras do sociólogo e
antropólogo Gilberto Freyre formam uma tetralogia. A Quarta parte, Jazigos e
Covas Rasas, planejada e parcialmente elaborada pelo escritor, jamais chegou a
ser editada e sequer se sabe onde se encontram os originais. Segundo a
antropóloga Fátima Quintas, esta última obra restringiu-se a manuscritos que
nunca chegaram ao conhecimento público. Este fato comprometeu o complemento
histórico, sociológico e antropológico da visão Gilbertiana do Brasil do
séculos XVI ao XIX» (J. Heraldo –
V. Lira «Livro perdido de Freyre
traçou sociologia dos cemitérios brasileiros: Jazigos e Covas Rasas seria a
continuação de Casa Grande e Senzala, Sobrados e Mucambos e Ordem e Progresso»,
http://www.unicap.br/berro/Berrocemiterio/freyre.htm
[Acesso: 26/03/2006]). A notícia vem confirmada pela filha de Gilberto Freyre,
Sonia Freyre, que recorda o episódio do roubo em seu livro autobiográfico:
«considero um grande mistério o desaparecimento do seu anunciado livro Jazigos
e Covas Rasas, que ainda não perdi de todo a esperança de encontrar. Achamos
até um artigo agradecendo às pessoas que
colaboraram nas pesquisas de tal livro e uma dessas foi Fátima Quintas, nesta
época morando em Portugal e que vivia penando pelos cemitérios à busca de
informações» (S. Freyre, Vidas vivas e
revividas, Recife, Edições Bagaço, 2004, 166).
[3] G. Freyre,
Casa-grande & Senzala: Formação da
família brasileira sob o regime da economia patriarcal, apresentação de
Fernando Henrique Cardoso, São Paulo, Global, 200550, 282-309.
Foi-nos feita uma síntese, que consideramos magistral, de CG&S. Fiel ao texto original, lista, com brevidade e precisão,
alguns traços da civilização moura, mourisca e israelita, que se instalou no
Brasil através do colonizador português, legado de seu passado, prova de seu
longínquo processo de hibridação. Da cultura moura e mourisca: «a doçura no
tratamento dos escravos; doçura tradicional entre os mouros. Outro traço, a
mulher gorda como tipo ideal de beleza. De igual modo, o gosto pela água
corrente [...] os tapetes turcos, as almofadas orientais, as esteiras [...] o
emprego dos azulejos nas residências, nos chafarizes e até nas igrejas, a telha
mourisca, as gelosias, abalcoados ou muxarabis; as janelas quadriculadas ou em
xadrez, e o gosto pelas comidas oleosas, gordas ou ricas em açúcar. Até o cuscuz,
hoje tão brasileiro[...]» (G. Freyre,
Casa-grande & Senzala em quadrinhos,
adaptação de Estevão Pinto, desenhos de Ivan Wasth Rodrigues e colorização de
Noguchi, Recife, ABE Graph, 20012 [em cores], 23-24). «Pode-se
atribuir à influência israelita muito do gosto pela atividade mercantil ou
comercial, [...] o penhor para o bacharelismo [...] a aversão ao trabalho
manual [E conclui:] Compreende-se, assim, que os fundadores da lavoura da cana,
no Brasil, mantivessem o preconceito de que “trabalho era só para negro”» (Ibid., 25-26).
[4] À guisa de introdução à compreensão dos
elementos étnico-cultural-religiosos do povo que foi evangelizado no Brasil,
Geraldo Coelho elogia o espírito marítimo e aventureiro do povo português;
fala-nos do paulatino avanço destes para os trópicos durante o século quinze;
afirma que tal espírito permitiu, antes mesmo da chegada dos portugueses em
terras brasileiras, que eles se familiarizassem com as costas ocidentais do
Continente Negro e com a sua gente (G.A. Coelho
de Almeida, «Os sacramentos de iniciação e o Catolicismo no Brasil
Colonial», Perspectiva Teológica, São
Leopoldo, Rotermund, 197411, 215-218). Ele apresenta um elenco das
façanhas deste povo aventureiro: «a superação do Cabo das Tormentas, o
descobrimento do caminho marítimo para as Índias, a posse do Brasil e a
primeira viagem de circunavegação do globo, por Fernão de Magalhães [...]» (Ibid., 215).
[5] Gilberto Freyre externa a razão de tal
característica, marcante no homem luso dos séculos quinze e dezesseis: «A
precoce ascendência das classes marítimas e comerciais na economia e na
política portuguesa resultou igualmente da extraordinária variedade de contatos
marítimos e de estímulos comerciais. A princípio os grandes agentes de
diferenciação e autonomia foram os cruzados. Os aventureiros vindos do Norte e
que no condado portucalense se constituíram em aristocracia militar e
territorial. Um deles em fundador da mesma monarquia. Mas esse elemento se
estratificou depois em classe conservadora [...]» (CG&S, 274-275).
[6] CG&S, 278.
[7] G. Freyre,
O mundo que o português criou: aspectos
das relações sociais e de cultura do Brasil com Portugal e as Colônias
portuguesas, prefácio de Antônio Sérgio, Rio de Janeiro, José Olimpio,
1940.
[8] CG&S,
80-81.
[9] Os degredados vêm
definidos por Freyre como sendo soldados de fortuna, aventureiros, degredados,
cristãos-novos – entenda-se: judeus convertidos ao catolicismo –, fugidos à
perseguição religiosa, náufragos, traficantes de escravos, papagaios e de
madeira (CG&S, 81). Acentuada a
dimensão religiosa da causa de degredo, Freyre salienta: «Era estreitíssimo o critério que ainda nos
séculos quinze e dezesseis orientava entre os portugueses a jurisprudência
criminal. No seu direito penal o misticismo, ainda quente dos ódios de guerra
contra os mouros, dava uma estranha proporção aos delitos. [...] A lei de 7 de
janeiro de 1453, de D. Diniz, diz-nos o general Morais Sarmento, que mandava
“tirar a língua ao pescoço e queimar vivos os que descriam de Deus ou dirigiam
doestos a Deus ou aos santos”; e por usar de feitiçarias “per que uma pessoa
queria bem ou mal a outra...” (M. Sarmento,
Dom Pedro I e sua época, Porto,
1924), como por outros crimes místicos ou imaginários, era o português nos
séculos XVI e XVII “degredado para sempre para o Brasil” (Ordenações Filipinas,
livro V, titulo. III)» (Ibid.,
82).
[10] CG&S,
83.
[11] Quando CG&S
foi publicado na Venezuela pela Biblioteca Ayacucho de Caracas, em 1977,
recebeu um prólogo assinado por Darcy Ribeiro. Nesse prólogo, que por nascer já
como um clássico veio usado em outras traduções, Darcy esboçou uma pertinente
crítica à concepção freyriana do nativo brasileiro: «A apreciação que se lê em
CG&S do grau de desenvolvimento das culturas tribais brasileiras é nada
menos que grosseira [...] Tudo muito lindo, mas muito falso. Para GF o índio é
o silvícola nômade, “de cultura ainda não agrícola, apesar das lavouras de
mandioca, cará, milho, jerimum, mamão, praticada pelas tribos menos atrasadas”.
Só nesta lista há fatos suficientes para falar de uma agricultura tropical,
desenvolvida pelo indígena [...]. Mas o nosso autor, negreiro inveterado, não
percebe isto e continua jogando com o contraste, como se fosse necessário
rebaixar o protagonista indígena para ressaltar o negro. A verdade meio
melancólica, porém, é que, apesar destas deficiências evidentes no varejo, no
atacado, CG&S dá uma imagem melhor da herança indígena do que quanto se
podia ler nos textos disponíveis de então» (G. Freyre,
Casa-grande & Senzala: Formação da
família brasileira sob o regime da economia patriarcal, apresentação de
Darcy Ribeiro, Rio de Janeiro, Record, 200241, 31-32).
[12] CG&S,
229-230.
[13] CG&S
em quadrinhos, 04.
[14] Darcy Ribeiro insiste, com fundadas
críticas: «GF reduz a contribuição cultural do homem indígena a quase nada. Só
valoriza, e valoriza como “formidável, a sua obra de devastação, de conquista
dos sertões de que ele foi o guia, o canoeiro, o guerreiro, o caçador, o
pescador”. Não serviria para o “reme-reme tristonho” da lavora da cana, [...]
Talvez não faz honra à sociologia de Gilberto sua explicação do papel menos
saliente do índio na economia agrária. [E ratificando as suas afirmações,
continua em alguns parágrafos mais abaixo] Índios e negros eram agricultores e
os índios, como agricultores, contribuíram muito mais que os africanos em
técnicas de lavoura e em plantas cultivadas para a adaptação do Brasil ao
trópico» (CG&S [Record], 32-33).
Para maior compreensão da questão indígena remetemos ao seu estudo etnográfico
(D. Ribeiro, O povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, São Paulo,
Companhia das Letras, 1995).
[15] Para Darcy Ribeiro, «Onde Gilberto Freyre nos dá
realmente um painel expressivo, onde ele indaga com maior liberdade e isenção
[e segui louvando o empreendimento] é no exame do papel desenraizador do
Jesuíta. […] o jesuíta teria desenvolvido toda um a pedagogia fundada na
utilização das crianças como agentes de mudança cultural. […] Não queriam a
destruição do indígena [comenta Ribeiro]. Exaustos, porém, de remar contra a
correnteza da história, os jesuítas teriam acabado por assumir o papel menos
glorioso de amansadores de índios. Assim é que foram os próprios inacianos,
afinal, os agentes mais eficazes do engajamento da indiada. Descida por eles
dos ermos onde viviam livres, mas inúteis, para os trabalhos das obras
oficiais, para a escravidão na mão dos colonos e, principalmente, para as
próprias fazendas-missões da Companhia. Para Gilberto Freyre “os padres teriam
se deixado escorregar para as delícias do escravatismo ao mesmo tempo que para
os prazeres do comércio”. Contribuíram também concentrando os índios, para
facilitar as epidemias que, somadas à escravidão, provocaram o despovoamento no
Brasil de sua gente autóctone» (CG&S [Record], 34).
[16] CG&S, 219-224.
[17] «À mulher gentia temos que considerá-la não só a
base física da família brasileira, aquela em que se apoiou, robustecendo-se e
multiplicando-se, a energia de reduzido número de povoadores europeus, mas
valioso elemento de cultura, pelo menos material, na formação brasileira» (CG&S, 162). Neste ponto, Darcy
Ribeiro reconhece: «Continua sendo valiosa as apreciações de Gilberto Freyre
sobre o papel da mulher indígena como matriz genética e como transmissora de
fundamentais elementos de cultura. Entre eles muitos alimentos e drogas, e
tanta comida de índio adotada pelo brasileiro [...] A
herança mais preciosa, a seu juízo, teria sido a de seus ensinamentos para o
cuidado da casa e dos filhos, o uso da rede e da tipóia e, sobretudo, os hábitos bons de asseio
corporal e de banho diário no rio que tanto escandalizavam ao “europeu
porcalhão”» (CG&S [Record], 32).
[18] CG&S, 160.
[19] «Paulo Prado foi surpreender “o severo
Varnhagen”, insinuando que, por sua vez, a mulher indígena, “mais sensual que o
homem como em todos os povos primitivos [...] em seus amores dava preferência
ao europeu, talvez por considerações priápicas (P. Prado, Retrato do
Brasil, São Paulo, 1928). Capistrano de Abreu sugere, porém, que a
preferência da mulher gentia pelo europeu teria sido por motivo mais social que
sexual” (C. de Abreu, Capítulos de história colonial, Rio de
Janeiro, 1928)» (CG&S, 160).
[20] «Facilitou a mistura das duas raças a preferência da mulher gentia
pelo homem branco: sonhava a nossa índia em ter filhos pertencentes a um povo
que considerava superior, pois, segundo as suas idéias, só tinha valor o
parentesco pelo lado paterno» (CG&S
em quadrinhos, 08).
[21] CG&S,
229.
[24] «Longe de terem sido apenas animais de
tração e operários de enxada, a serviço da agricultura, desempenharam uma
função civilizadora [...]. Eschwege salienta que a mineração do ferro foi
aprendida dos africanos (Eschwege
em: C. de Abreu, Capítulos de história
colonial – 1500-1800 –,
Rio de Janeiro, 1928). E Max Schmidt destaca dois aspectos da colonização
africana que deixam entrever superioridade técnica do negro sobre o indígena e
até sobre o branco: o trabalho de metais e a criação de gado (M. Schmidt, artigo em Koloniale Rundschau, 1909Abril,
resumido por S.H.H. Johnston, The negro in the new world, Londres,
1910). Poderia acrescentar-se um terceiro: a culinária [...]» (CG&S, 390-391).
[25] «Por outro lado, a colonização do Brasil
teria sido uma obra mais de particulares do que do governo português. [...] São
os portugueses os primeiros colonos europeus que se estabelecem, na América, em
verdadeiras colônias, vendendo para tal fim, tudo o que possuíam nas suas
terras de origem. As primeiras mães de família, as primeiras sementes, o
primeiro gado, as primeiras moendas de açúcar, os primeiros animais de
transporte, as primeiras plantas alimentícias, os primeiros instrumentos
agrícolas, os primeiros escravos do eito; tudo isso foi, entre eles, de
iniciativa principalmente particular» (CG&S
em quadrinhos, 05).
[26] «Nada mais absurdo do que negar-se ao
negro sudanês, por exemplo, importado em número considerável para o Brasil,
cultura superior a do indígena adiantado. Escrever que “nem pelos artefatos, em
pela cultura dos vegetais, nem pela domesticação das espécies zoológicas,
[...]” é produzir uma afirmativa que virada pelo avesso é que dá certo. Por
todos esses traços de cultura material e moral revelaram-se os escravos negros,
dos estoques mais adiantados, em condições de concorrer melhor que os índios à
formação econômica e social do Brasil» (CG&S,
370).
[27] «Infelizmente as pesquisas em torno da imigração
de escravos para o Brasil tornaram-se extremamente difíceis, [...] depois que o
eminente baiano, conselheiro Rui Barbosa, ministro do governo provisório, após
a proclamação da Republica de 1889, por motivos ostensivamente de ordem
econômicos, [...] mandou queimar dos arquivos da escravidão» (CG&S, 383).
[28] CG&S, 383.
[29] CG&S,
384. Darcy define, sinteticamente, os negros que foram trazidos para o Brasil:
«Os negros do Brasil foram trazidos principalmente da costa ocidental africana.
[Fazendo referência a estudos de Artur Ramos e Nina Rodrigues, distingue-os em
três grandes grupos] O primeiro, das culturas sudanesas, é representado,
principalmente, pelos grupos Yoruba, chamado nagô; pelos Dahomey, designados geralmente como gegê; e pelos Fanti-Ashanti, conhecidos
como minas; além de muitos representantes de grupos menores da Gâmbia, Serra
Leoa, Costa da Malagueta e Costa do Marfim. O segundo grupo trouxe ao Brasil
culturas islamizadas, principalmente os Peuhl, os Mandinga e os Haussa, do
norte da Nigéria, identificados na Bahia como negros male e no Rio de Janeiro como negros alufá. O terceiro grupo cultural africano era integrado por tribos
Bantu, do grupo congo-angolês, provenientes da área hoje compreendida pela
Angola e a “Contra Costa”, que corresponde ao atual território de Moçambique» (O povo Brasileiro, 113-114).
[30] CG&S,
384.
[31] CG&S
em quadrinhos, 29.
[32] «Deve-se, porém, salientar que a
colonização africana do Brasil realizou-se principalmente com elementos bantos
e sudaneses. Gente de áreas agrícolas e pastoris. Bem alimentada a leite, carne
e vegetais [...]. Os sudaneses da área ocidental, senhores de valiosos
elementos de cultura material e moral próprios, uns e outros adquiridos e
assimilados dos maometanos» (CG&S, 393).
[33] «Antagonismo de economia e de cultura. A cultura européia e a
indígena. A economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e
o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho [...].
Mas predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o
senhor e o escravo» (CG&S, 116).
[34] N. Rodrigues,
Os africanos no Brasil, Nacional, São
Paulo, 1935, 49-50.
[35] CG&S,
553.
[36] Contra a identificação da predominância de
um ou outro grupo cultural em certas zonas do Brasil, que retificaria a teoria
da misturas de estoque, depois de analisar documentos que comprovam tal
diversidade, Freyre rebate: «Se na Bahia predominaram sudaneses e no Rio de
Janeiro e em Pernambuco negros austrais do grupo banto, não significa que
outros estoques não fornecessem seu contingente aos três grandes centros de
imigração e distribuição de escravos» (CG&S,
384).
[37] «O método de desafricanização do negro novo, aqui seguido, foi o de misturá-los
com a massa de ladinos, ou veteranos;
de modo que as senzalas foram uma escola prática de abrasileiramento. A verdadeira iniciação do negro novo na língua, na religião, na moral,
nos costumes dos brancos, ou antes, dos negros ladinos, fez-se na senzala e no eito, os novos imitando os veteranos. Foram ainda os ladinos, os que iniciaram os boçais
na técnica ou na rotina da plantação da cana e do fabrico do açúcar» (CG&S, 398-399).
[38] CG&S, 391
[39] CG&S, 397.
[40] CG&S, 397.
[41] CG&S,
549.
[42] «Foi assim em Portugal, de onde a
instituição se comunicou ao Brasil [...] Entre esses escravos os senhores
favoreciam a dissolução para “aumentarem o numero de crias como quem promove o
acréscimo do rebanho” (A. Herculano,
História da origem e estabelecimento da
inquisição em Portugal, Lisboa, 1879). [E segue, com um seu juízo moral]
Dentro de semelhante atmosfera moral, criada pelos interesses econômicos dos
senhores, como esperar que a escravidão, fosse o escravo mouro, negro, índio ou
malaio, atuasse senão no sentido da dissolução, da libertinagem, da luxuria? O
que se queria era que os ventres das mulheres gerassem. Que as negras
produzissem moleques» (CG&S, 399).
[43] CG&S, 568.
[44] «O ambiente que precedeu o movimento de
1835 na Bahia foi de intenso ardor religioso entre os escravos. No beco de
Mata-Porcos, na ladeira da Praça, no cruzeiro de São Francisco, à sombra das
igrejas e mosteiros católicos, dos nonchos da Virgem Maria e de Santo Antônio
de Lisboa, escravos lidos no Alcorão pregavam a religião do Profeta, opondo-se
à de Cristo, seguida pelos senhores brancos, do alto das casas-grandes. Faziam propaganda
contra a missa católica dizendo que era o mesmo que adorar pau; e aos rosários
cristãos, com a cruz de Nosso Senhor, opunham os seus» (CG&S, 393-394).
[45] CG&S, 393.
[46] «Mais do que uma simples revolta de
escravos fugidos, essa republica de mucambos ou palhoças parece ter sido
verdadeiro esforço de independência baseado no prolongamento de um tipo
parassocialista de cultura, inclusive de economia, em oposição ao sistema
patriarcal e de monocultura latifundiária, então dominante» (G. Freyre, Sobrados e Mucambos: Decadência do patriarcado rural e desenvolvimento
do urbano, apresentação de Roberto da Mata, São Paulo, Global, 200314,
148).
[47] «Aquilombados na serra dos Parecis, os
negros fugidos cruzaram com mulheres roubadas aos indígenas. Uma bandeira que
os foi dispersar no século XVIII encontrou ex-escravos dirigindo populações
aquilombadas de cafuzos. Encontrou grandes plantações. Criação de galinha.
Cultura de algodão. Fabrico de panos grossos. E todos os caborés de maior idade
verificaram os bandeirantes que “sabiam alguma doutrina cristã que aprenderam
com os negros [...] todos falavam português com a mesma inteligência dos
pretos, de quem aprenderam” (E. Roquete-pinto, Rondônia, Rio de Janeiro, 1917)» (CG&S, 372).
[48] CG&S, 373.
[49] «Os fazendeiros deviam preocupar-se com a
higiene pré-natal e infantil, não só nas casas-grandes, como nas senzalas.
Muito negrinho morria anjo por ignorância das mães. “As negras de ordinário,
cortam o cordão muito longe do embigo e estão de mais a mais no pernicioso
costume de lhes porem em cima pimenta, fometal-o com oleo de ricino ou qualquer
outro irritante. Feito isto apertam estas malditas o ventre da creança a ponto
de quase suffocal-a. Este bárbaro costume corta o fio da vida a muitas e muitas
creanças e contribui para desenvolver no embigo essa inflamação a que no Brasil
se dá o nome de mal de sete dias. [...] mal nasce a creança, costumam [...]
amassar-lhe a cabeça, afim de dar à testa uma forma mais agradável; sem
attenderem à fraqueza dos órgãos digestivos dos recém-nascidos, dão-lhes
algumas vezes, poucos dias depois delles nascerem, alimentos grosseiros,
tirados de sua própria comida (J.B.A. Imbert,
Manual do fazendeiro ou tratado doméstico
sobre as enfermidades dos negros, Rio de Janeiro, 1839)» (CG&S, 445).
[50] CG&S, 442.
[51]
Como na nova terra foi aplicada a mesma metodologia auto-colonizadora
aristocrática e agrária que fora antes aplicada em Portugal, reconquistada aos
sarracenos a partir do século onze; somente com a valorização do açúcar nos
mercados aristocráticos e burgueses, nos fim do século dezesseis e dezessete, é
que deu-se a devida importância à colônia portuguesa na América e com ela, a
implantação de mecanismos de defesa da nova propriedade em forma de acordos
diplomáticos; ademais da permanente defesa ostensiva capitaneada pelos
habitantes do lugar, que antes da presa de posição governamental, já o fazia,
com o nativo manipulado à frente (CG&S, 324-325).
[52] CG&S, 161.
[53] CG&S, 161.
[54] CG&S, 276.
[55] Gabriel Soares dá-se conta da situação
desses franceses: «se amancebaram em terras onde morreram, sem se quererem
tornar para a França, e viveram como gentios com muitas mulheres, dos quaes, e
dos que vinham todos annos à Bahia e ao rio de Segerípe em náos da França
(G.S. De Souza, «Tratado descritivo
do Brasil em 1587» ed. de Varnhagen, Revista
do instituto histórico e geográfico brasileiro, tomos XIV e LXXVIII, II
parte)» (CG&S, 162).
[56] CG&S, 346.
[57] «A presença de ingleses entre os primeiros
colonos de São Vicente mostra que, livres da suspeita de hereges, eram
recebidos fraternalmente. [...] Vamos encontrar o inglês John Whitall
perfeitamente acomodado entre os primeiros colonos do Brasil: escrevendo em
Santos uma carta ao seu conterrâneo Richard Stapes, na Inglaterra, que deixa
ver claramente a liberalidade para com os estrangeiros na colônia portuguesa da
América» (CG&S, 376).
[58] CG&S, 385.
[59] CG&S,
337.
[60] Falando do sistema de relações entre
senhores e escravos como um sistema de relações entre pessoas, Freyre enfeixa
«Era demorando em uma casa, em uma fazenda ou em uma estância, afeiçoando-se a
uma família ou a um senhor, que o escravo se fazia gente de casa, pessoa de
família, membro da “cooperativa patriarcal” de que falava o “morador de
Flórida. E não sendo facilmente vendido ou trocado como coisa, como animal,
como simples objeto de comércio ou de lucro» (SeM, 661).