Pour-parler
Cresci dentro de uma cultura cheia
de tabus; uns reais, outros aparentes.
Dos tabus que circulavam minha vida dois marcaram-me muito: o do futebol como "religião" estatal e, o outro, o que era sustentado pela máxima "futebol, religião e política não se discute". Quebrei-os desde sempre, pois, primeiro, nunca admiti, por ser brasileiro, tivesse o dever de cultuar o futebol. Nunca. Rejeitei a necessidade de cultuar os "santos" regionais e os do eixo Rio-Sampa; e, quando me perguntavam por qual time eu "intercedia" sempre respondi que não tinha time do coração, nem timinho nem timão.
Fiquei fora das confrarias
futebolísticas, fora das rodas dos entendidos no tema, ... Mas nunca
apresentei-me sabedor de tais argumentos. Sempre repudiei o mundialmente
difundido hábito de falar a despropósito, falar por falar, de falar por ter
ouvido dizer, nunca fui do pour-parler;
pois, sempre achei que ao invés do que se estabelecia como tabu, se poderia,
sim, discutir sobre futebol, religião e política, pois acreditei que na
discussão repousa a manifestação de um dos maiores desejos da humanidade: o
desejo de encontrar a verdade. Hoje, aliás, acho extremamente deletéria a
sustentação da validade de uma afirmação deste gênero. Não poder discutir sobre
religião não pressupõe somente evitar divergências - como bonachonamente alguns
podem querer interpretar - mas, na selva de espinhos e armadilhas do mercado
religioso, supõe a relatividade de todas elas, nivelando a busca da verdade na
possibilidade de vê-la dissolvida, ou, em pedaços, aqui e ali; supõe, ainda, a
desnecessidade de avaliação da atuação ética e moral dessas instituições e de
seus representantes, como se a sacralidade que reveste muitas delas
justificasse o farisaísmo e a prepotência de alguns guias e a passividade e
mansuetude como únicas possibilidade dos adeptos e fiéis de viverem conformes
aos pressupostos da divindade justiceira que, um dia, desembainharia sua
espada, se sentaria em seu trono e separaria os bons dos maus, "as ovelhas
dos carneiros", o "joio do trigo".
Nesta mesma linha, nada se poderia
indagar sobre o bem da polis, como se
o mau-caratismo de um administrador tivesse o mesmo valor do homem público
altruísta; ou, ingenuamente, como se descesse um "espírito santo" que
durante o mandato guiasse os homens públicos aplainados os tortuosos caminhos
que cortam a busca do bem de todos. Há muito tempo que penso - e ainda creio nisso
- que uma legenda partidária não vale outra, que existem políticos e políticos;
e, principalmente, que como já dissera o velho e bom filosofo Aristóteles, o
poder não corrompe o homem, mas faz emergir o que ele realmente tem dentro de
si.
Pour-parler, não! Pra falar com autoridade, é
necessário ter conhecimento de causa. Penso que pra evitar os lugares-comuns ou
o relativismo das ideias, se perseguimos a verdade, pra entrar num dialogo,
antes de mais nada, é necessário saber do que se fala e com quem se dialogara.
A este propósito, diante dos inúmeros protestos e reivindicações mostrados nos mass-medias,
nestas últimas semanas,
uma coisa me inquietava: os muitos que protestavam contra a PEC-37, sabiam do
que realmente se tratava? Assim, pra poder dialogar documentei-me e fiz um post sobre a famosa PEC, pois pra
dialogar sobre certos temas é necessários preparar-se. E, isto pelos seguintes
motivos: para que não vejas teu esforço intelectual não passar de um verborreia, para que teu interlocutor não
perca tempo, para que ao fim do diálogo, se esteja mais próximos da verdade,
mais enriquecidos.
Enfim, e sobre o futebol? Os 10 a 0
entre a Espanha e o Thaiti são a imagem mais plásticas de que, podemos sim,
discutir, argumentando, evitando o pour-paler,
de coisas da nossa cultura, da nossa transcendência e na nossa mundanidade.