1. Pour parler
Dos tabus que
circulavam minha vida dois marcaram-me muito: o do futebol como “religião”
estatal e, o outro, o que era sustentado pela máxima “futebol, religião e
política não se discute”. Quebrei-os desde sempre, pois nunca admiti que, por
ser brasileiro, tivesse o dever de cultuar o futebol. Nunca! Rejeitei a
necessidade de cultuar os “santos” regionais e os do eixo Rio-Sampa; e, quando
me perguntavam por qual time eu “intercedia” sempre respondi que não tinha “time
do coração”; nem timinho nem timão. Fiquei fora das confrarias
futebolísticas, fora das rodas dos entendidos no tema, ... Mas nunca
apresentei-me sabedor de tais argumentos. Sempre repudiei o mundialmente
difundido hábito de falar a despropósito, falar por falar, de falar por ter
ouvido dizer, nunca gostei do pour-parler
pois sempre achei que ao invés do que se estabelecia como tabu, poder-se-ia,
sim, discutir sobre futebol, religião e política, pois acreditei que na
discussão repousa a manifestação de um dos maiores desejos da humanidade: o
desejo de encontrar a verdade. Hoje, aliás, acho extremamente deletéria a
sustentação da validade de uma afirmação deste gênero.
Não poder
discutir sobre religião não pressupõe somente o rechaço das divergências – como
bonachonamente alguns podem querer interpretar – mas, na selva de espinhos e
armadilhas do mercado religioso, supõe a relatividade de todas elas, nivelando
a busca da verdade na possibilidade de vê-la dissolvida, ou, em pedaços. Aqui e
ali. Supõe, ainda, a desnecessidade de avaliação da atuação ética e moral
dessas instituições e de seus representantes como se a sacralidade que reveste
muitas delas justificasse o farisaísmo e a prepotência de alguns guias e a
passividade e mansuetude como únicas possibilidade dos adeptos e fiéis de
viverem conformes aos pressupostos da divindade justiceira que, um dia,
desembainharia sua espada, se sentaria em seu trono e separaria os bons dos
maus, “as ovelhas dos bodes” (Mt 25,
31-32),
o “joio do trigo” (Mt 13, 24-30).
Nesta mesma
linha, nada se poderia indagar sobre o bem da polis, como se o mau-caratismo de um administrador tivesse o mesmo
valor do homem público altruísta; ou, ingenuamente, como se descesse um “espírito
santo” que durante o mandato guiasse os homens públicos aplainando os tortuosos
caminhos que cortam a busca do bem de todos. Há muito tempo que penso – e ainda
creio nisso – que uma legenda partidária não vale outra, que existem políticos
e políticos; e, principalmente, que como já dissera o velho e bom filósofo
Aristóteles, o poder não corrompe o homem, mas faz emergir o que ele realmente
tem dentro de si.
Pour-parler, não! Pra
falar com autoridade, é necessário ter conhecimento de causa. Para evitar os
lugares-comuns ou o relativismo das ideias, se perseguimos a verdade, pra
entrar num dialogo, antes de mais nada, é necessário saber do que se fala e com
quem se dialogara. E, isto, pelos seguintes motivos: para que não vejas teu
esforço intelectual não passar de uma verborreia,
para que teu interlocutor não perca tempo, para que ao fim do diálogo, se
esteja mais próximos da verdade, mais enriquecidos.
Enfim, e sobre
o futebol? Os 7 a 1 do show de bola entre a Alemanha e o Brasil, deste último
Mundial são a imagem mais plásticas de que, podemos sim, discutir,
argumentando, evitando o pour-paler,
de coisas da nossa cultura, da nossa transcendência e na nossa mundanidade,
passando da banalidade à doxa e,
desta à episteme.
2. Doxa
Mesmo quando
possa parecer duro o juízo sobre as discussões fúteis na quais por vezes nos
enveredamos, o passo seguinte, da perda de tempo para a construção de uma
pré-compreensão.
In economics,
other social sciences and philosophy, analysis of social phenomena based on
one's own opinion(s) is referred to as normative analysis (what ought to be),
as opposed to positive analysis, which is based on scientific observation (what
materially is or is empirically demonstrable).
Historically, the distinction of demonstrated knowledge and opinion
was articulated by Ancient Greek philosophers. Today, Plato's analogy of the
divided line is a well-known illustration of the distinction between knowledge
and opinion, or knowledge and belief, in customary terminology of contemporary
philosophy. Opinions can be persuasive, but only the assertions they are based
on can be said to be true or false.
A doxa (δόξα) é opinião; isto é, o
conhecimento relativo que não colhe a autentica verdade e que, logo, é fonte de
erro. Neste sentido, contrapõe-se à episteme
(έπίστήμη).
Utilizada
pelos retóricos gregos como ferramenta para formação de argumentos através de
opiniões comuns, a doxa foi utilizada
pelos sofistas para persuadir as pessoas, levando Platão a condenar a
democracia ateniense.
A palavra doxa
ganhou novo sentido nos séculos III ac. e I ac quando, em Alexandria,
traduziram as escrituras hebraicas para o grego. Nessa tradução das Escrituras,
chamada Septuaginta, a palavra
hebraica para glória (kabot) foi
traduzida para o grego como doxa.
Essa tradução das Escrituras Hebraicas foi utilizada pela Igreja primitiva,
sendo constantemente citada e utilizada pelos redatores do Novo Testamento. Os
efeitos desse novo significado de doxa
como “glória” é evidenciado pela utilização da palavra em todos os lugares do
Novo Testamento e nos serviços de adoração da Igreja Ortodoxa Grega, que
reflete os costumes ou práticas mais do que a opinião pessoal.
Doxa na filosofia clássica. Platão costumava opor conhecimento à doxa, o que levou à clássica oposição de
erro à verdade, cuja análise desde então se tornou um grande interesse na
filosofia ocidental. Portanto, o erro é considerado no Ocidente como
negatividade pura, a qual pode tomar várias formas, dentre elas a forma de
ilusão. Desse modo, doxa pode
ironicamente ser definida como a “falha do filósofo”. Na retórica clássica, ela
é contrastada com episteme.
Platone [...] lo inserisce coerentemente nel
proprio pensiero, facendo della ‘doxa’ la conoscenza sensibile, articolata in ‘είκασία’,
immaginazione o conoscenza delle immagini sensibili, e, πίστις, credenza o
conoscenza degli oggetti sensibili. facendo dell’essere sensibile un piano
intermedio tra il vero essere – iperuranico (monde delle idee) – e il nulla,
Platone considera la ‘doxa’ come una conoscenza mediana, che richiede però di
essere confermata e trasformata in ‘episteme’ [Cf. Menone
97ss] (E. Vimercati, «Doxa», Enciclopedia filosofica, IV, Milano,
Bompiani, 2006, 3096-3097).
Entretanto,
Aristóteles (Metafisica,
VII, 15, 1039b 31) utilizou o termo endoxa – crenças
comumente sustentadas aceitas pelos sábios e pelos mais antigos e influentes
retores – para reconhecimento das crenças da cidade. Endoxa é uma crença mais estável do que doxa, porque ela tem sido “testada” nos debates da pólis por algum interveniente. A
utilização do termo endoxa pelo
estagirita pode ser encontrada nas suas obras Tópica e Retórica.
3. Episteme
O termo grego έπίστήμη
é normalmente traduzido, ao mesmo tempo, seja como “conhecimento” seja como
“ciência”. Se partirmos de Platão, como foi dito acima, com este termo
prentende-se indicar a forma mais completa e sistemática de saber. Mas, é
importante ressaltar que, na linguagem hodierna, tais traduções não equivalem
ao que comumente conhecemos como “ciência”, nem menos indica qualquer tipo de
conhecimento. A mais antiga reflexão grega sobre o conhecimento assume para si
como caso paradigmático, aquele no qual o objeto está diante da vista de quem o
conhece: até que o objeto permaneça firme diante dos olhos do observador, ele é
claramente conhecido. Todavia, tão logo ele sai daquele campo visível, já não
esta mais sob seu controle. Daqui o problema de seu porvir, a qual
possibilidade de conhecimento não é mais garantida. sob profunda influência de
Parmênides, difunde-se a ideia de que somente daquilo que é imóvel e imutável
si possa obter o verdadeiro conhecimento; enquanto que, de tudo o que seja contingente ou, em
qualquer modo, mutável, pode-se, tão
somente, ter uma opinião.
Se poi si accetta l’idea di Eraclito, secondo il
quale tutta la realtà non è immobile ma in incessante flusso, la conclusione
non è lo scetticismo, ma un relativismo come quello di Protagora: la conoscenza
non è impossibile, ma dipende interamente dal punto di vista e dalla situazione
del soggetto conoscente (P. Fait, «Episteme», Enciclopedia filosofica, IV, Milano, Bompiani, 2006, 3449-3450).
Plantão, dentro deste quadro problemático, busca
definir a episteme. tudo aquilo que
é, adequadamente, objeto de conhecimento não pode mudar no tempo logo, não pode
ser nada do mundo sensivelmente perceptível. Ainda: para ele, a episteme não pode ser doxa, uma mera opinião, mesmo quando
esta seja verdadeira. o objeto de opinião, de fato, é inconstante e, assim, tem
que ser, de qualquer modo, “amarrado”.
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