Tese e Cappello dottorale |
No dia 16 de dezembro de 2013, às 17 horas, na Pontificia Studiorum Universitas a Sancto Thoma Aquinate in Urbe, em Roma, deu-se a apresentação e discussão pública da minha tese de doutoramento em Ciências Sociais. Após um ano e meio dedicados a elaboração do projeto e cinco anos para a investigação e redação do texto, pudemos, eu e meu moderador – o madrileño P. Prof. Dr. José Ramón López De La Osa González, OP – submeter o fruto de nosso trabalho ao exame da banca formada pelo mesmo, pelo decano da Faculdade, Alejandro Crosthwaite, e pelo Censor da tese, a professora Paula Benevene.
O titulo da tese foi Relações raciais no Brasil: avaliação do processo de integração dos negros
e dos afro-brasileiros no Brasil a partir do paradigma interpretativo de
Gilberto Freyre e dos aportes de Florestan Fernandes, e A tese de doutorado
que vos será apresentada se intitula Relações
raciais no Brasil; e tem por fim a avaliação do processo de integração dos
negros e dos afro-brasileiros no Brasil a partir do paradigma interpretativo de
Gilberto Freyre e dos aportes de Florestan Fernandes.
Convite |
Para submeter a tese ao exame desta banca, apresentá-la-ei articulando-a
em 5 (cinco) partes, que correspondem aos elementos quem compõem-na,
articulados no seguinte modo:
1. Das motivações,
problemáticas suscitadas e hipóteses de trabalho,
2. Do argumento: seus
limites e a metodologia usada;
3. Da originalidade da
pesquisa;
4. Do itinerário
perseguido;
5. às conclusões tiradas ao
fim desta tese.
1. Das
motivações, das problemáticas suscitadas e das hipóteses de trabalho
O viés que perpassa esta tese é a avaliação do processo de
integração dos negros e dos afrodescendentes no Brasil; e isso por que a
questão da integração brasileira – à qual venho estudando desde meus estudos
para o Mestrado – tem revelado uma variável fundamental: o aparente tratamento
diferencial dispensando às diferentes etnias que serviram de matriz na formação
do povo brasileiro pois indica que o Brasil se caracteriza como uma nação com
uma grande diversidade étnica, cultural, regional; e ao mesmo tempo, disparidade
econômica em função da pertença étnica. Daqui, a necessidade de aprofundar a
questão, haja vista a atual configuração democrática do País, inclusive, desde
a perspectiva racial.
Assim sendo, as problemáticas suscitadas diante da temática pode ser
enunciadas por meio das seguintes perguntas:
1) Por que partindo de três matrizes étnicas – ameríndia, europeia e
africana –, a nação chegou a conceber grandes contrastes?
2) Por que os negros, e em menor proporção, os afrodescendentes,
foram particularmente penalizados; e, como este processo pode prolongar no
tempo ao ponto de gerar consequências ainda nos dias atuais?
Diante deste quadro social, desde o início de meus estudos
sociológicos, hipotizei que o estudo do processo de interação social que levou
a este estado de coisas, poderia oferecer respostas que pudessem delinear
alguns aspectos deste processo social que, por um lado, favoreceram a
diminuição das disparidades sociais que envolvem diretamente a toda a população
brasileira; e, por outro, paradoxalmente, relegaram aos negros e aos
afrodescendentes – se comparados com o grosso da população branca – a um lugar
inferior na sociedade. Disso emergiu a hipótese desta tese: a de que, assim
conformada, a nação brasileira, mesmo quando declaradamente democrática,
revelava nestas mazelas étnico-sociais, um dos seus limites maiores; e ainda, que
esta limitação que deita raízes nos primórdios do povoamento territorial,
indicava, por outro lado, que as benesses decorrentes de uma sociedade
plenamente democracia somente margeiam as populações de matrizes africanas por
conta da legislação e das normativas delineadas pela distinção étnica.
Assim a motivação para a presente tese é a possibilidade de avanço
nas pesquisas sobre a problemática da integração do negro e dos
afrodescendentes no Brasil e, com elas, a possibilidade de individualizar
elementos para uma compreensão mais ampla – a partir dos dois maiores
paradigmas interpretativos da problemática da integração africana e
afrodescendente no Brasil, a saber, o de Gilberto Freyre e o de Florestan
Fernandes – de modo que se possa buscar explicação para a lenta mas progressiva
diminuição das diferenças raciais e sociais e dela, à avaliação da presunta
configuração do Brasil como uma democracia racial, étnica e social.
Entrada da Universidade |
O título desta tese fica configurado nos seguintes termos: Relações raciais no Brasil: avaliação do processo
de integração dos negros e dos afro-brasileiros no Brasil a partir do paradigma
interpretativo de Gilberto Freyre e dos aportes de Florestan Fernandes. O argumento desta tese é a avaliação da
problemática da integração da população de matriz africana no Brasil: de suas
origens aos tempos atuais. Sua finalidade, mensurar a pertinência da afirmação
da configuração do Brasil como uma nação racialmente democrática
Vista a vastidão do argumento, o ponto de partida foi não somente
restringir o círculo de autores a ser estudados – neste caso, o antropólogo Gilberto
Freyre e o sociólogo Florestan Fernandes – mas a predileção pelas suas fontes[1]. Os dois autores têm não
somente o peso de serem pioneiros na interpretação do processo de conformação
cultural, étnica e racial do Brasil, por ser os seus paradigmas interpretativos
considerados de grande relevância para a compreensão da problemática racial.
Porque Gilberto Freyre? Por que ele é para os especialistas brasileiros e
brasilianistas de questões raciais não somente o pioneiro na valorização da
matriz africana e do estudo do processo de mestiçagem que deu-se naquelas
latitudes; mas, um dos maiores, quando não o maior, interprete da questão
racial no Brasil; e o primeiro autor brasileiro a tratar de modo exaustivo o
problema da miscigenação no Brasil[2]. E a escolha por Florestan
Fernandes por ser seu maior crítico.
A seleção das fontes obedeceu o seguinte critério: o do contato
direto com os escritos dos dois autores que, de modo sistemático e exaustivo
abordassem a temática aqui estudada, isto é, que abordassem o processo de
integração daquela parte da população de origem africana ou afrodescendente e
da conformação política do Brasil a partir da questão racial: Evitou-se o
contato com os muitos comentadores de um e outro autores, o contato com os
representantes de suas Escolas.. Tal
opção se justifica pois os críticos de um e outro autor, quando tecem
argumentos da incompatibilidade de seus paradigmas, o fazer retoricamente, sem
uma demonstração documental. De fato, pode ser facilmente notado o acento
divergente colocado por muitos estudiosos das relações raciais no Brasil – sem
uma fundamentação teórica e uma comprovação investigativa profunda –, nas
contribuições deles para o entendimento da problemática racial do Brasil. O que
aparece é a contraposição, como se os dois paradigmas si referissem a objetos
de estudos diversos. Acrescente-se a esta primeira justificativa uma segunda,
oriunda do fato que nas últimas décadas o pensamento fernandiano ficou entrincheirado
entre os cientistas sociais da USP, ainda muito marcados pela leitura marxista
da historia; enquanto que o pensamento freyreano foi sendo passível de um revival nem sempre crítico, considerado
somente desde sua vertente antropológica. Basta, para isto, tomar em
consideração duas datas relevantes para o revisionismo da temática e dos dois
autores. Os anos de 1988, centenário da abolição da escravatura negra – onde o
acento posto na avaliação do processo de integração foi netamente fernandiano –,
e o ano 2000, quando pendeu-se para revalorizar as contribuições de Freyre, por
ocasião de seu centenário de nascimento.
Mesmo com os limites apenas estabelecidos, tivemos que estabelecer
um ulterior limite ao interno da produção bibliográfica dos dois autores.
a) No caso de Freyre limitei-me ao estudo da trilogia sobre a
formação da família senhorial brasileira. Isto por um motivo: por que são as
obras cardeais para o entendimento da questão racial brasileira, as que
oferecem de forma sistemática e exaustiva sua interpretação do processo de
integração racial no Brasil, Juntas, as obras que compõe a trilogia cobrem o
arco de tempo que vai dos primórdios da colonização, às primeiras décadas de
República propondo, com isso, uma reflexão completa sobre o viés político que
perpassa o processo de integração das matrizes africanas e afrodescendentes no
Brasil.
b) No caso de Fernandes, parte-se da pesquisa que funda seu
interesse sobre a questão racial no Brasil, a pesquisa para a UNESCO, e nas
duas outras obras que desenvolveram-na. Justifica-se
esta escolha bibliográfica pelo fato que, esta investigação, e seus
desenvolvimentos[3], representam o derradeiro
parecer do autor a respeito da problemática da integração dos africanos e de
seus descendentes e revelam a evolução do pensamento do autor.
Teremos, assim, a temática da
integração dos negros e afrodescendentes no Brasil, estudada a partir de seis
obras, três para cada autor, com o uso secundário de outras obras dos mesmos
autores somente quando retifiquem ou ratifiquem os respectivos paradigmas
interpretativos esboçados nas obras sopra citadas.
Como a finalidade desta tese é a de mensurar a pertinência da
afirmação da configuração do Brasil como uma nação racialmente democrática no
último capítulo da tese esboçar-se-á aquele filão político que se consolida por
meio da reificação da vida pois o que parece vir emergindo nos paradigmas
freyreano e florestaniano é, justamente, um viés marcado pela constante
despersonalização das populações de matriz africana, especialmente, no período
em que vigorou a prática da escravidão no Brasil. Para tal, fez-se uso das
contribuições dos teóricos daquela interpretação da progressiva configuração
política como bipolítica, a saber: Michel Foucault, Giorgio Agamben e Roberto
Esposito.
Havendo estabelecido o sentido e o contexto da política do processo
de integração racial no Brasil, o passo seguinte para levar a cabo a avaliação
da integração racial no Brasil era repassar, de modo exaustivo a legislação e a
normativa relativa à escravidão negra: Haja visto que o Brasil fora oriundo das
conquistas lusitanas ligadas à função missionária atribuída pelos papas
católicos aos soberanos portugueses, a empresa de avaliação dos delimitadores
do ritmo da integração africana e afrodescendente deveria passar
necessariamente pela avaliação dos privilégios e dos direitos concedidos pelos
pontífices aos administradores das terras brasílicas em tudo que concernia o
direito à catividade daqueles povos. Assim, vista a configuração política do
reino português e de suas consequências para a colonização do Brasil, o limite
da análise da configuração política da questão racial foi estabelecido pela
análise do inteiro Bullarium Patronatus
Portugalliæ, que custodia a legislação pontifícia sobre o tema. Todavia,
com o fim do Império e, consequentemente, do Padroado, buscou-se na legislação
sucessiva, amostragem dessa continuidade do filão biopolítico na questão dos
direitos e deveres das populações negras e afrodescendentes brasileiras.
Para concluir esta proposta de avaliação da integração social dos
negros e de seus descendentes partindo das contribuições de Freyre e dos
aportes de Florestan parte-se de que Freyre acentua que a configuração
democrática do país se revela pelo alto grau de miscigenação do povo, pela presença
ascendente dos mulatos no inteiro processo civilizatório e pelo sincretismo
cultural que segundo ele denota a existência de poucas barreiras sociais entre
os diferente tipos étnicos brasileiros. Toma-se, ainda, em consideração que da
amostragem estudada por Florestan Fernandes na cidade de São Paulo – e nas
generalizações que dela subseguiram –, emergia um quando diferente daquele
estabelecido por Freyre; isto é, emergia que, especialmente as populações
negras, com modalidades de preconceitos e discriminações, ficavam
marginalizadas no processo de integração social brasileiro. Assim, para
concluir a proposta investigativa desta tese, era necessário encontrar padrões
de mensuração da pertinência de uma e outra visão dessa relações raciais no
Brasil ou, de um ou outro paradigma. Como era difícil mensurar – mas também
negar a evidência – do sincretismo cultural como aspecto consolidador da
identidade nacional; optou-se por adotar dois critérios: o da mensuração da
miscigenação e o dos indicadores sociais fazendo recurso, respectivamente das
pesquisas de genética aplicada à sociologia e, das estatísticas. No primeiro
caso, fez se referencia ao projeto de mapeamento genético da população
brasileira. Como este é um projeto pioneiro no Brasil, usou-se, exclusivamente,
os resultados publicados. Aqui, foi feito uso de todos os resultados
conhecidos. No segundo caso, o dos dados estatísticos, adotou-se o que é
considerado para as pesquisas estatísticas brasileiras, o padrão; ou seja, os
estudos estatísticos e os censos realizados pelo IBGE, que pela sua extensa
ramificação no território nacional, consegue realizar pesquisas não somente com
amostragens, mas, censos completos que oferecem uma visão mais rica e detalhada
de uma população tão esparramadas numa longa extensão territorial como pode ser
a brasileira. É com base neste dados e com a comparação com a generalizações de
um e outro autor que, finalmente, se pode avaliar o grau de pertinência da
hipotética configuração democrática das relações étnicas e sociais entre
brasileiros nos dias atuais e indicar, ao menos, a existência ou não de uma
tendência neste sentido.
Enfim, como a proposta da tese – a investigação do grau de
pertinência da configuração democráticas no processo de integração racial no
Brasil – passa pela perseguição dos paradigmas interpretativos de dois autores,
Gilberto e Florestan, que dentro das ciências sociais configuraram a temática
racial desde duas perspectivas diferentes – Freyre, desde a perspectiva mais
antropológica que sociológica, Fernandes, desde a perspectiva sociológica –
querendo investigar a tal temática desde estas duas contribuições somente a
combinação de métodos daria a possibilidade de apuramento da questão; e dela, a
partir da contribuição dos dois autores. Assim, a metodologia adotada fora a
mista, visando antes de tudo, as dimensões qualitativas e quantitativas
presentes neste processo investigativo; e, haja vista a dimensão
primordialmente qualitativa do desenho da pesquisa e do material disponível;
exceto pelo uso de dados estatísticos oriundos de outras pesquisas – como as do
IBGE e as genéticas – manipulados no curso desta investigação, justificam, como
dito acima, a necessidade de não excluir o aspecto quantitativo presente na
parte final desta tese. A seguir explanar-se-á sobre o tratamento técnico e
metodológico das duas partes da tese.
Como a temática aqui abordada foi se configurando apoiado-se me dois
autores e em pesquisas realizadas com amostragens representativas das
diferentes regiões brasileiras – seja no caso dos censos nacionais do IBGE,
seja na amostragem das pesquisas sociogenéticas – a maior parte da tese foi
dedicada à catalogação, sistematização, descrição e análise da cosmovisão do
dos autores em torno da configuração , ou não, de um filão democráticos nas
relações raciais; e, nelas, nas relações sociais, condicionadas pela variante
da ancestralidade e pertença étnica aos povos oriundos da África. Praticamente
oitenta por centro deste tese foi dedicada à avaliação destes dois paradigmas
interpretativos. Assim, os três primeiros capítulos passam pela elaboração de
seu paradigma interpretativo, confluindo na hermenêutica dos textos em que o
autor se refere ao Brasil como uma democracia étnica, social ou racial.
No primeiro capítulo procede-se à análise dessa configuração
paradigmática durante o período Colonial brasileiro – respeitando, com isso,
praticamente, a temporalização estabelecida pelo autor na divisão trilógica das
obras analisadas –¸ no segundo, ao período Monárquico; e, no terceiro, aos primórdios
do período Republicano.
À diferença do primeiro capítulo, mais descritivo, o segundo é mais
analítico pois parte do pressuposto que existe não somente continuidade no
processo de integração racial, mas, um viés descontinuo tende a tornar-se mais
espesso com o avanço do processo de consolidação da civilização brasileira por
meio da miscigenação. É nesta direção que caminha a análise das constantes de
integração e, ao mesmo tempo, na análise crítica que revela naquele mesmo
texto, Sobrados e Mucambos, elementos
que demonstrem que o processo de integração não foi completamente linear, mas
ramificou-se em função de variáveis tais como a classe social e a região
geográfica de amostragem, dando origem, ao mesmo tempo, ao processo de exclusão
social.
No terceiro capítulo, após descrever o filão freyreano do processo
de democratização das relações raciais no Brasil, procede-se à análise textual,
como indicado acima, buscando contextualizar as afirmações do autor,
devolvendo-as ao contextos à que pertencem dentro do inteiro paradigma interpretativo
perfilado por ele. E, enfim, concluiu-se a primeira parte com as ressalvas, já
individuadas neste capítulo, e na síntese conclusiva dos capítulos anteriores,
que permitem circunscrever e estabelecer o limite da contribuição freyreana
para a avaliação do processo de integração dos negros e dos afrodescendentes à
luz deste processo nos dias atuais.
Como na primeira parte, na segunda, optou-se pela introdução aos
dois capítulos finais apresentando o viés que perpassa-os: o viés sinalizador
do aporte de Florestan Fernandes como uma pormenorização de alguns aspectos
tratados marginalmente no paradigma freyreano – a persistência do preconceito e
da discriminações ligadas à cor e à ancestralidade africana, as possíveis
razões dessa postura –, o viés do reconhecimento de Freyre da importância e
novidade dos aportes dados pelas pesquisas de Florestan Fernandes; e, o
processo de releitura proposto por Florestan à luz do prolongamento da ditadura
militar e conservadora no Brasil das décadas de sessenta, setenta e parte da
década de oitenta. Outrossim, introduziu-se os elementos propostos para a
avaliação final, e conclusão desta pesquisa: a releitura do inteiro processo de
integração à luz da configuração biopolítica da legislação e da normativa
relativa à escravidão negra, a contribuição de dois tipos de pesquisas para a
leitura do processo de integração hodiernamente. Se, a metodologia experimental
desde a segunda metade do século passado oferecera seu contributo empírico para
a compreensão científico-social da problemática racial, não indicara
alternativas para sua superação. Assim, além de ilustrar a modalidade de
obtenção e usos dos dados estatísticos e das tendências nacionais, foi
ressaltada a importância do início do mapeamento genético da população
brasileira como elemento fundamental não somente para a compreensão
antropológica do problema, mas, para a reavaliação dos dados que emergem nas
pesquisas estatísticas e, principalmente, para a compreensão do grau de
pertinências da inteira problemática levantada pelo processo de integração
racial negro e afrodescendente brasileiro. Nestes termos, o quarto capítulo é
finalizado a compreender como Florestan Fernandes fundou sua crítica e analisar
o grau de validade desta. Parte-se usando o método descritivo a partir do processo
de concepção de seu paradigma interpretativo e de sua interpretação em outras
obras situadas dentro do contexto de avaliação socio-histórica que o autor
propõe, seja da conjuntura brasileira, seja das tendências latentes nesta. Após
esta descrição, se parte para análise dos elementos que, em Florestan Fernandes
conformam as discriminações raciais e sociais sofridas por aquela parte da
população e sua função social dentro da cosmovisão do autor. Enfim, em modo
analítico-sintético, busca-se estabelecer, dentro desse estudo textual, a
pertinência das críticas florestanianas ao paradigma interpretativo de Freyre,
e de modo especial, à questão da configuração do processo de integração como um
processo democrático.
Havendo sistematizado, compreendido e estabelecido a síntese
conclusiva de cada um dos dois paradigmas interpretativos, inserindo-os também
dentro do contexto histórico no qual foram elaborados, era necessário um
elemento que pudesse servir de parâmetro para que se pudesse emitir um juízo
sobre o grau de pertinência desses paradigmas, tendo em consideração, também
suas previsões, visto que suas pesquisas já podem ser estudadas e vistas dentro
de um quadro histórico da problemática racial. Foi por isso que buscou-se parâmetros
capazes de servir não somente como suporte par a avaliação da situação da
integração racial no Brasil hodierno, mas, da atualidade das contribuições
dadas pelos autores. O ponto de partida foi a descrição do contexto em que se
deu a inserção e aviou-se a integração dos povos africanos em terras
brasileiras. Por isso no último capítulo se partiu da configuração das relações
entre senhores e escravos, numa sociedade de homens livres baseada no desfrute
da mão-de-obra humana cativa, uma relação sempre mais sutilmente biopolítica,
como pode-se vista a partir da descrição da política segundo Foucault, Esposito
e Agamben e de sua confirmação a partir da análise documental da questão racial
nas legislações e normas a este respeito no período escravocrata brasílico.
Postas estas premissas, passou-se à avaliação do quadro atual da questão racial
no Brasil partindo de três dados fundamentais: as estatísticas, fruto dos
últimos censos a nível nacional e de extrapolação em tendências; e, os
primeiros dados sobre o mapeamento genético da população brasileira. Este
último, com amostragem de diferentes regiões e em diferentes etnias. O recurso
estatístico confirma a maior integração social dos mestiços – também chamados
de pardos – mas não consegue explicar as razões da configuração, e, sobretudo,
não consegue penetrar no âmago da questão, a saber: a racionalidade de um dado
que não encontra suporte a nível institucional que possa ratificar a
perpetuação da problemática. Por isso, visto que se trata de um problema social
arraigado no tecido social mas sem suporte institucional, a avaliação final do
problema passa, antes de tudo, no entendimento do mapeamento econômico, mas
também cultural e étnico da população brasileira. E, para este fim, a análise
dos dados socioeconômicos da realidade brasileira em chave racial ilustra a
situação hodierna mas, carece do esclarecimento que a análise da composição
genética, e de consequência, étnica, do tecido social brasileiro pode fornecer;
permitindo, assim, fazer uma avaliação final da problemática da integração
social brasileira lida desde a perspectiva racial e, dela, de como tem si
configurado a problemática e, mais ainda, a possibilidade de um juízo, neste
caso, com respaldo antropológico, da irracionalidade antropológica e genética
do racismo brasileiro e a sua função sociológica dentro da estrutura social,
abrindo espaço para a contextualização e para um juízo sobre a pertinência da
caracterização do Brasil como uma democracia, vista desde a perspectiva do
processo de integração racial e, nele, da integração social. Para avançar com
uma investigação assim estruturada, guiado pela perspectiva sociológica, mas
apoiando-se em fundamentos antropológicos, políticos e históricos, somente o
uso de uma metodologia mista, qualitativa e quantitativa, pode sanar as lacunas
de um tema transversal nas ciências sociais, como pode ser o caso do racismo e
do preconceito.
Como foi explicitado anteriormente, tem-se escrito de modo imbricado
sobre Gilberto Freyre e Florestan Fernandes – mas não necessariamente nesta
ordem – e suas contribuições à problemática racial brasileira. Mesmo no caso
exemplar da crítica florestaniana, somente a reconstrução do percurso
gilbertiano, a partir da análise das fontes, pode por as bases para um diálogo
e para a avaliação do seu paradigma interpretativo; e, do grau de pertinência
das críticas tecidas. Igualmente, como Freyre não focalizou o processo de
integração dos negros e dos afrodescendentes em uma única obra,
sistematicamente; mas o fez somente enquanto dedicava-se ao estudo da formação,
consolidação e desintegração da sociedade patriarcal brasileira, esta tese
oferece um primeiro aspecto de originalidade ao sistematizar o pensamento
gilbertiano entorno ao complexo processo de integração dos africanos e dos
afrodescendentes no Brasil colonial, imperial e republicano. Por isso a maior
parte da tese – toda a primeira parte – é dedicada à análise das fontes e na
elaboração do processo de integração dos negros e afrodescendentes.
Já, na segunda parte, a originalidade recai sobre três pontos. O
primeiro: a reconstrução do paradigma fernandiano de interpretação das relações
entre brancos e afrodescendentes no Brasil austral a partir dos seus primeiros
estudos sobre o tema e que revelarão, deste modo, o progressivo abandono da
interpretação objetiva dos dados recolhidos para uma interpretação mais
subjetiva, condicionada pela deriva da intervenção dos militares na política
brasileira que culminou com os anos de exceção do sistema democrático por meio
da instauração de uma ditadura dos militares que, inclusive, chegou a exilar
Fernandes. O segundo ponto é a releitura do processo de integração dos
africanos e dos afrodescendentes à luz da legislação e das normas ditadas pelo
Estado português e brasileiro e pela Igreja Católica[4]
que foram determinantes no processo de reconhecimento de sua dignidade humana e
de sua inserção como cidadãos brasileiros. A reconstrução deste processo,
partindo do estudo das fontes documentais oficiais visa agregar aos dois
paradigmas interpretativos – o de Gilberto e o de Florestan – um ulterior
elemento, ausente ou superficialmente tratado, que possa contribuir para o
entendimento do grau de colaboração das duas mais importantes instituições do
período colonial e imperial – que abrange os quatro primeiros séculos da
historia brasileira – para conformação atual destas relações raciais em
território brasileiro. Um último aspecto original da tese reside na proposta de
reavaliação dos dois paradigmas interpretativos do porvir das relações raciais
no Brasil por meio de uma interpretação da situação atual que supere – por meio
de dados estatísticos atuais e de alguns estudos sociogenéticos das populações
brasileiras – a ambígua dimensão fisionômica de cada pessoa e conduza à sua
ascendência étnica, às consequências de sua pertença a uma classe social e à
sua circunscrição territorial; visto que, o intercruzamento destes fatores
determinam, no Brasil, o grau de complexidade da questão e uma chave na adoção
de políticas de discriminação positiva que favoreça o resgate social das
porções mais desfavorecidas da população durante o processo civilizatório
brasileiro.
Com o Moderador e o Censor |
A tese é composta de duas partes. A primeira parte é intitulada A cosmovisão freyreana e o processo de
integração do negro e dos afro-brasileiros, da época colonial às primeiras
décadas da república, à luz da trilógica «Introdução à historia da sociedade
patriarcal no Brasil»; e se
subdivide em três capítulos e visa explicar como o paradigma gilbertofreyreano
de interpretação das relações raciais no Brasil contempla, contemporaneamente,
o quádruplo destino dos africanos e dos afrodescendentes em territórios
brasílicos durante o longo e contínuo processo de integração racial, a saber: o
extermínio, a acomodação, a assimilação e a integração; explica como Freyre
estuda este processo desde a perspectiva da emersão do tipo humano brasílico
como sendo o resultado do encontro de povos geradores de um povo sincrético
culturalmente e miscigenado racialmente. Busca-se ainda, entender em que
sentido se pode atribuir a Gilberto Freyre a paternidade da afirmação da
conformação do Brasil como uma democracia racial. A segunda parte é intitulada Avaliação
do processo de integração dos negros e dos afro-brasileiros no Brasil a partir
dos aportes do paradigma fernandiano de interpretação das relações raciais no
Brasil. Esta parte se subdivide em dois capítulos que, partindo do
primeiro, reavalia o processo de integração dos negros e dos afro-brasileiros
no Brasil, explicando as ressalvas feitas por Florestan Fernandes ao
desenvolvimento deste processo nas regiões brasileiras de menor tradição no uso
da mão de obra escravocrata negra na produção de riquezas; e de menor
concentração de populações afrodescendentes. Num segundo momento reavalia o
processo de inserção destas gentes partindo das legislações e normativas civis
e religiosas que frearam-no em prol de uma política racista, classista e
regionalista que descuidava da amplidão da problemática, deixando-a desfocada
até os dias atuais; e polarizando as contribuições de Gilberto Freyre e de
Florestan Fernandes que, vistas em conjunto, permitem ler a situação atual e
apontar para uma melhor impostação do problema das disparidades sociais
brasileiras. Seja a primeira que a segunda parte do trabalho tem uma
introdução própria; enquanto que ao final de cada capítulo segue uma conclusão
que, de modo breve, sintetiza as aportes perseguidos que corroboram para a
reavaliação da inteira problemática.
A primeira parte:
O capítulo I, intitulado «Casa-grande
& senzala» e a atividade do negro
na formação da família e da sociedade brasileira analisa a primeira parte
da obra trilógica gilbertofreyreana visando identificar os fatores do
desencadeamento do processo de amalgamento dos povos que primordialmente
colonizaram o Brasil e seus diferentes contributos para a conformação da família e a sociedade brasileira. Como nos demais capítulos, neste, o acento vai sendo posto nos
africanos, nos afro-brasileiros; e nos diferentes destinos que tiveram no
processo de colonização do Brasil e os fatores que o determinaram. De fato, para
Freyre a escravidão negra deu espaço, não só para que o Brasil fosse sendo
povoado e gerasse riqueza econômica, mas, a causa da sua longevidade – dentre
outros fatores – terminou proporcionando um encontro de raças e culturas, dando
lugar à miscigenação que gerou um povo híbrido, biológica e culturalmente.
Enfim, vista a rápida difusão
desta obra dentro e fora do Brasil – e a aparição de muitas apresentações e
críticas, que o autor julgou por bem anexar à obra – no capítulo se analisa
ainda os primeiros movimentos crítico e autocrítico de seu conteúdo em função
do que o autor entendia como ratificação e retificação de partes do seu
conteúdo. A atenção à crítica externa, aqui, se justifica pelo fator de ser
esta obra usada – quase exclusivamente – como representativa de todo o
paradigma gilbertiano de interpretação das relações raciais.
O capítulo II desta dissertação, intitulado «Sobrados e mucambos»: os
negros e os afro-brasileiros na dinâmica da paisagem social brasileira dos
séculos XVIII e XIX, é dedicado a individuar
os elementos de continuidade e de descontinuidade no processo de inserção dos
africanos e dos afro-brasileiros – e seu viés interpretativo iniciado em Casa-grande & Senzala – na perspectiva desta que é a
segunda parte da trilogia gilbertiana e que trata do estudo deste processo
durante a decadência
do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. A finalidade deste capítulo é
explicar como a expansão territorial brasileira; a diversificação dos meios e
da produção de riqueza; o deslocamento do eixo econômico do nordeste para o
sudeste – principalmente após a chegada da família real portuguesa e a
consequente transformação do Brasil em Reino Unido e, depois, em Império –; a
urbanização e o progressivo processo de miscigenação modificou a configuração
da paisagem social que se consolidou no Brasil colonial e paradoxalmente
provocou a exclusão dos negros e maior inserção dos afrodescendentes na família
e na sociedade. De fato, para Freyre, no período colonial consolidou-se não
somente o tecido formador da sociedade patriarcal, mas, também sua célula, a
família. E é na família miscigenada que ele apoia-se, maiormente para perseguir
o processo de integração dos negros e dos afrodescendentes; para elaborar
alguns paradigmas do processo de integração dos afro-brasileiros; e para traçar
o prelúdio da moderna dinâmica social brasileira, a saber: a miscigenação
racial, o sincretismo cultural e a relatividade do choque de antagonismos
raciais, classistas e regionais no Brasil.
O capítulo III tem como título O
Brasil republicano de «Ordem e
progresso»: dos antagonismos de raça,
de classe e de região à descoberta da democracia racial. Com este capítulo
conclui-se a sistematização e análise do paradigma gilbertofreyreano de
interpretação da evolução das relações raciais em território brasileiro
presentes em Ordem e Progresso, que é
a terceira e última parte da introdução à historia da sociedade patriarcal
brasileira que durou mais de quatro séculos. Este capítulo se presta a colher
os últimos aspectos do processo de inserção e integração dos negros e dos
afro-brasileiros após o fim do escravismo, durante as primeiras cinco décadas
do século passado e da consolidação do sistema republicano brasileiro. Nele, se
explicam quais seriam, para Freyre, as causas dos antagonismos raciais,
regionais e sociais dos brasileiros; e, porque para ele os antagonismos tendem
a se equilibrarem. Enfim, submete-se a análise todos os
textos gilbertianos conhecidos – dentro e fora da trilogia – em que o autor,
usou os termos «democracia racial», «democracia étnica», «democracia social». O
escopo, neste caso, é o de dar um parecer sobre a pertinência da caracterização
feita por este cientista social – desde a perspectiva do processo de inserção e
integração dos africanos e dos seus descendentes – do Brasil como uma
democracia racial.
Em suma: esta primeira parte visa fornecer respostas a três das
perguntas que inspiram esta tese: se originalmente a formação populacional
brasileira era composta por três matrizes étnicas, porque nota-se hoje a
existência de diferenças sociais entre as mesmas; porque as populações negras,
dentre as três, foram as mais penalizadas e, enfim, como e porque no decorrer
do tempo essa discriminação racial pode geram consequências que perduram até os
dias atuais. Para isto, estes três capítulos – que compõe uma unidade
explicativa – será articulado em três modos: na sistematização do pensamento
freyreano, à luz da trilogia – e não somente desde Casa-grande & Senzala, como comumente é feito –; na inserção do
sentido original dos textos freyreanos – texto, algo sobre a historia do texto
e contexto do autor – por meio da interpretação do que realmente foi dito por
ele; isto é, a explicação do por que Freyre interpretou daquele modo as
relações entre negros, afrodescendentes e brancos; e, enfim, no esforço
compreensivo-interpretativo da cosmovisão gilbertofreyreana que colocará as
bases para o reconhecimento dos aportes de Florestan Fernandes que marcará o
inicio da segunda parte da dissertação. Antes, porem, a modo de delimitação,
será estabelecido o sentido da afirmação gilbertiana de que o Brasil seja uma
nação racialmente democrática. Como e porque, para ele, deu-se uma
democratização nas relações raciais e, um primeiro, mas não definitivo parecer,
sobre a pertinências de sua afirmação em vista do estado desta relações no
Brasil que ele estudara, a saber: o Brasil da primeira metade do século XX.
A segunda parte:
Se a novidade da interpretação gilbertiana deitava bases na leitura
antropológico-cultural da integração nacional, na acentuação daqueles aspectos
e daqueles espaços sociais de convivência inter-étnica e, consequentemente de
amalgamento racial e cultural, acenava mas não aprofundava o problema das
barreiras socioeconômicas, informais e legais – não indiferentes – que foram
sendo postas durante o processo de integração dos africanos e dos
afrodescendentes e que, junto àquela porção da população que si integrava, era
relegada às margens da vida social e econômica do período brasileiro
pré-republicano. À leitura maiormente antropológico-cultural gilbertofreyreana
faltava uma outra, capaz de alargar o foco da problemática da integração;
faltava o aprofundamento dos fatores econômicos, e, de consequência,
socioeconômicos que, eram os fatores que mais refletiam à incapacidade de
aceitação da hipótese gilbertofreyreana de que o Brasil estivesse
configurando-se como uma democracia racial. Isto, essencialmente se analisado
desde o lugar dos negros na sociedade hodierna. Assim, vista a sua propensão em
fixar-se nos elementos conciliadores das diferenças e propulsores da integração
dos africanos e dos afrodescendentes, faz-se necessário – para poder levar a
cabo a proposta central desta tese, isto é, a do entendimento do grau de pertinência
da configuração do Brasil como uma democracia racial – buscar em outra
perspectiva o aprofundamento necessário para o processo de marginalização de
uma parcela não indiferente dessas populações negras e que possa assim, agregar
aos pressupostos já dados por Freyre, outros que favoreçam a avaliação deste
processo de forma mais ampla. É neste sentido que esta segunda parte da tese a
– Avaliação do processo de integração dos negros e dos afro-brasileiros no
Brasil a partir dos aportes do paradigma fernandiano de interpretação das
relações raciais no Brasil – tem como base os aportes de Florestan Fernandes ao
estudo iniciado por Freyre. Ele – e seus colaboradores – com seus estudos sobre
os escravos e os negros nas zonas meridionais do Brasil, contribuíram não
somente para o maior entendimento da peculiaridade das relações raciais nas
zonas austrais brasileiras, mas, também, para a melhor compreensão de alguns
aspectos enunciados por Freyre como podem ser o da menor possibilidade dos
negros em acenderem socialmente, o prolongamento dos estigmas da escravidão na
vida dos afrodescendentes em forma de preconceito de cor e limitação à
mobilidade social; e, a função do preconceito e da discriminação na conservação
– ou na superação – da estrutura social patriarcal após o fim da escravidão
negra. Assim, a contribuição de Florestan Fernandes é, também, uma crítica ao
paradigma interpretativo das relações raciais no Brasil como fora esboçado por
Freyre.
Postas estas bases no capítulo seguinte, se prosseguirá, no derradeiro
capítulo, à busca de resposta das duas perguntas finais que motivaram esta
investigação e que consistem em: estabelecer qual foi e qual tem sido o viés
político e ético do processo de integração dos negros e dos afrodescendentes –
seja a nível individual que coletivo e institucional –, e como possa ter
acarretado uma neta separação ente a integração dos negros e a integração dos
afrodescendentes, permitindo estabelecer os paramentos reais que possam
configurar o processo de integração destas parcelas da população nos dias
atuais. Ou seja: partindo dos dois autores, onde se pode chegar e como se possa
avaliar o processo de integração apontando possíveis vias capazes de sanar a
problemática da configuração das relações raciais no Brasil haja visto que o
país goza do status de nação democrática.
Assim, o capítulo IV é dedicado ao paradigma florestanfernandiano de
interpretação das relações raciais no Brasil e por isso é intitulado Florestan Fernandes
e as novidades na interpretação da questão racial. Neste capítulo se
busca analisar o grau de pertinência da consideração do paradigma de Fernandes
como um momento de ruptura com o de Freyre. De fato, à diferença de Freyre,
Fernandes havia um universo de sua amostra que poderia circunscrever-se, ao
máximo, às zonas meridionais brasileiras. Isto também porquê, a maturação de
seu paradigma interpretativo foi sendo condicionado pelas mudanças
sociopolíticas brasileiras ocorridas a partir dos anos sessenta do século
passado e que o conduziram a entrever no autorreconhecimento dos negros como
uma classe oprimida, a única solução para uma revolução que pudesse sanar o
debito histórico acumulado para com os estes brasileiros. Outrossim, será
apresentada e avaliada a argumentação usada pelo autor para negar a conformação
do Brasil como uma democracia racial.
O capítulo V, Avaliação do processo de integração dos negros e dos afro-brasileiros a
partir do viés biopolítico que o perpassa e das contribuições dos paradigmas
freyreano e florestaniano
enfeixa os demais capítulos, pois oferece os pressupostos necessários para a
avaliação das contribuições de um e outro paradigma interpretativos das
relações raciais no Brasil. Parte-se de uma análise documental que permite
explicar porquê o africano, a diferença dos indígenas – principalmente durante
o período colonial – recebeu um tratamento reificante; e, com as novas ondas de
imigração, foi carregando consigo os preconceitos e discriminações acumulados
durante aquele período. Destino diferente, se explica neste capítulo, dos miscigenados
que passaram a receber tratamento diferenciado e que formam, nos dias atuais, o
grosso da população nacional, como comprovam os estudos sociogenéticos e os
dados estatísticos submetidos, objetos de exposição e análise.
Entre amigos |
Minhas manas |
Partindo do interesse pessoal e da importância da temática da
integração dos negros e afrodescendentes, foi analisado o quanto tal princípio
esteja ainda aquém da conformação do Brasil como uma nação plenamente
democrática; principalmente se for analisada desde o prisma das relações
estabelecidas, desde os primórdios do povoamento do Brasil, entre os africanos
– e seus descendentes – e os demais componentes da população brasileira.
Da hermenêutica da trilogia gilbertiana, por exemplo, emerge que seu
paradigma interpretativo concebe o processo civilizatório brasileiro como uma
paulatina conformação democrática do Brasil. Confia no tempo, mas, descuida de
suas mazelas; acentua a irracionalidade da discriminação racial baseada nos
aspectos fisionômicos dos seres humanos, indicando a comum ancestralidade
miscigenada, a comum cultura sincrética e a própria diversidade cultural na
unidade como fatores de conformação da democracia. O acento mais
antropológico-cultural que sociológico do paradigma gilbertiano finda com
restringir sua validade na avaliação do processo de integração dos negros e dos
afrodescendentes pois é negligente exatamente naquilo que caracteriza a
antropologia atual: sua visão holística do homem por meio do estudo confluente
de fatores genéticos, culturais, socioeconômicos, políticos no delineamento de
uma visão mais completa do homem. Justamente por que faltou a Freyre a
confluência destes fatores, sua hipótese do Brasil como uma democracia racial,
inserida no tempo em que esta fora elaborada, é invalida pois a própria
democracia era instável e em fase embrionária àquela época. Igualmente, as
fortes diferenças sociais existentes à época entre os componentes da população
seccionados segundo a cor da pele ou de suas raças impede de associar a forte
miscigenação brasileira com a democracia pois excluía de sua análise a minorias
existentes e contemplava, tão somente, no contato de culturas, como no caso
citado por ele das empregadas domésticas, a possibilidade de avanço do
amalgamento cultural e de superação de preconceitos. Fora do apoio na
miscigenação para a demonstração do preconceito, o modelo gilbertiano pouco
contribui para a aceleração da integração racial e para a própria consolidação
de uma democracia vista desde seus viés racial. A perspectiva antropológica de
seu estudo ilumina mas não consegue apresentar soluções para a diferença
socioeconômica em um breve prazo; e restringindo-se a apresentar a tendência
miscigenadora da população brasileira finda por ser um forte recurso em favor
de uma biopolítica em sua acepção negativa pois aponta para a solução do
problema por meio da constatação da dissolução das minorias étnicas e da
imposição da cultura hegemônica luso-brasileira.
Já, a contribuição do paradigma interpretativo de Florestan
Fernandes para a avaliação aqui proposta está na leitura do processo de
integração desde a perspectiva dos negros; das associações negras, em suma, da
realidade em que estes vivem. Florestan foi um arguto interlocutor destas
minorias, mas, de modo especial, dos grupos negros mais organizados e
politizados que se formavam na cidade de São Paulo a partir dos anos cinquenta
do século passado. Dele emerge alguns aspectos mais claros do preconceito – sua
percepção por parte de quem o sofre, sua presença latente até mesmo em certas
manifestações culturais –, emerge a conformação biopolítica do agir estatal por
meio tão somente da manutenção da vida – no período escravista – da maior parte
das populações negras e escravas do Brasil; isto, enquanto a proporção entre a
manutenção da vida e margem de lucro não incoresse
em dano para seus proprietários.
Todavia, os dois paradigmas, lidos em conjunto de desde diferentes
perspectivas, como o foram em sua origem, pode oferecer respostas que capazes
de delinear alguns aspectos deste processo social que, por um lado, podem
favorecer à diminuição das disparidades sociais; e, por outro, paradoxalmente,
relegaram aos negros e aos afrodescendentes, quando comparados com o grosso da
população branca, a um lugar inferior na sociedade. Tomando os como modelos
interpretativos pode-se encontrar uma resposta convergente para os dois
primeiros problemas sobre os quais circulam a questão da integração dos negros
e dos afrodescendentes, e do porque se partindo de três matrizes étnicas, o
país chegou a conceber grandes contrastes; e, o de porque os negros, e em menor
proporção, os afrodescendentes foram particularmente penalizados e como este
processo pode prolongar-se no tempo ao ponto de gerar consequências ainda nos
dias atuais. Todavia, pode-se concluir, os dois autores sobre os quais esta
tese apoiou-se para interpretar o processo de integração dessa gente de origem
africana foram incapazes de traçar sistematicamente um viés político que desse
razões – desde a perspectiva dos poderes institucionais sobre dos quais o
processo de inserção de africanos no processo civilizatório brasílico teve sua
gênese e seu ocaso –, para o acumulo do débito histórico decorrente do escravismo
e seu prolongamento após a cessação deste sistema de exploração humana
plurissecular; o que foi respondido com a configuração de uma biopolítica
lusitana e brasileira e nos perigos do prolongamento desse viés em decorrência
de sua assimilação pelo paradigma gilbertiano.
Postas tais premissas é possível enfeixar esta pesquisa concluindo
com a ratificação da hipótese que guiou-a: a de que a atual constituição social
brasileira impede que se faça a simples afirmação de que o país se conforme a
uma democracia racial. E isto partindo, como foi feito na tese, de três
parâmetros: o das diferenças socioeconômicas entre negros, afrodescendentes e
brancos; o do processo histórico de miscigenação; e, o mesmo processo de
democratização do país.
Antes de mais nada, as estatísticas atuais desenham o panorama
social brasileiro atual revelando a grande diferenciação social entre os três
maiores componentes raciais da população. Enquanto os pardos se perfilam como
os que gozam de maior mobilidade, os negros e brancos se apresentam
tendencialmente como os extremos dessa polarização; os brancos entre os mais
ricos e os pretos ente os mais pobres. Embora este não seja um modelo rígido –
todos os pretos nos escalões mais baixos, os pardos no meio e os brancos no
alto – tende-se há haver uma maior concentração de brancos e pretos nestes
extremos sociais; mesmo se, como foi visto neste estudo, tende-se a haver maior
promoção social dos negros em função da consciência governamental – em
consequência dos debates públicos das últimas décadas – por meio da assunção de
empenho a nível nacional e internacional, enquanto fruto do reconhecimento de
um débito histórico para com esta parcela da população em decorrência do plurissecular
escravismo africano em terras brasileiras. Como dito acima, a superação deste
panorama social é em ato e progride, paulatinamente sem todavia, conseguir
superar em breve tempo este quadro social que foi sendo desenhado desde os
primórdios da colonização. As ações afirmativas, dentro deste quadro, assumem o
papel de balanceador das injustiças para com estes povos, mas não pode ser tido
como via exclusiva para o saneamento das diferenças sociais brasileiras pois
exclui desse programa outras minorias, correndo
o risco de findar por ser um ulterior programa de exclusão de outras
minorias étnicas presentes no território como pode ser o caso dos povos
indígenas.
O segundo fator contra a declaração do Brasil como um democracia
racial é a miscigenação; ou melhor, o processo histórico que fê-lo desencadear.
De fato, como pode ser visto, a miscigenação foi se dado por fatores alheios à
vontade das três matrizes que corroboraram para a sua consecução. A constrição
da liberdade e a ausência de igualdade como norteadores desse tipo de relação
constitui um real obstáculo no reconhecimento de seus méritos como são
contribuinte da democratização das relações raciais naquelas terras. Hoje em
dia, a constrição dessas relações, todavia, mesmo podendo lograr a superação da
imobilidade social de partes da população, faz um ulterior dano pois poda o
avanço da meritocracia como fruto do processo de democratização das relações
inter-étnicas.
Enfim, o mesmo processo de democratização do país impede de atribuir
a este o título de uma plena democracia; e isto porque o processo de democratização
do Brasil é recente e instável. Mesmo podendo atribuir sua origem à proclamação
da República, faz se necessário ressaltar que o país conhecera vários períodos
de exceção como os anos quarentas e as mais duas décadas contadas a partir do
final da primeira metade dos anos sessenta do século passado. Somente após a
instauração da democracia política, após o ano de 1985 é que concretizou-se o
interesse pela integração das minorias negras não somente para sanear o débito
histórico acumulados para com estes, mas para aceleração do desenvolvimento
visto que praticamente a metade da população era de origem afrodescendente.
Como foi visto, muito mais do que Freyre, é Florestan que permite
afirmar que não houve nenhuma conformação do país numa democracia racial no
país pois não somente faltou-lhe o respeito pelas minorias étnicas; mas,
princípios democráticos quais a liberdade e a igualdade e a consciência da
interdependência das populações formadoras do povo brasileiro eram em neta
oposição com a conformação do Brasil colonial, Imperial e, por muitas décadas,
republicano.
Vista a conformação socioeconômica, étnico-racial e regional do
Brasil, analisada na última parte desta tese, resta concluir que não obstante
suas contribuições, a visão do porvir do processo de integração de Freyre e de
Fernandes devem ser superadas se si pretende ter uma visão mais atual da
questão. A indicação da superação de uma e outra projeções não é somente a
condição de saneamento da questão posta como tal, supõe reconhecer a validade das
contribuições de um e outro autores, indicando os elementos iluminadores do
porvir destas relações raciais no Brasil como são o da irracionalidade do
preconceito e da descriminação negativa, e a necessidade de reformulação do
processo em chave negra e afrodescendente. Mas, para dar este arremate final é
justo repetir: soluções gerais não sanam os problemas regionais; desfiguram-no.
Podem traçar diretiva, mas não sanam-na vista a complexidade da composição
étnica, social e regional do Brasil. Mas, a insistência na irracionalidade do
preconceito e da discriminação negativa – como o fizera Freyre – e a
necessidade de políticas de descriminação positiva – como destacara Fernandes
–, constituem um passo fundamental no processo de resgate do débito histórico
para com negros e afro-brasileiros e, consequentemente de avanço progressivo na
conformação do Brasil como uma democracia desde uma perspectiva varia quais
podem ser a racial, a étnica e a sociopolítica.
Concluindo a cerimônia
Juizo da banca examinadora |
Para concluir a cerimônia, agradeci aos presentes, meus paroquianos
e amigos de Roma e Farnese, lugares onde exerci meu ministério pastoral. Ainda,
minha família, ali representada pelas minhas irmãs Claudia Rocha Ferreira e
Keila Rocha Santos Barros; e, pelo meu amigo e confrade P. Christiano Silvestre,
que representou minha Arquidiocese. Assim, antes de participar do pequeno
coquetel, organizado por alguns amigos, resumi o seguinte agradecimento,
reproduzido, a seguir, na sua forma integral.
Agradecimentos
Cristo
amigo, tu es minha vida, a minha força, a razão do meu ser, já me anima, a doce
esperança, de um dia, na glória ti ver,...
Em memória dos que: por afinidades sentimentais intercederam da
eternidade: meus pais, parentes, paroquianos, amigos; dos que, permanecendo
anônimos ante minha memória, intercederam para que suas causas fossem
retomadas: meus irmãos dos navios negreiros, arrancados de suas terras e
trasladados para as Américas, meus irmãos que sonhando o eldorado europeu
arriscam suas vidas no desesperado desejo de transpor a barreira mediterrânea
que separa o sonhos da realidade;
Em gratidão às maternas Francisca Martinez Martos, Isabel Bueno
Damas, Anna Maria Martos, O.P., Anna Di Paolo, Maria Vittoria Rossi, Alessandra
Curre; di Angelo Santamaria; de Gianluca Liberati – meus anjos bons – que
deram-me suporte, ensinando-me que o amor não conhece limites – nem de
território, nem de sangue, nem de raça, nem de sexo – que somos todos partes da
Criação; e, que, quando se sonha juntos – como diria Dom Hélder Câmara –
encontramo-nos a um passo da transformação da utopia em realidade.
Aos que nutriram e contribuíram para que este momento se
concretizasse: minha família, [aqui representada pelas minhas irmãs], que
deram-me força, recordando-me, me sempre de
onde saí e para onde estou indo; ao meu amado arcebispo – pastor e amigo –
Dom José Palmeira Lessa [aqui representado pelos meus confrades], que
incentivou a caminhar e teve a evangélica paciência esperar-me ao longo desta
estrada; aos que deram-me suporte espiritual, intelectual e material: aos
paroquianos da paróquia romana dedicada a Santa Paola, onde iniciei meu
ministério, aos paroquianos e amigos da Paróquia Santa Maria Assunta de Capodimonte
(VT) e aos meus amados paroquianos de Farnese, onde como pároco saboreei o mel
e o fel da vida eclesial e do mundo clerical; às famílias religiosas – o Opus
Dei, os Legionários de Cristo, a Companhia de Jesus, à Ordem dos Pregadores
(dos Padres e Madres Domenicanas) e à Ordem dos Frades Menores –; às seguintes
instituições: a Embaixada da França Junto à Santa Sé, a Stictin Porticus e a Adveniat, pois tornaram fatíveis os
estudos até aqui empreendidos.
À diocese de Viterbo, nas pessoas de seu bispo emérito, Mons.
Lorenzo Chiarinelli e de don Franco Magalotti, que encarnando uma máxima
joaopaulosegundiana – dentro da Igreja Católica, ninguém se sinta como um
estrangeiro – fizeram da Itália e da Igreja Viterbese a minha segunda pátria,
segunda casa; meus formadores, don Carlos Moreda e P. Juan Manuel Dueñas, L.C.,
faróis de entusiasmo, serenidade e pureza em meu caminho ao sacerdócio; a Helen
Alford, OP, vice-decano da Facoltà di
Scienze Sociali que, marianamente, soube observar todos as coisas em seu coração, tornou-se o maior ícone
mariano nesta última etapa de minha formação; à professora Paola Benevene, que
vasculhou pacientemente toda a dissertação, garimpando as imprecisões de modo
tão meticuloso que permitiu-me, juntamente com meu moderador de dar mais linearidade
à investigação.
Aos meus Mestres – seres humanos de profunda lucidez evangélica e
entranhada sintonia com a realidade – sociólogo Odelso Schneider, o historiador
e teólogo Franco Azzalli, e os filósofos Dário Antiseri e José Ramón López de la Osa; que me ensinaram que para
aprender a ser mestre, é necessária a inteligência, a persistência e a
docilidade.
A todos, vocês, meus senhores e senhoras, amigos, meu afeto e minha
eterna gratidão... Que Deus lhes pague!
[1] Feita esta restrição bibliográfica, agregou-se à bibliografia
principal uma bibliografia complementar com textos dos principais interpretes,
comentadores e críticos consultados durante a redação do projeto doutoral e que
serviu de fundamento para a sustentação da afirmação feita acima ou seja: a de
que somente um retorno às fontes, pode realmente estabelecer o alcance, o
limite e o grau de contribuição que ambos os autores pode dar para o
entendimento da problemática da integração negra e afrodescendente no Brasil.
Nessa bibliografia complementar aparecem ainda os estudos socio-históricos que
contribuíram para o entendimento da gênese e do desenvolvimento da questão
racial no Brasil e da inserção dos dois autores no percurso interpretativo da
questão.
[2] É deste parecer a grande
maioria dos pesquisadores da questão racial a começar do próprio Florestan
Fernandes e outros pensadores uspianos como Cardoso, Ianni, e Motta.
[3] Três obras de Florestan
Fernandes serão o eixo do capítulo dedicado aos seus estudos. Aparecerão outras
obras, que não tratam da questão, mas insere-a dentro de sua concepção da
sociedade brasileira e do seu porvir. Estas serão usadas marginalmente, a modo
de chave interpretativas de uma possível visão mais madura do autor.
[4] As relações entre a Igreja Católica e Estado Português foram
determinantes para o constituição de Portugal como estado independentes, e como
Imperial, após as descobertas ultramarinas. Esteve à base da consolidação do
Brasil como Colônia, como Reino Unido e como Império. Em alguns aspectos, a
Igreja era a legisladora legitimada pelo Estado português protagonizando, assim
no processo de inserção dos africanos e afrodescendentes no Brasil.
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