Italia 1: o viterbese
Minha afinidade com a Itália vem de longe. Vem do início dos anos
oitenta, quando ludicamente escutava as musicas italianas que compunham o LP Rock’s & baladas.
Dentro de sua
escandalosa capa – ainda vigorava a censura – com um casal sentado numa moto
daquelas com o guidon e com o selim altos; ele, aparentemente nu, ela, somente
de calcinha; abrigavam-se perolas da musica italiana influenciada pelo estilo melódico
e ao mesmo tempo transgressivo do “rapazinho bonito e provinciano de Menphis”,
que com sua face doce e seus movimentos epilépticamente convulsivo seduzia o
mundo. Aquele disco, que servira de marco para meus contatos com a Itália trazia
o frescor irreverente de Elvis Presley e Little Richard ao lado dos consagradas
vozes de Gianni Morandi, Adriano Celentano, Peppino di Capri, Emilio Pericoli, Luciano
Tajoli, Il santo Califórnia,... Feras dos anos 60-70, que chegavam no Brasil
nos final dos anos 70. eram muitas as músicas e todas elas ficaram cravadas em
minha mente: Roberta, In ginacchio da te, Io che non vivo, Al di la,...
anos depois, com a magia de youtube
pude redescobrir aquela capa fascinante e aquelas músicas que marcaram minha
vida.
De fato, passadas quase três décadas de quando ouvi pela primeira
vez estes monstros da musica italiana, vejo-me escutando-os nostalgicamente, e
pensando o quanto a vida pode surpreender-nos. Quando cheguei em Roma – mas,
revelarei os detalhes desta experiência numa outra ocasião – um dos primeiros
lugares que conheci foi Viterbo, cidadezinha do Alto Lazio, Capital da homônima
Província. Recém chegado em Roma, como calouro nos estudos da Teologia Católica,
participei de uma excussão à Città dei
Papi – cidade dos Papas – visitando os maiores monumentos dos tempos áureos
dessa provinciana cidade.
Viterbo, terra de Santa Rosa de Viterbo, cidade medieval, com forte
marcas de seu passado etrusco, com suas tumbas, seus museus, bem que exala
aquele odor nostálgico de um tempo que não volta mais e que deve ser
preservado. Tempos de glórias; tempos em que os etruscos avançavam seus domínios
da Toscana ao Lazio; que os romanos construíam teatros – como o de Ferrento,
malmente conservado –; que os Papas fincavam residência, vinham sepultados – o Papa
português está sepultado na catedral,... Viterbo vive, nostalgicamente e
zelosamente, de seu glorioso passado!
Hoje sinto-me de casa – literalmente –, pois posso permitir-me dizer
que conheço muito de sua história, de sua geografia, de sua gente. Acabei
apaixonando-me dessa província não tão distante de Roma e a dois passos da
Toscana; cheira de parreiras e oliveiras, de gente simples e hospitaleira,
lugar de ralax para os amantes do
mar; de lagos, como o de Bolsena; da neve e das regiões montanhosas como as da
vizinha toscana onde está situado o Monte Amiata; de águas termais, dos bons
vinhos como o Est! Est!! Est!!!, de
Montefiascone...Viterbo é uma joia encastoada na grande coroa da romanidade.
Enfim, este canto da Itália é rica de história, de lendas e mistérios.
Pelas suas florestas viveram briganti como
Tiburzi, um fenômeno social
semelhante em muitas coisas com o cangaço
de Lampião, Maria Bonita, Dada e Corisco. Sua história privilegia-se por
custodiar a origem do termo Conclave –
quando a população local, após mais de um ano de espera para a escolha do novo
papa causada das discórdias entre as potentes famílias romanas que disputavam o
Trono de Pedro, decidiu fechas a chave os eleitores, descobriram o teto de onde
se reuniam e, enfim, colocaram-lhes “dieta” –; custodia ainda a trágica história
da destruição da sede do Ducado de Castro pelas tropas pontifícias; custodia,
para não fugir do tema, os palazzi
onde o papa Borja eternizara sua fama de Don
Juan; custodia, dentre tantas outras coisas, o lugar onde se dera o Milagre
Eucarístico que originou a festa e a procissão de Corpus Christi. Viterbo é assim – roubo e aplico impropriamente a feliz
expressão do soneto “Língua Portuguesa”, do poeta brasileiro Olavo
Bilac (1865-1918) – a mais bela flor do Lácio.
Na verdade, pensando bem, devo dar razão a Bilac e concluir
afirmando que, meu primeiro contato com a romanidade deu-se por meio de minha língua,
derivada do Latim Vulgar falado no Lácio, esta “ultima flor do Lácio, inculta e
bela”. Inculta pois falada originalmente por soldados, camponeses e pelas camadas
populares; diferente do Latim Clássico, falado pelas classes superiores.Vale reler
nosso grande poeta:
Soneto "Língua Portuguesa" de Olavo Bilac
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: "meu
filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
Nessun commento:
Posta un commento