21 dicembre, 2013

Crônica e síntese da apresentação e da discussão do meu doutoramento em Ciências Sociais, em Roma [Raça-Gilberto Freyre-Florestan Fernandes-biopolitica]



Tese e Cappello dottorale

No dia 16 de dezembro de 2013, às 17 horas, na Pontificia Studiorum Universitas a Sancto Thoma Aquinate in Urbe, em Roma, deu-se a apresentação e discussão pública da minha tese de doutoramento em Ciências Sociais. Após um ano e meio dedicados a elaboração do projeto e cinco anos para a investigação e redação do texto, pudemos, eu e meu moderador – o madrileño P. Prof. Dr. José Ramón López De La Osa González, OP – submeter o fruto de nosso trabalho ao exame da banca formada pelo mesmo, pelo decano da Faculdade, Alejandro Crosthwaite, e pelo Censor da tese, a professora Paula Benevene.
O titulo da tese foi Relações raciais no Brasil: avaliação do processo de integração dos negros e dos afro-brasileiros no Brasil a partir do paradigma interpretativo de Gilberto Freyre e dos aportes de Florestan Fernandes, e A tese de doutorado que vos será apresentada se intitula Relações raciais no Brasil; e tem por fim a avaliação do processo de integração dos negros e dos afro-brasileiros no Brasil a partir do paradigma interpretativo de Gilberto Freyre e dos aportes de Florestan Fernandes.


Convite
Para submeter a tese ao exame desta banca, apresentá-la-ei articulando-a em 5 (cinco) partes, que correspondem aos elementos quem compõem-na, articulados no seguinte modo:
1. Das motivações, problemáticas suscitadas e hipóteses de trabalho,
2. Do argumento: seus limites e a metodologia usada;
3. Da originalidade da pesquisa;
4. Do itinerário perseguido;
5. às conclusões tiradas ao fim desta tese.
1. Das motivações, das problemáticas suscitadas e das hipóteses de trabalho
O viés que perpassa esta tese é a avaliação do processo de integração dos negros e dos afrodescendentes no Brasil; e isso por que a questão da integração brasileira – à qual venho estudando desde meus estudos para o Mestrado – tem revelado uma variável fundamental: o aparente tratamento diferencial dispensando às diferentes etnias que serviram de matriz na formação do povo brasileiro pois indica que o Brasil se caracteriza como uma nação com uma grande diversidade étnica, cultural, regional; e ao mesmo tempo, disparidade econômica em função da pertença étnica. Daqui, a necessidade de aprofundar a questão, haja vista a atual configuração democrática do País, inclusive, desde a perspectiva racial.
Assim sendo, as problemáticas suscitadas diante da temática pode ser enunciadas por meio das seguintes perguntas:
1) Por que partindo de três matrizes étnicas – ameríndia, europeia e africana –, a nação chegou a conceber grandes contrastes?
2) Por que os negros, e em menor proporção, os afrodescendentes, foram particularmente penalizados; e, como este processo pode prolongar no tempo ao ponto de gerar consequências ainda nos dias atuais?
Diante deste quadro social, desde o início de meus estudos sociológicos, hipotizei que o estudo do processo de interação social que levou a este estado de coisas, poderia oferecer respostas que pudessem delinear alguns aspectos deste processo social que, por um lado, favoreceram a diminuição das disparidades sociais que envolvem diretamente a toda a população brasileira; e, por outro, paradoxalmente, relegaram aos negros e aos afrodescendentes – se comparados com o grosso da população branca – a um lugar inferior na sociedade. Disso emergiu a hipótese desta tese: a de que, assim conformada, a nação brasileira, mesmo quando declaradamente democrática, revelava nestas mazelas étnico-sociais, um dos seus limites maiores; e ainda, que esta limitação que deita raízes nos primórdios do povoamento territorial, indicava, por outro lado, que as benesses decorrentes de uma sociedade plenamente democracia somente margeiam as populações de matrizes africanas por conta da legislação e das normativas delineadas pela distinção étnica.
Assim a motivação para a presente tese é a possibilidade de avanço nas pesquisas sobre a problemática da integração do negro e dos afrodescendentes no Brasil e, com elas, a possibilidade de individualizar elementos para uma compreensão mais ampla – a partir dos dois maiores paradigmas interpretativos da problemática da integração africana e afrodescendente no Brasil, a saber, o de Gilberto Freyre e o de Florestan Fernandes – de modo que se possa buscar explicação para a lenta mas progressiva diminuição das diferenças raciais e sociais e dela, à avaliação da presunta configuração do Brasil como uma democracia racial, étnica e social.
Entrada da Universidade
No curso da pesquisa, foi emergindo as seguintes perguntas que pareciam tornar compreensível não somente os paradigmas interpretativos, mas, principalmente, o processo de integração dessas gentes; e, logo, a hipótese central desta tese: qual era o viés político e ético que perpassara o processo de integração dos negros e afrodescendentes no Brasil? Como e porque configurou-se numa tal forma viesse gerando, paradoxalmente, maior integração dos afrodescendentes e menor integração dos negros? Assim: se hipotiza que a individuação desse viés possa determinar o grau de configuração do Brasil como uma democracia e indicar caminhos para o superamento da problemática da integração dos negros e dos afrodescendentes.
O título desta tese fica configurado nos seguintes termos: Relações raciais no Brasil: avaliação do processo de integração dos negros e dos afro-brasileiros no Brasil a partir do paradigma interpretativo de Gilberto Freyre e dos aportes de Florestan Fernandes. O argumento desta tese é a avaliação da problemática da integração da população de matriz africana no Brasil: de suas origens aos tempos atuais. Sua finalidade, mensurar a pertinência da afirmação da configuração do Brasil como uma nação racialmente democrática
Vista a vastidão do argumento, o ponto de partida foi não somente restringir o círculo de autores a ser estudados – neste caso, o antropólogo Gilberto Freyre e o sociólogo Florestan Fernandes – mas a predileção pelas suas fontes[1]. Os dois autores têm não somente o peso de serem pioneiros na interpretação do processo de conformação cultural, étnica e racial do Brasil, por ser os seus paradigmas interpretativos considerados de grande relevância para a compreensão da problemática racial. Porque Gilberto Freyre? Por que ele é para os especialistas brasileiros e brasilianistas de questões raciais não somente o pioneiro na valorização da matriz africana e do estudo do processo de mestiçagem que deu-se naquelas latitudes; mas, um dos maiores, quando não o maior, interprete da questão racial no Brasil; e o primeiro autor brasileiro a tratar de modo exaustivo o problema da miscigenação no Brasil[2]. E a escolha por Florestan Fernandes por ser seu maior crítico.
A seleção das fontes obedeceu o seguinte critério: o do contato direto com os escritos dos dois autores que, de modo sistemático e exaustivo abordassem a temática aqui estudada, isto é, que abordassem o processo de integração daquela parte da população de origem africana ou afrodescendente e da conformação política do Brasil a partir da questão racial: Evitou-se o contato com os muitos comentadores de um e outro autores, o contato com os representantes de suas Escolas.. Tal opção se justifica pois os críticos de um e outro autor, quando tecem argumentos da incompatibilidade de seus paradigmas, o fazer retoricamente, sem uma demonstração documental. De fato, pode ser facilmente notado o acento divergente colocado por muitos estudiosos das relações raciais no Brasil – sem uma fundamentação teórica e uma comprovação investigativa profunda –, nas contribuições deles para o entendimento da problemática racial do Brasil. O que aparece é a contraposição, como se os dois paradigmas si referissem a objetos de estudos diversos. Acrescente-se a esta primeira justificativa uma segunda, oriunda do fato que nas últimas décadas o pensamento fernandiano ficou entrincheirado entre os cientistas sociais da USP, ainda muito marcados pela leitura marxista da historia; enquanto que o pensamento freyreano foi sendo passível de um revival nem sempre crítico, considerado somente desde sua vertente antropológica. Basta, para isto, tomar em consideração duas datas relevantes para o revisionismo da temática e dos dois autores. Os anos de 1988, centenário da abolição da escravatura negra – onde o acento posto na avaliação do processo de integração foi netamente fernandiano –, e o ano 2000, quando pendeu-se para revalorizar as contribuições de Freyre, por ocasião de seu centenário de nascimento.
Mesmo com os limites apenas estabelecidos, tivemos que estabelecer um ulterior limite ao interno da produção bibliográfica dos dois autores.
a) No caso de Freyre limitei-me ao estudo da trilogia sobre a formação da família senhorial brasileira. Isto por um motivo: por que são as obras cardeais para o entendimento da questão racial brasileira, as que oferecem de forma sistemática e exaustiva sua interpretação do processo de integração racial no Brasil, Juntas, as obras que compõe a trilogia cobrem o arco de tempo que vai dos primórdios da colonização, às primeiras décadas de República propondo, com isso, uma reflexão completa sobre o viés político que perpassa o processo de integração das matrizes africanas e afrodescendentes no Brasil.
b) No caso de Fernandes, parte-se da pesquisa que funda seu interesse sobre a questão racial no Brasil, a pesquisa para a UNESCO, e nas duas outras  obras que desenvolveram-na. Justifica-se esta escolha bibliográfica pelo fato que, esta investigação, e seus desenvolvimentos[3], representam o derradeiro parecer do autor a respeito da problemática da integração dos africanos e de seus descendentes e revelam a evolução do pensamento do autor.
Teremos, assim, a temática da integração dos negros e afrodescendentes no Brasil, estudada a partir de seis obras, três para cada autor, com o uso secundário de outras obras dos mesmos autores somente quando retifiquem ou ratifiquem os respectivos paradigmas interpretativos esboçados nas obras sopra citadas.
Como a finalidade desta tese é a de mensurar a pertinência da afirmação da configuração do Brasil como uma nação racialmente democrática no último capítulo da tese esboçar-se-á aquele filão político que se consolida por meio da reificação da vida pois o que parece vir emergindo nos paradigmas freyreano e florestaniano é, justamente, um viés marcado pela constante despersonalização das populações de matriz africana, especialmente, no período em que vigorou a prática da escravidão no Brasil. Para tal, fez-se uso das contribuições dos teóricos daquela interpretação da progressiva configuração política como bipolítica, a saber: Michel Foucault, Giorgio Agamben e Roberto Esposito.
Havendo estabelecido o sentido e o contexto da política do processo de integração racial no Brasil, o passo seguinte para levar a cabo a avaliação da integração racial no Brasil era repassar, de modo exaustivo a legislação e a normativa relativa à escravidão negra: Haja visto que o Brasil fora oriundo das conquistas lusitanas ligadas à função missionária atribuída pelos papas católicos aos soberanos portugueses, a empresa de avaliação dos delimitadores do ritmo da integração africana e afrodescendente deveria passar necessariamente pela avaliação dos privilégios e dos direitos concedidos pelos pontífices aos administradores das terras brasílicas em tudo que concernia o direito à catividade daqueles povos. Assim, vista a configuração política do reino português e de suas consequências para a colonização do Brasil, o limite da análise da configuração política da questão racial foi estabelecido pela análise do inteiro Bullarium Patronatus Portugalliæ, que custodia a legislação pontifícia sobre o tema. Todavia, com o fim do Império e, consequentemente, do Padroado, buscou-se na legislação sucessiva, amostragem dessa continuidade do filão biopolítico na questão dos direitos e deveres das populações negras e afrodescendentes brasileiras.
Para concluir esta proposta de avaliação da integração social dos negros e de seus descendentes partindo das contribuições de Freyre e dos aportes de Florestan parte-se de que Freyre acentua que a configuração democrática do país se revela pelo alto grau de miscigenação do povo, pela presença ascendente dos mulatos no inteiro processo civilizatório e pelo sincretismo cultural que segundo ele denota a existência de poucas barreiras sociais entre os diferente tipos étnicos brasileiros. Toma-se, ainda, em consideração que da amostragem estudada por Florestan Fernandes na cidade de São Paulo – e nas generalizações que dela subseguiram –, emergia um quando diferente daquele estabelecido por Freyre; isto é, emergia que, especialmente as populações negras, com modalidades de preconceitos e discriminações, ficavam marginalizadas no processo de integração social brasileiro. Assim, para concluir a proposta investigativa desta tese, era necessário encontrar padrões de mensuração da pertinência de uma e outra visão dessa relações raciais no Brasil ou, de um ou outro paradigma. Como era difícil mensurar – mas também negar a evidência – do sincretismo cultural como aspecto consolidador da identidade nacional; optou-se por adotar dois critérios: o da mensuração da miscigenação e o dos indicadores sociais fazendo recurso, respectivamente das pesquisas de genética aplicada à sociologia e, das estatísticas. No primeiro caso, fez se referencia ao projeto de mapeamento genético da população brasileira. Como este é um projeto pioneiro no Brasil, usou-se, exclusivamente, os resultados publicados. Aqui, foi feito uso de todos os resultados conhecidos. No segundo caso, o dos dados estatísticos, adotou-se o que é considerado para as pesquisas estatísticas brasileiras, o padrão; ou seja, os estudos estatísticos e os censos realizados pelo IBGE, que pela sua extensa ramificação no território nacional, consegue realizar pesquisas não somente com amostragens, mas, censos completos que oferecem uma visão mais rica e detalhada de uma população tão esparramadas numa longa extensão territorial como pode ser a brasileira. É com base neste dados e com a comparação com a generalizações de um e outro autor que, finalmente, se pode avaliar o grau de pertinência da hipotética configuração democrática das relações étnicas e sociais entre brasileiros nos dias atuais e indicar, ao menos, a existência ou não de uma tendência neste sentido.
Enfim, como a proposta da tese – a investigação do grau de pertinência da configuração democráticas no processo de integração racial no Brasil – passa pela perseguição dos paradigmas interpretativos de dois autores, Gilberto e Florestan, que dentro das ciências sociais configuraram a temática racial desde duas perspectivas diferentes – Freyre, desde a perspectiva mais antropológica que sociológica, Fernandes, desde a perspectiva sociológica – querendo investigar a tal temática desde estas duas contribuições somente a combinação de métodos daria a possibilidade de apuramento da questão; e dela, a partir da contribuição dos dois autores. Assim, a metodologia adotada fora a mista, visando antes de tudo, as dimensões qualitativas e quantitativas presentes neste processo investigativo; e, haja vista a dimensão primordialmente qualitativa do desenho da pesquisa e do material disponível; exceto pelo uso de dados estatísticos oriundos de outras pesquisas – como as do IBGE e as genéticas – manipulados no curso desta investigação, justificam, como dito acima, a necessidade de não excluir o aspecto quantitativo presente na parte final desta tese. A seguir explanar-se-á sobre o tratamento técnico e metodológico das duas partes da tese.
Como a temática aqui abordada foi se configurando apoiado-se me dois autores e em pesquisas realizadas com amostragens representativas das diferentes regiões brasileiras – seja no caso dos censos nacionais do IBGE, seja na amostragem das pesquisas sociogenéticas – a maior parte da tese foi dedicada à catalogação, sistematização, descrição e análise da cosmovisão do dos autores em torno da configuração , ou não, de um filão democráticos nas relações raciais; e, nelas, nas relações sociais, condicionadas pela variante da ancestralidade e pertença étnica aos povos oriundos da África. Praticamente oitenta por centro deste tese foi dedicada à avaliação destes dois paradigmas interpretativos. Assim, os três primeiros capítulos passam pela elaboração de seu paradigma interpretativo, confluindo na hermenêutica dos textos em que o autor se refere ao Brasil como uma democracia étnica, social ou racial.
No primeiro capítulo procede-se à análise dessa configuração paradigmática durante o período Colonial brasileiro – respeitando, com isso, praticamente, a temporalização estabelecida pelo autor na divisão trilógica das obras analisadas –¸ no segundo, ao período Monárquico; e, no terceiro, aos primórdios do período Republicano.
À diferença do primeiro capítulo, mais descritivo, o segundo é mais analítico pois parte do pressuposto que existe não somente continuidade no processo de integração racial, mas, um viés descontinuo tende a tornar-se mais espesso com o avanço do processo de consolidação da civilização brasileira por meio da miscigenação. É nesta direção que caminha a análise das constantes de integração e, ao mesmo tempo, na análise crítica que revela naquele mesmo texto, Sobrados e Mucambos, elementos que demonstrem que o processo de integração não foi completamente linear, mas ramificou-se em função de variáveis tais como a classe social e a região geográfica de amostragem, dando origem, ao mesmo tempo, ao processo de exclusão social.
No terceiro capítulo, após descrever o filão freyreano do processo de democratização das relações raciais no Brasil, procede-se à análise textual, como indicado acima, buscando contextualizar as afirmações do autor, devolvendo-as ao contextos à que pertencem dentro do inteiro paradigma interpretativo perfilado por ele. E, enfim, concluiu-se a primeira parte com as ressalvas, já individuadas neste capítulo, e na síntese conclusiva dos capítulos anteriores, que permitem circunscrever e estabelecer o limite da contribuição freyreana para a avaliação do processo de integração dos negros e dos afrodescendentes à luz deste processo nos dias atuais.
Como na primeira parte, na segunda, optou-se pela introdução aos dois capítulos finais apresentando o viés que perpassa-os: o viés sinalizador do aporte de Florestan Fernandes como uma pormenorização de alguns aspectos tratados marginalmente no paradigma freyreano – a persistência do preconceito e da discriminações ligadas à cor e à ancestralidade africana, as possíveis razões dessa postura –, o viés do reconhecimento de Freyre da importância e novidade dos aportes dados pelas pesquisas de Florestan Fernandes; e, o processo de releitura proposto por Florestan à luz do prolongamento da ditadura militar e conservadora no Brasil das décadas de sessenta, setenta e parte da década de oitenta. Outrossim, introduziu-se os elementos propostos para a avaliação final, e conclusão desta pesquisa: a releitura do inteiro processo de integração à luz da configuração biopolítica da legislação e da normativa relativa à escravidão negra, a contribuição de dois tipos de pesquisas para a leitura do processo de integração hodiernamente. Se, a metodologia experimental desde a segunda metade do século passado oferecera seu contributo empírico para a compreensão científico-social da problemática racial, não indicara alternativas para sua superação. Assim, além de ilustrar a modalidade de obtenção e usos dos dados estatísticos e das tendências nacionais, foi ressaltada a importância do início do mapeamento genético da população brasileira como elemento fundamental não somente para a compreensão antropológica do problema, mas, para a reavaliação dos dados que emergem nas pesquisas estatísticas e, principalmente, para a compreensão do grau de pertinências da inteira problemática levantada pelo processo de integração racial negro e afrodescendente brasileiro. Nestes termos, o quarto capítulo é finalizado a compreender como Florestan Fernandes fundou sua crítica e analisar o grau de validade desta. Parte-se usando o método descritivo a partir do processo de concepção de seu paradigma interpretativo e de sua interpretação em outras obras situadas dentro do contexto de avaliação socio-histórica que o autor propõe, seja da conjuntura brasileira, seja das tendências latentes nesta. Após esta descrição, se parte para análise dos elementos que, em Florestan Fernandes conformam as discriminações raciais e sociais sofridas por aquela parte da população e sua função social dentro da cosmovisão do autor. Enfim, em modo analítico-sintético, busca-se estabelecer, dentro desse estudo textual, a pertinência das críticas florestanianas ao paradigma interpretativo de Freyre, e de modo especial, à questão da configuração do processo de integração como um processo democrático.
Havendo sistematizado, compreendido e estabelecido a síntese conclusiva de cada um dos dois paradigmas interpretativos, inserindo-os também dentro do contexto histórico no qual foram elaborados, era necessário um elemento que pudesse servir de parâmetro para que se pudesse emitir um juízo sobre o grau de pertinência desses paradigmas, tendo em consideração, também suas previsões, visto que suas pesquisas já podem ser estudadas e vistas dentro de um quadro histórico da problemática racial. Foi por isso que buscou-se parâmetros capazes de servir não somente como suporte par a avaliação da situação da integração racial no Brasil hodierno, mas, da atualidade das contribuições dadas pelos autores. O ponto de partida foi a descrição do contexto em que se deu a inserção e aviou-se a integração dos povos africanos em terras brasileiras. Por isso no último capítulo se partiu da configuração das relações entre senhores e escravos, numa sociedade de homens livres baseada no desfrute da mão-de-obra humana cativa, uma relação sempre mais sutilmente biopolítica, como pode-se vista a partir da descrição da política segundo Foucault, Esposito e Agamben e de sua confirmação a partir da análise documental da questão racial nas legislações e normas a este respeito no período escravocrata brasílico. Postas estas premissas, passou-se à avaliação do quadro atual da questão racial no Brasil partindo de três dados fundamentais: as estatísticas, fruto dos últimos censos a nível nacional e de extrapolação em tendências; e, os primeiros dados sobre o mapeamento genético da população brasileira. Este último, com amostragem de diferentes regiões e em diferentes etnias. O recurso estatístico confirma a maior integração social dos mestiços – também chamados de pardos – mas não consegue explicar as razões da configuração, e, sobretudo, não consegue penetrar no âmago da questão, a saber: a racionalidade de um dado que não encontra suporte a nível institucional que possa ratificar a perpetuação da problemática. Por isso, visto que se trata de um problema social arraigado no tecido social mas sem suporte institucional, a avaliação final do problema passa, antes de tudo, no entendimento do mapeamento econômico, mas também cultural e étnico da população brasileira. E, para este fim, a análise dos dados socioeconômicos da realidade brasileira em chave racial ilustra a situação hodierna mas, carece do esclarecimento que a análise da composição genética, e de consequência, étnica, do tecido social brasileiro pode fornecer; permitindo, assim, fazer uma avaliação final da problemática da integração social brasileira lida desde a perspectiva racial e, dela, de como tem si configurado a problemática e, mais ainda, a possibilidade de um juízo, neste caso, com respaldo antropológico, da irracionalidade antropológica e genética do racismo brasileiro e a sua função sociológica dentro da estrutura social, abrindo espaço para a contextualização e para um juízo sobre a pertinência da caracterização do Brasil como uma democracia, vista desde a perspectiva do processo de integração racial e, nele, da integração social. Para avançar com uma investigação assim estruturada, guiado pela perspectiva sociológica, mas apoiando-se em fundamentos antropológicos, políticos e históricos, somente o uso de uma metodologia mista, qualitativa e quantitativa, pode sanar as lacunas de um tema transversal nas ciências sociais, como pode ser o caso do racismo e do preconceito.
Como foi explicitado anteriormente, tem-se escrito de modo imbricado sobre Gilberto Freyre e Florestan Fernandes – mas não necessariamente nesta ordem – e suas contribuições à problemática racial brasileira. Mesmo no caso exemplar da crítica florestaniana, somente a reconstrução do percurso gilbertiano, a partir da análise das fontes, pode por as bases para um diálogo e para a avaliação do seu paradigma interpretativo; e, do grau de pertinência das críticas tecidas. Igualmente, como Freyre não focalizou o processo de integração dos negros e dos afrodescendentes em uma única obra, sistematicamente; mas o fez somente enquanto dedicava-se ao estudo da formação, consolidação e desintegração da sociedade patriarcal brasileira, esta tese oferece um primeiro aspecto de originalidade ao sistematizar o pensamento gilbertiano entorno ao complexo processo de integração dos africanos e dos afrodescendentes no Brasil colonial, imperial e republicano. Por isso a maior parte da tese – toda a primeira parte – é dedicada à análise das fontes e na elaboração do processo de integração dos negros e afrodescendentes.
Já, na segunda parte, a originalidade recai sobre três pontos. O primeiro: a reconstrução do paradigma fernandiano de interpretação das relações entre brancos e afrodescendentes no Brasil austral a partir dos seus primeiros estudos sobre o tema e que revelarão, deste modo, o progressivo abandono da interpretação objetiva dos dados recolhidos para uma interpretação mais subjetiva, condicionada pela deriva da intervenção dos militares na política brasileira que culminou com os anos de exceção do sistema democrático por meio da instauração de uma ditadura dos militares que, inclusive, chegou a exilar Fernandes. O segundo ponto é a releitura do processo de integração dos africanos e dos afrodescendentes à luz da legislação e das normas ditadas pelo Estado português e brasileiro e pela Igreja Católica[4] que foram determinantes no processo de reconhecimento de sua dignidade humana e de sua inserção como cidadãos brasileiros. A reconstrução deste processo, partindo do estudo das fontes documentais oficiais visa agregar aos dois paradigmas interpretativos – o de Gilberto e o de Florestan – um ulterior elemento, ausente ou superficialmente tratado, que possa contribuir para o entendimento do grau de colaboração das duas mais importantes instituições do período colonial e imperial – que abrange os quatro primeiros séculos da historia brasileira – para conformação atual destas relações raciais em território brasileiro. Um último aspecto original da tese reside na proposta de reavaliação dos dois paradigmas interpretativos do porvir das relações raciais no Brasil por meio de uma interpretação da situação atual que supere – por meio de dados estatísticos atuais e de alguns estudos sociogenéticos das populações brasileiras – a ambígua dimensão fisionômica de cada pessoa e conduza à sua ascendência étnica, às consequências de sua pertença a uma classe social e à sua circunscrição territorial; visto que, o intercruzamento destes fatores determinam, no Brasil, o grau de complexidade da questão e uma chave na adoção de políticas de discriminação positiva que favoreça o resgate social das porções mais desfavorecidas da população durante o processo civilizatório brasileiro.
Com o Moderador e o Censor
A tese é composta de duas partes. A primeira parte é intitulada A cosmovisão freyreana e o processo de integração do negro e dos afro-brasileiros, da época colonial às primeiras décadas da república, à luz da trilógica «Introdução à historia da sociedade patriarcal no Brasil»; e se subdivide em três capítulos e visa explicar como o paradigma gilbertofreyreano de interpretação das relações raciais no Brasil contempla, contemporaneamente, o quádruplo destino dos africanos e dos afrodescendentes em territórios brasílicos durante o longo e contínuo processo de integração racial, a saber: o extermínio, a acomodação, a assimilação e a integração; explica como Freyre estuda este processo desde a perspectiva da emersão do tipo humano brasílico como sendo o resultado do encontro de povos geradores de um povo sincrético culturalmente e miscigenado racialmente. Busca-se ainda, entender em que sentido se pode atribuir a Gilberto Freyre a paternidade da afirmação da conformação do Brasil como uma democracia racial. A segunda parte é intitulada Avaliação do processo de integração dos negros e dos afro-brasileiros no Brasil a partir dos aportes do paradigma fernandiano de interpretação das relações raciais no Brasil. Esta parte se subdivide em dois capítulos que, partindo do primeiro, reavalia o processo de integração dos negros e dos afro-brasileiros no Brasil, explicando as ressalvas feitas por Florestan Fernandes ao desenvolvimento deste processo nas regiões brasileiras de menor tradição no uso da mão de obra escravocrata negra na produção de riquezas; e de menor concentração de populações afrodescendentes. Num segundo momento reavalia o processo de inserção destas gentes partindo das legislações e normativas civis e religiosas que frearam-no em prol de uma política racista, classista e regionalista que descuidava da amplidão da problemática, deixando-a desfocada até os dias atuais; e polarizando as contribuições de Gilberto Freyre e de Florestan Fernandes que, vistas em conjunto, permitem ler a situação atual e apontar para uma melhor impostação do problema das disparidades sociais brasileiras. Seja a primeira que a segunda parte do trabalho tem uma introdução própria; enquanto que ao final de cada capítulo segue uma conclusão que, de modo breve, sintetiza as aportes perseguidos que corroboram para a reavaliação da inteira problemática.
A primeira parte:
O capítulo I, intitulado «Casa-grande & senzala» e a atividade do negro na formação da família e da sociedade brasileira analisa a primeira parte da obra trilógica gilbertofreyreana visando identificar os fatores do desencadeamento do processo de amalgamento dos povos que primordialmente colonizaram o Brasil e seus diferentes contributos para a conformação da família e a sociedade brasileira. Como nos demais capítulos, neste, o acento vai sendo posto nos africanos, nos afro-brasileiros; e nos diferentes destinos que tiveram no processo de colonização do Brasil e os fatores que o determinaram. De fato, para Freyre a escravidão negra deu espaço, não só para que o Brasil fosse sendo povoado e gerasse riqueza econômica, mas, a causa da sua longevidade – dentre outros fatores – terminou proporcionando um encontro de raças e culturas, dando lugar à miscigenação que gerou um povo híbrido, biológica e culturalmente.
Enfim, vista a rápida difusão desta obra dentro e fora do Brasil – e a aparição de muitas apresentações e críticas, que o autor julgou por bem anexar à obra – no capítulo se analisa ainda os primeiros movimentos crítico e autocrítico de seu conteúdo em função do que o autor entendia como ratificação e retificação de partes do seu conteúdo. A atenção à crítica externa, aqui, se justifica pelo fator de ser esta obra usada – quase exclusivamente – como representativa de todo o paradigma gilbertiano de interpretação das relações raciais.
O capítulo II desta dissertação, intitulado «Sobrados e mucambos»: os negros e os afro-brasileiros na dinâmica da paisagem social brasileira dos séculos XVIII e XIX, é dedicado a individuar os elementos de continuidade e de descontinuidade no processo de inserção dos africanos e dos afro-brasileiros – e seu viés interpretativo iniciado em Casa-grande & Senzala – na perspectiva desta que é a segunda parte da trilogia gilbertiana e que trata do estudo deste processo durante a decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. A finalidade deste capítulo é explicar como a expansão territorial brasileira; a diversificação dos meios e da produção de riqueza; o deslocamento do eixo econômico do nordeste para o sudeste – principalmente após a chegada da família real portuguesa e a consequente transformação do Brasil em Reino Unido e, depois, em Império –; a urbanização e o progressivo processo de miscigenação modificou a configuração da paisagem social que se consolidou no Brasil colonial e paradoxalmente provocou a exclusão dos negros e maior inserção dos afrodescendentes na família e na sociedade. De fato, para Freyre, no período colonial consolidou-se não somente o tecido formador da sociedade patriarcal, mas, também sua célula, a família. E é na família miscigenada que ele apoia-se, maiormente para perseguir o processo de integração dos negros e dos afrodescendentes; para elaborar alguns paradigmas do processo de integração dos afro-brasileiros; e para traçar o prelúdio da moderna dinâmica social brasileira, a saber: a miscigenação racial, o sincretismo cultural e a relatividade do choque de antagonismos raciais, classistas e regionais no Brasil.
O capítulo III tem como título O Brasil republicano de «Ordem e progresso»: dos antagonismos de raça, de classe e de região à descoberta da democracia racial. Com este capítulo conclui-se a sistematização e análise do paradigma gilbertofreyreano de interpretação da evolução das relações raciais em território brasileiro presentes em Ordem e Progresso, que é a terceira e última parte da introdução à historia da sociedade patriarcal brasileira que durou mais de quatro séculos. Este capítulo se presta a colher os últimos aspectos do processo de inserção e integração dos negros e dos afro-brasileiros após o fim do escravismo, durante as primeiras cinco décadas do século passado e da consolidação do sistema republicano brasileiro. Nele, se explicam quais seriam, para Freyre, as causas dos antagonismos raciais, regionais e sociais dos brasileiros; e, porque para ele os antagonismos tendem a se equilibrarem. Enfim, submete-se a análise todos os textos gilbertianos conhecidos – dentro e fora da trilogia – em que o autor, usou os termos «democracia racial», «democracia étnica», «democracia social». O escopo, neste caso, é o de dar um parecer sobre a pertinência da caracterização feita por este cientista social – desde a perspectiva do processo de inserção e integração dos africanos e dos seus descendentes – do Brasil como uma democracia racial.
Em suma: esta primeira parte visa fornecer respostas a três das perguntas que inspiram esta tese: se originalmente a formação populacional brasileira era composta por três matrizes étnicas, porque nota-se hoje a existência de diferenças sociais entre as mesmas; porque as populações negras, dentre as três, foram as mais penalizadas e, enfim, como e porque no decorrer do tempo essa discriminação racial pode geram consequências que perduram até os dias atuais. Para isto, estes três capítulos – que compõe uma unidade explicativa – será articulado em três modos: na sistematização do pensamento freyreano, à luz da trilogia – e não somente desde Casa-grande & Senzala, como comumente é feito –; na inserção do sentido original dos textos freyreanos – texto, algo sobre a historia do texto e contexto do autor – por meio da interpretação do que realmente foi dito por ele; isto é, a explicação do por que Freyre interpretou daquele modo as relações entre negros, afrodescendentes e brancos; e, enfim, no esforço compreensivo-interpretativo da cosmovisão gilbertofreyreana que colocará as bases para o reconhecimento dos aportes de Florestan Fernandes que marcará o inicio da segunda parte da dissertação. Antes, porem, a modo de delimitação, será estabelecido o sentido da afirmação gilbertiana de que o Brasil seja uma nação racialmente democrática. Como e porque, para ele, deu-se uma democratização nas relações raciais e, um primeiro, mas não definitivo parecer, sobre a pertinências de sua afirmação em vista do estado desta relações no Brasil que ele estudara, a saber: o Brasil da primeira metade do século XX.
A segunda parte:
Se a novidade da interpretação gilbertiana deitava bases na leitura antropológico-cultural da integração nacional, na acentuação daqueles aspectos e daqueles espaços sociais de convivência inter-étnica e, consequentemente de amalgamento racial e cultural, acenava mas não aprofundava o problema das barreiras socioeconômicas, informais e legais – não indiferentes – que foram sendo postas durante o processo de integração dos africanos e dos afrodescendentes e que, junto àquela porção da população que si integrava, era relegada às margens da vida social e econômica do período brasileiro pré-republicano. À leitura maiormente antropológico-cultural gilbertofreyreana faltava uma outra, capaz de alargar o foco da problemática da integração; faltava o aprofundamento dos fatores econômicos, e, de consequência, socioeconômicos que, eram os fatores que mais refletiam à incapacidade de aceitação da hipótese gilbertofreyreana de que o Brasil estivesse configurando-se como uma democracia racial. Isto, essencialmente se analisado desde o lugar dos negros na sociedade hodierna. Assim, vista a sua propensão em fixar-se nos elementos conciliadores das diferenças e propulsores da integração dos africanos e dos afrodescendentes, faz-se necessário – para poder levar a cabo a proposta central desta tese, isto é, a do entendimento do grau de pertinência da configuração do Brasil como uma democracia racial – buscar em outra perspectiva o aprofundamento necessário para o processo de marginalização de uma parcela não indiferente dessas populações negras e que possa assim, agregar aos pressupostos já dados por Freyre, outros que favoreçam a avaliação deste processo de forma mais ampla. É neste sentido que esta segunda parte da tese a – Avaliação do processo de integração dos negros e dos afro-brasileiros no Brasil a partir dos aportes do paradigma fernandiano de interpretação das relações raciais no Brasil – tem como base os aportes de Florestan Fernandes ao estudo iniciado por Freyre. Ele – e seus colaboradores – com seus estudos sobre os escravos e os negros nas zonas meridionais do Brasil, contribuíram não somente para o maior entendimento da peculiaridade das relações raciais nas zonas austrais brasileiras, mas, também, para a melhor compreensão de alguns aspectos enunciados por Freyre como podem ser o da menor possibilidade dos negros em acenderem socialmente, o prolongamento dos estigmas da escravidão na vida dos afrodescendentes em forma de preconceito de cor e limitação à mobilidade social; e, a função do preconceito e da discriminação na conservação – ou na superação – da estrutura social patriarcal após o fim da escravidão negra. Assim, a contribuição de Florestan Fernandes é, também, uma crítica ao paradigma interpretativo das relações raciais no Brasil como fora esboçado por Freyre.
Postas estas bases no capítulo seguinte, se prosseguirá, no derradeiro capítulo, à busca de resposta das duas perguntas finais que motivaram esta investigação e que consistem em: estabelecer qual foi e qual tem sido o viés político e ético do processo de integração dos negros e dos afrodescendentes – seja a nível individual que coletivo e institucional –, e como possa ter acarretado uma neta separação ente a integração dos negros e a integração dos afrodescendentes, permitindo estabelecer os paramentos reais que possam configurar o processo de integração destas parcelas da população nos dias atuais. Ou seja: partindo dos dois autores, onde se pode chegar e como se possa avaliar o processo de integração apontando possíveis vias capazes de sanar a problemática da configuração das relações raciais no Brasil haja visto que o país goza do status de nação democrática.
Assim, o capítulo IV é dedicado ao paradigma florestanfernandiano de interpretação das relações raciais no Brasil e por isso é intitulado Florestan Fernandes e as novidades na interpretação da questão racial. Neste capítulo se busca analisar o grau de pertinência da consideração do paradigma de Fernandes como um momento de ruptura com o de Freyre. De fato, à diferença de Freyre, Fernandes havia um universo de sua amostra que poderia circunscrever-se, ao máximo, às zonas meridionais brasileiras. Isto também porquê, a maturação de seu paradigma interpretativo foi sendo condicionado pelas mudanças sociopolíticas brasileiras ocorridas a partir dos anos sessenta do século passado e que o conduziram a entrever no autorreconhecimento dos negros como uma classe oprimida, a única solução para uma revolução que pudesse sanar o debito histórico acumulado para com os estes brasileiros. Outrossim, será apresentada e avaliada a argumentação usada pelo autor para negar a conformação do Brasil como uma democracia racial.
O capítulo V, Avaliação do processo de integração dos negros e dos afro-brasileiros a partir do viés biopolítico que o perpassa e das contribuições dos paradigmas freyreano e florestaniano enfeixa os demais capítulos, pois oferece os pressupostos necessários para a avaliação das contribuições de um e outro paradigma interpretativos das relações raciais no Brasil. Parte-se de uma análise documental que permite explicar porquê o africano, a diferença dos indígenas – principalmente durante o período colonial – recebeu um tratamento reificante; e, com as novas ondas de imigração, foi carregando consigo os preconceitos e discriminações acumulados durante aquele período. Destino diferente, se explica neste capítulo, dos miscigenados que passaram a receber tratamento diferenciado e que formam, nos dias atuais, o grosso da população nacional, como comprovam os estudos sociogenéticos e os dados estatísticos submetidos, objetos de exposição e análise.
Entre amigos
Minhas manas
Após as conclusões finais, são postos quatro anexos, uteis para se ter uma visão orgânica da temática racial no Brasil, para ilustrar alguns aspectos biográficos dos autores, de seus paradigmas interpretativos e para permitir que se agreguem as tabelas e gráficos analisados no corpo do texto desta tese proporcionando, assim, maior fluidez do texto. No anexo I – Cronologia brasileira sobre a escravidão – encontra-se condensada e enriquecida a cronologia da escravidão com destaque, seja para os fatos presentes à origem e o fim do escravismo a nível africano e ibero-americano, seja para o seu desencadeamento a nível brasileiro. Este anexo é particularmente importante pois compendia os fatos mais significativos do processo civilizatório brasileiro, estabelecendo as linhas diretivas do marco descritivo do processo de inserção e de integração dos africanos e dos afrodescendentes em terras brasileiras. No anexo II, intitulado simplesmente Álbum, são agregadas algumas imagens comentadas na dissertação ou que fora usadas por Freyre e por Fernandes na exposição de seus paradigmas. Encontram-se, ainda, uma reprodução fassimilar de uma foto onde Freyre aparece saudando o ditador português Salazar antes de partir para a viagem que marcaria a colaboração sociológica de Gilberto Freyre para o reconhecimento dos logros da suposta integração colonial dos lusitanos do Brasil, na África e no Oriente. E, mais uma foto onde Fernandes e Freyre dividem o momento do recebimento do titulo de doutor honoris causa, na Alemanha, pela contribuição que deram para o entendimento da formação nacional. No anexo III – Tabelas e gráficos – encontra-se os dados analisados nesta dissertação e que ilustram o processo aqui estudado. Enfim, o anexo IV, que é o Elenco da recente legislação brasileira sobre a integração racial, e que serve de suporte para o entendimento da estrada empreendida a nível estatal, no sentido de sanear os débitos históricos e de estabelecer os parâmetros legais na direção de uma maior equidade social. Juntos, os anexos dão uma visão mais orgânica e plástica do processo aqui estudado.
Com P. Christiano Silvestre
5. às conclusões tiradas ao fim desta tese
Partindo do interesse pessoal e da importância da temática da integração dos negros e afrodescendentes, foi analisado o quanto tal princípio esteja ainda aquém da conformação do Brasil como uma nação plenamente democrática; principalmente se for analisada desde o prisma das relações estabelecidas, desde os primórdios do povoamento do Brasil, entre os africanos – e seus descendentes – e os demais componentes da população brasileira.
Da hermenêutica da trilogia gilbertiana, por exemplo, emerge que seu paradigma interpretativo concebe o processo civilizatório brasileiro como uma paulatina conformação democrática do Brasil. Confia no tempo, mas, descuida de suas mazelas; acentua a irracionalidade da discriminação racial baseada nos aspectos fisionômicos dos seres humanos, indicando a comum ancestralidade miscigenada, a comum cultura sincrética e a própria diversidade cultural na unidade como fatores de conformação da democracia. O acento mais antropológico-cultural que sociológico do paradigma gilbertiano finda com restringir sua validade na avaliação do processo de integração dos negros e dos afrodescendentes pois é negligente exatamente naquilo que caracteriza a antropologia atual: sua visão holística do homem por meio do estudo confluente de fatores genéticos, culturais, socioeconômicos, políticos no delineamento de uma visão mais completa do homem. Justamente por que faltou a Freyre a confluência destes fatores, sua hipótese do Brasil como uma democracia racial, inserida no tempo em que esta fora elaborada, é invalida pois a própria democracia era instável e em fase embrionária àquela época. Igualmente, as fortes diferenças sociais existentes à época entre os componentes da população seccionados segundo a cor da pele ou de suas raças impede de associar a forte miscigenação brasileira com a democracia pois excluía de sua análise a minorias existentes e contemplava, tão somente, no contato de culturas, como no caso citado por ele das empregadas domésticas, a possibilidade de avanço do amalgamento cultural e de superação de preconceitos. Fora do apoio na miscigenação para a demonstração do preconceito, o modelo gilbertiano pouco contribui para a aceleração da integração racial e para a própria consolidação de uma democracia vista desde seus viés racial. A perspectiva antropológica de seu estudo ilumina mas não consegue apresentar soluções para a diferença socioeconômica em um breve prazo; e restringindo-se a apresentar a tendência miscigenadora da população brasileira finda por ser um forte recurso em favor de uma biopolítica em sua acepção negativa pois aponta para a solução do problema por meio da constatação da dissolução das minorias étnicas e da imposição da cultura hegemônica luso-brasileira.
Já, a contribuição do paradigma interpretativo de Florestan Fernandes para a avaliação aqui proposta está na leitura do processo de integração desde a perspectiva dos negros; das associações negras, em suma, da realidade em que estes vivem. Florestan foi um arguto interlocutor destas minorias, mas, de modo especial, dos grupos negros mais organizados e politizados que se formavam na cidade de São Paulo a partir dos anos cinquenta do século passado. Dele emerge alguns aspectos mais claros do preconceito – sua percepção por parte de quem o sofre, sua presença latente até mesmo em certas manifestações culturais –, emerge a conformação biopolítica do agir estatal por meio tão somente da manutenção da vida – no período escravista – da maior parte das populações negras e escravas do Brasil; isto, enquanto a proporção entre a manutenção da vida e margem de lucro não incoresse em dano para seus proprietários.
Todavia, os dois paradigmas, lidos em conjunto de desde diferentes perspectivas, como o foram em sua origem, pode oferecer respostas que capazes de delinear alguns aspectos deste processo social que, por um lado, podem favorecer à diminuição das disparidades sociais; e, por outro, paradoxalmente, relegaram aos negros e aos afrodescendentes, quando comparados com o grosso da população branca, a um lugar inferior na sociedade. Tomando os como modelos interpretativos pode-se encontrar uma resposta convergente para os dois primeiros problemas sobre os quais circulam a questão da integração dos negros e dos afrodescendentes, e do porque se partindo de três matrizes étnicas, o país chegou a conceber grandes contrastes; e, o de porque os negros, e em menor proporção, os afrodescendentes foram particularmente penalizados e como este processo pode prolongar-se no tempo ao ponto de gerar consequências ainda nos dias atuais. Todavia, pode-se concluir, os dois autores sobre os quais esta tese apoiou-se para interpretar o processo de integração dessa gente de origem africana foram incapazes de traçar sistematicamente um viés político que desse razões – desde a perspectiva dos poderes institucionais sobre dos quais o processo de inserção de africanos no processo civilizatório brasílico teve sua gênese e seu ocaso –, para o acumulo do débito histórico decorrente do escravismo e seu prolongamento após a cessação deste sistema de exploração humana plurissecular; o que foi respondido com a configuração de uma biopolítica lusitana e brasileira e nos perigos do prolongamento desse viés em decorrência de sua assimilação pelo paradigma gilbertiano.
Postas tais premissas é possível enfeixar esta pesquisa concluindo com a ratificação da hipótese que guiou-a: a de que a atual constituição social brasileira impede que se faça a simples afirmação de que o país se conforme a uma democracia racial. E isto partindo, como foi feito na tese, de três parâmetros: o das diferenças socioeconômicas entre negros, afrodescendentes e brancos; o do processo histórico de miscigenação; e, o mesmo processo de democratização do país.
Antes de mais nada, as estatísticas atuais desenham o panorama social brasileiro atual revelando a grande diferenciação social entre os três maiores componentes raciais da população. Enquanto os pardos se perfilam como os que gozam de maior mobilidade, os negros e brancos se apresentam tendencialmente como os extremos dessa polarização; os brancos entre os mais ricos e os pretos ente os mais pobres. Embora este não seja um modelo rígido – todos os pretos nos escalões mais baixos, os pardos no meio e os brancos no alto – tende-se há haver uma maior concentração de brancos e pretos nestes extremos sociais; mesmo se, como foi visto neste estudo, tende-se a haver maior promoção social dos negros em função da consciência governamental – em consequência dos debates públicos das últimas décadas – por meio da assunção de empenho a nível nacional e internacional, enquanto fruto do reconhecimento de um débito histórico para com esta parcela da população em decorrência do plurissecular escravismo africano em terras brasileiras. Como dito acima, a superação deste panorama social é em ato e progride, paulatinamente sem todavia, conseguir superar em breve tempo este quadro social que foi sendo desenhado desde os primórdios da colonização. As ações afirmativas, dentro deste quadro, assumem o papel de balanceador das injustiças para com estes povos, mas não pode ser tido como via exclusiva para o saneamento das diferenças sociais brasileiras pois exclui desse programa outras minorias, correndo  o risco de findar por ser um ulterior programa de exclusão de outras minorias étnicas presentes no território como pode ser o caso dos povos indígenas.
O segundo fator contra a declaração do Brasil como um democracia racial é a miscigenação; ou melhor, o processo histórico que fê-lo desencadear. De fato, como pode ser visto, a miscigenação foi se dado por fatores alheios à vontade das três matrizes que corroboraram para a sua consecução. A constrição da liberdade e a ausência de igualdade como norteadores desse tipo de relação constitui um real obstáculo no reconhecimento de seus méritos como são contribuinte da democratização das relações raciais naquelas terras. Hoje em dia, a constrição dessas relações, todavia, mesmo podendo lograr a superação da imobilidade social de partes da população, faz um ulterior dano pois poda o avanço da meritocracia como fruto do processo de democratização das relações inter-étnicas.
Enfim, o mesmo processo de democratização do país impede de atribuir a este o título de uma plena democracia; e isto porque o processo de democratização do Brasil é recente e instável. Mesmo podendo atribuir sua origem à proclamação da República, faz se necessário ressaltar que o país conhecera vários períodos de exceção como os anos quarentas e as mais duas décadas contadas a partir do final da primeira metade dos anos sessenta do século passado. Somente após a instauração da democracia política, após o ano de 1985 é que concretizou-se o interesse pela integração das minorias negras não somente para sanear o débito histórico acumulados para com estes, mas para aceleração do desenvolvimento visto que praticamente a metade da população era de origem afrodescendente.

Como foi visto, muito mais do que Freyre, é Florestan que permite afirmar que não houve nenhuma conformação do país numa democracia racial no país pois não somente faltou-lhe o respeito pelas minorias étnicas; mas, princípios democráticos quais a liberdade e a igualdade e a consciência da interdependência das populações formadoras do povo brasileiro eram em neta oposição com a conformação do Brasil colonial, Imperial e, por muitas décadas, republicano.
Vista a conformação socioeconômica, étnico-racial e regional do Brasil, analisada na última parte desta tese, resta concluir que não obstante suas contribuições, a visão do porvir do processo de integração de Freyre e de Fernandes devem ser superadas se si pretende ter uma visão mais atual da questão. A indicação da superação de uma e outra projeções não é somente a condição de saneamento da questão posta como tal, supõe reconhecer a validade das contribuições de um e outro autores, indicando os elementos iluminadores do porvir destas relações raciais no Brasil como são o da irracionalidade do preconceito e da descriminação negativa, e a necessidade de reformulação do processo em chave negra e afrodescendente. Mas, para dar este arremate final é justo repetir: soluções gerais não sanam os problemas regionais; desfiguram-no. Podem traçar diretiva, mas não sanam-na vista a complexidade da composição étnica, social e regional do Brasil. Mas, a insistência na irracionalidade do preconceito e da discriminação negativa – como o fizera Freyre – e a necessidade de políticas de descriminação positiva – como destacara Fernandes –, constituem um passo fundamental no processo de resgate do débito histórico para com negros e afro-brasileiros e, consequentemente de avanço progressivo na conformação do Brasil como uma democracia desde uma perspectiva varia quais podem ser a racial, a étnica e a sociopolítica.
Concluindo a cerimônia
Juizo da banca examinadora
A cerimônia foi concluída com o solene pronunciamento do presidente da banca que anunciou a desejada formula de aprovação da tese e das condições para a obtenção do título de doutor, a saber: a publicação do texto na sua forma integral. Posteriormente tomei ciência da avaliação da banca: Summa cum Laude, isto é, a nota máxima.
Para concluir a cerimônia, agradeci aos presentes, meus paroquianos e amigos de Roma e Farnese, lugares onde exerci meu ministério pastoral. Ainda, minha família, ali representada pelas minhas irmãs Claudia Rocha Ferreira e Keila Rocha Santos Barros; e, pelo meu amigo e confrade P. Christiano Silvestre, que representou minha Arquidiocese. Assim, antes de participar do pequeno coquetel, organizado por alguns amigos, resumi o seguinte agradecimento, reproduzido, a seguir, na sua forma integral.
Agradecimentos
Cristo amigo, tu es minha vida, a minha força, a razão do meu ser, já me anima, a doce esperança, de um dia, na glória ti ver,...

Em memória dos que: por afinidades sentimentais intercederam da eternidade: meus pais, parentes, paroquianos, amigos; dos que, permanecendo anônimos ante minha memória, intercederam para que suas causas fossem retomadas: meus irmãos dos navios negreiros, arrancados de suas terras e trasladados para as Américas, meus irmãos que sonhando o eldorado europeu arriscam suas vidas no desesperado desejo de transpor a barreira mediterrânea que separa o sonhos da realidade;
Em gratidão às maternas Francisca Martinez Martos, Isabel Bueno Damas, Anna Maria Martos, O.P., Anna Di Paolo, Maria Vittoria Rossi, Alessandra Curre; di Angelo Santamaria; de Gianluca Liberati – meus anjos bons – que deram-me suporte, ensinando-me que o amor não conhece limites – nem de território, nem de sangue, nem de raça, nem de sexo – que somos todos partes da Criação; e, que, quando se sonha juntos – como diria Dom Hélder Câmara – encontramo-nos a um passo da transformação da utopia em realidade.
Aos que nutriram e contribuíram para que este momento se concretizasse: minha família, [aqui representada pelas minhas irmãs], que deram-me força, recordando-me, me sempre de onde saí e para onde estou indo; ao meu amado arcebispo – pastor e amigo – Dom José Palmeira Lessa [aqui representado pelos meus confrades], que incentivou a caminhar e teve a evangélica paciência esperar-me ao longo desta estrada; aos que deram-me suporte espiritual, intelectual e material: aos paroquianos da paróquia romana dedicada a Santa Paola, onde iniciei meu ministério, aos paroquianos e amigos da Paróquia Santa Maria Assunta de Capodimonte (VT) e aos meus amados paroquianos de Farnese, onde como pároco saboreei o mel e o fel da vida eclesial e do mundo clerical; às famílias religiosas – o Opus Dei, os Legionários de Cristo, a Companhia de Jesus, à Ordem dos Pregadores (dos Padres e Madres Domenicanas) e à Ordem dos Frades Menores –; às seguintes instituições: a Embaixada da França Junto à Santa Sé, a Stictin Porticus e a Adveniat, pois tornaram fatíveis os estudos até aqui empreendidos.
À diocese de Viterbo, nas pessoas de seu bispo emérito, Mons. Lorenzo Chiarinelli e de don Franco Magalotti, que encarnando uma máxima joaopaulosegundiana – dentro da Igreja Católica, ninguém se sinta como um estrangeiro – fizeram da Itália e da Igreja Viterbese a minha segunda pátria, segunda casa; meus formadores, don Carlos Moreda e P. Juan Manuel Dueñas, L.C., faróis de entusiasmo, serenidade e pureza em meu caminho ao sacerdócio; a Helen Alford, OP, vice-decano da Facoltà di Scienze Sociali que, marianamente, soube observar todos as coisas em seu coração, tornou-se o maior ícone mariano nesta última etapa de minha formação; à professora Paola Benevene, que vasculhou pacientemente toda a dissertação, garimpando as imprecisões de modo tão meticuloso que permitiu-me, juntamente com meu moderador de dar mais linearidade à investigação.
Aos meus Mestres – seres humanos de profunda lucidez evangélica e entranhada sintonia com a realidade – sociólogo Odelso Schneider, o historiador e teólogo Franco Azzalli, e os filósofos Dário Antiseri e José Ramón López de la Osa; que me ensinaram que para aprender a ser mestre, é necessária a inteligência, a persistência e a docilidade.
A todos, vocês, meus senhores e senhoras, amigos, meu afeto e minha eterna gratidão... Que Deus lhes pague!





[1] Feita esta restrição bibliográfica, agregou-se à bibliografia principal uma bibliografia complementar com textos dos principais interpretes, comentadores e críticos consultados durante a redação do projeto doutoral e que serviu de fundamento para a sustentação da afirmação feita acima ou seja: a de que somente um retorno às fontes, pode realmente estabelecer o alcance, o limite e o grau de contribuição que ambos os autores pode dar para o entendimento da problemática da integração negra e afrodescendente no Brasil. Nessa bibliografia complementar aparecem ainda os estudos socio-históricos que contribuíram para o entendimento da gênese e do desenvolvimento da questão racial no Brasil e da inserção dos dois autores no percurso interpretativo da questão.
[2] É deste parecer a grande maioria dos pesquisadores da questão racial a começar do próprio Florestan Fernandes e outros pensadores uspianos como Cardoso, Ianni, e Motta.
[3] Três obras de Florestan Fernandes serão o eixo do capítulo dedicado aos seus estudos. Aparecerão outras obras, que não tratam da questão, mas insere-a dentro de sua concepção da sociedade brasileira e do seu porvir. Estas serão usadas marginalmente, a modo de chave interpretativas de uma possível visão mais madura do autor.
[4] As relações entre a Igreja Católica e Estado Português foram determinantes para o constituição de Portugal como estado independentes, e como Imperial, após as descobertas ultramarinas. Esteve à base da consolidação do Brasil como Colônia, como Reino Unido e como Império. Em alguns aspectos, a Igreja era a legisladora legitimada pelo Estado português protagonizando, assim no processo de inserção dos africanos e afrodescendentes no Brasil.

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